Cinema // Documentário Doce Brasil Holandês questiona a saudade que os pernambucanos têm do invasor europeu
Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
25.março.2009
Passados quase 400 anos do domínio holandês, ainda ecoa entre historiadores e brasilianistas a teoria de que o Nordeste do Brasil poderia ter se desenvolvido bem mais sob a bandeira da Holanda em vez da regência de Portugal.
Entre outros argumentos, expõe-se o tempo em solo pernambucano do Conde Maurício de Nassau, o príncipe holandês responsável pelo início de uma série de construções e reparos estruturais então restritos à Europa, a partir da ideia fixa em construir sua cidade ideal: Maurícia.
Também conhecida como Mauriciópolis, a Maurícia do Conde Nassau ficava ao lado do Recife daquela época, um trecho entre a foz dos rios Capibaribe e Beberibe. E quem estiver de passagem pelo Pátio de São Pedro hoje à tarde vai entender que o nó na cabeça dos historiadores é maior do que o senso comum imagina.
Se depender da cineasta gaúcha Mônica Schmiedt, a estranha nostalgia dos pernambucanos será retratada por um caminho inverso. Em vez de o Brasil buscar suas raízes fora, é uma holandesa que vem à antiga Maurícia atrás de sentimentos e experiências sobre seus antepassados. Vem para conhecer o Doce Brasil holandês.
A historiadora e artista Sabrina van der Ley, agora transformada em atriz, tem o mesmo sobrenome de um dos primeiros holandeses que chegaram ao Brasil. Gaspar van der Ley desembarcou junto a Maurício de Nassau em Pernambuco (1630) e daqui não mais saiu. Fincou raízes e tornou-se dono de engenho. Na prática, há quem acredite que Gaspar tornou-se um dos primeiros coronéis do Nordeste – estes, sim, presentes até hoje.
Holandesa, Sabrina ven der Ley reside há anos na Alemanha e esta é sua primeira visita ao Brasil. As filmagens com a atriz acabam hoje à tarde, no Pátio de São Pedro. Doce Brasil Holandês, um documentário de 60 minutos produzido para televisão, começou a ser elaborado há três anos, embora os trâmites para exibição não estejam concluídos. As gravações em Berlim, Amsterdã e Haia (Holanda) estão prontas. Faltava a etapa final, o retorno àex-Maurícia de quem busca pelos primeiros familiares van der Ley. De acordo com a diretora, o primeiro corte do filme deve estar pronto já em agosto deste ano.
O ponto de partida é a razão pela qual um povo teria saudade de um invasor, a partir da pesquisa e história pessoal de Sabrina van der Ley. A atriz não esconde o espanto com o aspecto quase surreal da constatação, ao menos entre as poucas pessoas que ainda lembram dos relatos contidos nos livros de história sobre o Conde Maurício de Nassau. “É muito curioso, porque afinal de contas o Nassau era um invasor e traficava escravos, não havia nada de bonzinho nisso”, sugere Sabrina, com o mesmo espanto que fala do desleixo de Pernambuco com a arquitetura e as construções históricas.
Com roteiro de Liliana Sulzbach e Mirella Martinelli, Doce Brasil Holandês quer mostrar não apenas a dubiedade nostálgica dos pernambucanos, mas sobretudo o sentimento e as impressões de Sabrina. Na vida real, a atriz chegou a montar exposições sobre as chamadas “cidades ideais”,onde teve seus primeiros contatos com a história de Maurício de Nassau e sua idealizada Maurícia.
A própria História é ambígua em suas versões. Ainda hoje, historiadores não se entendem sobre o real motivo da saída dos holandeses de Pernambuco. Enquanto a versão clássica ensinada em sala de aula fala em expulsão pelos pernambucanos com apoio dos portugueses – a tão badalada Insurreição Pernambucana – há colisões frontais contra a tese.
Por exemplo, no livro O negócio do Brasil-Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669, o historiador Evaldo Cabral de Mello garante que Portugal comprou (por 63 toneladas de ouro) o Nordeste dos holandeses. Estes, por sua vez, se encontravam em franco declínio após outras batalhas perdidas – em outros continentes – e entenderam a oferta como um bom negócio.