Paulo Rebêlo – [email protected]
Com o lançamento recente de jogos bem violentos como Doom 3, Half-Life 2 e Pacific Assault, pais e psicólogos redobram atenções ao papel que os jogos podem representar na educação de crianças e adolescentes. A polêmica sobre o efeito da violência ganha mais força agora, período de férias escolares, e também porque os jogos mais cobiçados geralmente são os mais agressivos, onde imperam cenas com bastante sangue, assassinatos, roubos e situações moralmente questionáveis. São dúvidas reincidentes sobre até onde as crianças são influenciadas pela imersão no computador e se a violência gera reflexos na vida real, transformando a garotada em crianças violentas e irritadas. O assunto não é tão simples quanto parece, pois envolve questões de educação doméstica e acompanhamento familiar. O argumento costuma ser o mesmo, de que a violência nas telas pode induzir seu filho a cometer atrocidades nas ruas. No caso, violência contra mulheres e assassinato de policiais, por exemplo, como ocorre em alguns jogos. E se isso acontecer de verdade, seria culpa da influência dos games ou da educação que os filhos recebem dos pais, incluindo falta de diálogo e acompanhamento? Veja o que eles e os especialistas dizem disso.
Cada família com suas regras
O único consenso existente entre psicólogos e pais preocupados é que uma boa educação doméstica, aliada ao convívio harmonioso com os filhos, são os melhores remédios contra qualquer tipo de efeito multimídia da violência, seja do computador ou da televisão. Evidente, a regra tem exceções e não é incomum uma criança vir a apresentar mudanças de comportamento sob efeito dos jogos. Para muita gente, porém, a polêmica não passa de bobagem e, às vezes, pode servir apenas como desculpa pela ausência de pais que não dão a devida atenção aos filhos.
O auditor fiscal, Marcelo Nunes, fez questão de repassar os “conhecimentos” de jogos para o filhos Pedro, de 4 anos, e Caio, de 9. Pedro joga Counter-Strike e outros jogos tidos como violentos desde os 3 anos, apesar de preferir os de corrida. Por ser muito novo, o pai movimentava o personagem e avisava a hora certa para Pedro “dar o tiro”, clicando no mouse e fuzilando terroristas e policiais. O mesmo vale para Caio, que gosta de GTA, onde o personagem trafica drogas, rouba carros e mata policiais. “É uma bobagem, a criança não vai virar ladrão, ficar violenta ou sair batendo nos amigos por causa de um jogo. Qualquer pai que acompanha o crescimento e a educação dos filhos sabe reconhecer quando algo está errado. Tem muita coisa pior na rua,” opina Nunes. Ele ainda questiona a eficácia de proibir as crianças de jogar o que gostam e de brincar se, no colégio, os colegas vão comentar sobre o assunto de qualquer jeito. “É inútil, as crianças reconhecem o que é realidade e ficção no jogo,” completa.
A advogada Ana Silva* pensa diferente. Preocupada com os filhos, uma menina de 4 anos e um menino de 6, ela restringe o acesso a jogos violentos e até a programas de televisão. “Não os deixo ver telejornais, filmes adultos, novelas, seriados do tipo Malhação e proíbo alguns canais de desenhos da TV a cabo”, diz. Na opinião da advogada, eles são muitos novos e já têm acesso a um volume grande de informação. “As crianças não têm discernimento para várias coisas, incluindo informação visual”, explica. Um ponto polêmico levantado pela advogada é a questão do autocontrole. “Ao jogar, fico profundamente irritada quando morro durante o jogo. É frustrante esperar este autocontrole da criança, é esperar demais”, avalia.
No Núcleo de Pesquisas de Psicologia em Informática da PUC, os psicólogos não concordam que jogos violentos sejam completamente responsáveis por estimular a violência entre crianças, mas apenas se ela já tiver uma predisposição a ser violenta. E, neste caso, não apenas jogos podem influenciar, como também a televisão, o comportamento dos pais, entre outros fatores externos. Por outro lado, há o consenso de que, cada vez mais, jogos e televisão estão tornando a violência algo muito banal e cotidiana.
*Nome fictício. A personagem preferiu não se identificar
Realismo é questionado
O escritor equatoriano, Oscar Echevérri, costuma ser referência em pesquisas sobre violência urbana. Na obra “La Violencia: ubicua, elusiva, prevenible”, de 1994, Echevérri já afirmava que mais de 3 mil estudos mostram uma correlação entre assistir violência e possuir uma conduta violenta. Os jogos com armas contribuem, segundo o autor, para legitimar condutas violentas e pode ajudar na formação de personalidades anti-sociais. Por outro lado, Echevérri lembra que não se deve repreender ou castigar atos errados com violência, pois o efeito pode ser o mesmo e talvez até ajude a criar, no jovem, a idéia de que atos violentos são aceitáveis.
O publicitário Eden Wiedemann está entre os que não vêem com bons olhos a idéia genérica de que jogos violentos fazem mal à educação das crianças. O filho, Filipe, joga desde os 3 anos de idade (hoje tem 5), vários jogos no PC e no Playstation. “O principal é a criança ser orientada a separar o real da ficção, saber de que se trata de jogo. Talvez ajude o fato de que estou sempre presente, mostrando o que é certo ou errado,” explica Wiedemann.
“Não acredito nessas generalizações de que o impacto dos jogos mude ou transforme meu filho. Se ele fosse sozinho no mundo, sem orientação, talvez fosse influenciável, mas não como algumas pessoas pregam por aí,” desabafa o publicitário. O filho não apenas gosta de jogar, como joga bem. Adora o Counter-Strike, onde terroristas lutam contra policiais. “A televisão exibe cenas tão fortes quanto os jogos. Vários desenhos animados mostram sangue espirrando, novelas apresentam cenas simuladas de sexo e muito mais,” alfineta.
O doutor em Sociologia, Valmor Bolan, explica que existe uma certa empolgação nos adolescentes vinda de jogos que estimulam fantasias extravagantes. Jogando, eles supostamente dão asas a desejos que não podem se manifestar no mundo real, geralmente expressões de transgressão e crueldade: eliminar adversários, estraçalhar corpos, ensangüentar vítimas, exterminar criaturas. E o problema, na opinião de Bolan, é quando certos jovens não conseguem deixar esse mundo da fantasia e querem repetir os atos no mundo real. “Devemos ter um discernimento que permita fazer prevalecer uma ética da vida, que seja capaz de erradicar o joio da violência e desabrochar o respeito à vida humana em todos os aspectos,” sugere Bolan.
O analista de negócios para a Sony Latin America, René de Paula Jr., lembra que é preciso acrescentar um outro componente ao debate: o excesso de realismo nos jogos de última geração. “O hiper-realismo, o tiro em estéreo, o joystick que vibra, a agonia escandalosa e berrante dos baleados. Isso mexe com estruturas primárias, com instintos profundos. Você morre mas renasce, você mata mas não paga os pecados,” pondera. René questiona se esse aprendizado dos jogos violentos serve para alguma coisa, se a capacidade de ser feliz ou bem-sucedido no mundo aumenta por causa disso. “Se estivéssemos no século XII, talvez. Ou na pré-história. Ou na Rocinha”, responde.