Além das eternas disputas por terras e reconhecimento, ainda hoje, as aldeias enfrentam um grave problema de comunicação. Com a Internet, o contato e a troca de informações entre tribos e cidades poderiam se tornar bem mais fáceis, além de ajudar a comunidade a manter sua própria história e a divulgar ao mundo a cultura e as tradições indígenas. O problema é que o acesso aos computadores continua sendo um tabu. Projetos governamentais e de ONGs enfrentam uma série de dificuldades e, muitas vezes, os índios não sabem a quem recorrer. O mais grave ocorre quando iniciativas funcionam, dão certo, mas depois são abandonadas.
Paulo Rebêlo – email
Folha de Pernambuco
Até hoje, dois projetos isolados se destacaram em Pernambuco. O primeiro se chama InfoTaba e surgiu em 1999, com intermédio da Secretaria de Educação do Estado. No entanto, ficou estagnado nos últimos anos e somente agora, em 2005, o governo parece ter recomeçado as negociações para ampliar a área de atuação. O InfoTaba atende apenas a comunidade Fulni-ô em Águas Belas, a 310 km do Recife. O segundo nasceu de uma iniciativa do Movimento Tortura Nunca Mais (MTNM), em 2000, para informatizar a comunidade Xukuru em Pesqueira, a 216 km da capital. A empreitada durou apenas um ano.
Os problemas são muitos e as expectativas são poucas. Há dificuldades técnicas e financeiras, mas também há um empecilho o qual poucos prestam atenção: a cultura indígena. “A inclusão da informática nas aldeias sempre causa polêmica, pois ainda existem os que preservam a cultura tradicional com afinco. Para estes, colocar um computador conectado a uma rede global é quase uma heresia,” explica a pesquisadora, Eula Taveira Cabral.
Não apenas em Pernambuco, mas em todos os estados brasileiros onde a informática chegou em determinadas aldeias, a vida da comunidade mudou por completo. Hoje, com boa parte das iniciativas paradas ou com o descaso das autoridades, os índios ficam de mãos atadas e sem o poder de comunicação da Internet.
Eula Cabral explica um outro fator de exclusão, que é a separação entre os índios “legítimos” e “misturados”. Os “legítimos” são os tradicionais, cuja realidade é apenas aquela da aldeia e nada mais. Enquanto os “misturados” se encontram em uma posição complicada, porque às vezes nem eles sabem qual é a realidade em que se encontram. “Eles vivem como qualquer outra pessoa, com direitos e deveres. Para eles, ter um computador e acompanhar a economia, a política e as novas tecnologias é uma necessidade. As raízes se enfraqueceram e, hoje em dia, não há mais todo o referencial dos antepassados. Ao mesmo tempo, afirmar que estão cobrando acesso às tecnologias é culturalmente complicado para eles,” diz. Ela ainda questiona se, de certa forma, a informatização das aldeias não é mais uma imposição “nossa”, em vez de uma cobrança ou necessidade dos próprios índios.
Para Roberto Saraiva, da coordenação do Centro Indigenista Missionário (CIMI) no Recife, a discussão tem sido deixada de lado pelo governo e pelas empresas. “Aqui, parece que é assim, quando uma coisa funciona e dá certo, os recursos acabam e ninguém se lembra mais”, critica. Saraiva recorda que o projeto encabeçado pelo MTNM beneficiou as 23 aldeias Xukurus, mas não houve continuidade e muitos computadores estão quebrados e sem manutenção.
De acordo com a presidente do MTNM, Amparo Araújo, o projeto foi desenvolvido para durar apenas um ano com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mas já era esperado que, depois desse tempo, a aldeia andasse com as próprias pernas ou procurasse parcerias.
“Mesmo assim, continuamos prestando assessoria política para os Xukurus. O projeto terminou em 2001, mas foi muito proveitoso. Os professores foram da própria aldeia e passaram seis meses em treinamento com técnicos em Arcoverde, de modo a repassar o conhecimento na comunidade,” relembra Araújo.
Táticas de informatização recebem críticas —
Não é difícil identificar a problemática da informatização indígena. Quando nem a Fundação Nacional do Índio (Funai) dispõe de informações ou projetos em andamento sobre o assunto em Pernambuco, é porque a situação é mesmo séria. Marcos Xukuru, da aldeia Xukuru, em Pesqueira, relata o descaso das partes envolvidas. “Na aldeia tem uma antena para conexão à Internet por satélite, que deve custar muito caro. E está parada há mais um de um ano, não podemos nos comunicar pela Rede”, revela.
A informatização com os Xukurus, liderada em 2000 pelo Movimento Tortura Nunca Mais (MTNM), consistiu na instalação de um laboratório com 12 computadores conectados à Internet via satélite, pela Embratel. Eram sete turmas por dia, de duas horas cada, com 22 alunos por sessão. Os índios aprenderam noções básicas, uso de Internet e pacotes de escritório. “As crianças aprendiam a digitar com os próprios livros da aldeia, como uma forma de escrever a própria história”, lembra a presidente do MTNM, Amparo Araújo.
Amparo explica que o projeto acabou, não havia como continuar. “A gente conseguiu várias parcerias e tínhamos os recursos do FAT, mas o prazo era de um ano. Nunca recebemos pedido de ajuda dos Xukurus sobre os computadores depois disso, não nos recusaríamos a ajudá-los em procurar outros parceiros, mas o projeto terminou oficialmente em 2001. Formalmente, não podemos mais fazer a manutenção,” rebate. Para ela, o cenário ideal seria um laboratório móvel, com estrutura para rodar várias aldeias no Estado e não apenas comunidades fixas, mas faltam os recursos.
Em Águas Belas, a Secretaria de Educação de Pernambuco implementou o InfoTaba para os Fulni-ô, com dez computadores. Somente no final do ano passado é que as máquinas foram conectadas à Internet, via satélite. “Fizemos a capacitação de duas pessoas da aldeia e agora elas repassam o conhecimento aos demais, como multiplicadores”, adianta o superintendente de Tecnologia da Informação da Secretaria, Benedito Parente. “As ações ainda são poucas, mas estamos fazendo novas reuniões para expandir o InfoTaba a outras aldeias”, adianta.
Se por um lado os Xukurus estão desconectados da Internet, por outro, os Fulni-ô tiram proveito das novas tecnologias com o InfoTaba. O índio Luciano Barbosa, que também tem um grupo de música índigena, tece vários elogios ao programa. “As crianças adoram, os adultos tiram proveito, todo mundo usa. Serve para a gente se comunicar com a cidade por e-mail e para divulgar nosso trabalho”, comemora.
Barco superou falta de estrutura —
Um dos projetos mais interessantes de informatização das aldeias ocorreu no Estado do Amapá. No entanto, a exemplo de tantos outras iniciativas do gênero, caiu no esquecimento após os primeiros anos. A idéia – batizada de Navegar – consistia em um barco-laboratório cruzando o arquipélago do Bailique, para dar acesso à Internet nas aldeias indígenas que sequer tinham energia elétrica ou água encanada.
Do lado de fora, o barco é bem típico da região Norte do País, feito de madeira. Com três andares, tinha uma antena de comunicação via satélite, oito computadores, um sistema de GPS (localização por satélite), uma câmera digital, um scanner, uma impressora jato de tinta e duas webcams. Ainda sobrava espaço para a movimentação de 20 instrutores. Como as vilas do Bailique estão ligadas apenas por rios, as comunidades ficam separadas por dois ou três dias de viagem – usando barcos, o único meio de transporte disponível. Com a Internet, a comunidade troca e-mails e se mantém informada sobre o que está acontecendo nas vilas e aldeias vizinhas. O arquipélago do Bailique fica a 112 km de Macapá, umas 12 horas de barco.
Hoje, o site do Navegar está desatualizado e abandonado. O site Índios Online foi, até o ano passado, uma excelente referência cultural para estudantes e pesquisadores. As pessoas podiam conversar em tempo real com os índios nas aldeias. Hoje, várias comunidades estão desconectadas do programa, mas a previsão é de que, até o final deste mês, a ONG Thydêwá consiga firmar novas parcerias e reconectar várias aldeias. Contam com apoio das comunidades Tupinambá, Kiriri, Pataxó Hãhãhãe e Tumbalalá, na Bahia; Kariri-Xocó e Xucuru-Kariri em Alagoas; e Pankararu em Pernambuco.