Entrevista [Antônio Lavareda]: querem eleição sem campanha

Paulo Rebêlo e César Rocha
Diario de Pernambuco – 10.julho.2008

De passagem pelo Recife para divulgar seu livro (Partidos no Pós Guerra: Eleição em Pernambuco 1945 – 1947), o cientista político e analista de pesquisas Antônio Lavareda tem uma visão privilegiada do Recife. Não apenas pela altura do empresarial na Ilha do Leite e suas amplas janelas, mas sobretudo pelo seu histórico nas principais campanhas eleitorais da capital. Pela primeira vez em mais de duas décadas, Lavareda não gerencia a comunicação e o marketing de um candidato local — apesar de fazer consultoria para a campanha de André Campos (PT) em Jaboatão dos Guararapes. Ele é o responsável direto pelo marketing de Gilberto Kassab, candidato à prefeitura de São Paulo, além de outras tantas cidades brasileiras. Na entrevista a seguir, concedida na sede de sua empresa (a MCI), Lavareda critica a legislação eleitoral em vigor no Brasil, cobra mais transparência e informação nos guias televisivos, sugere a ampliação do período eleitoral para que o eleitor se informe melhor e analisa o potencial dos principais concorrentes da disputa municipal deste ano.


Mais transparência e informação

Nas campanhas políticas, precisamos pensar em três fatores básicos: custos, transparência e informação. Primeiro, há um consenso geral de que é preciso baratear as campanhas. Segundo, precisamos ter mais transparência, ter mais controle. E terceiro, é preciso levar mais informação, dotar as campanhas de um caráter mais informativo, de modo a permitir ao eleitor fazer escolhas mais informadas, mais criteriosas. Há dificuldade natural por causa de um elemento muito caro: o guia eleitoral. É uma tradição nas campanhas desde os anos 80 e se mantém sem grandes alterações.

Período eleitoral é curto demais

Hoje há uma interpretação que as campanhas precisam ser encurtadas. Minha leitura é diferente: acho que o período pode ser dilatado, sem a necessidade de ter esta quantidade atual de guias eleitorais. Com um período maior, poderíamos fazer novos debates públicos, assim teríamos a população preparada, mais informada. Não adianta vários programas concentrados em pouco espaço de tempo. Penso em 90 dias em vez dos atuais 45 dias, por exemplo. Parte do horário [para programas] iria para as emissoras de televisão que, por iniciativa própria, realizariam outros debates.

Legislação absurda

Os candidatos deveriam ter ampla liberdade de campanha na internet. Esse entendimento da Justiça de proibir tanta coisa na rede é um absurdo. Também há coibição para que os partidos não façam campanha antes de julho, outro absurdo, isso não existe. Em ano de eleição, a principal função do partido é divulgar suas candidaturas e as idéias dos seus candidatos. Ocorre uma espécie de caça às bruxas, com o Ministério Público e os juízes eleitorais absolutamente excitados com a expectativa do cumprimento rigoroso das disposições legais. Ao fim, são discussões que não contribuem para o aperfeiçoamento do sistema e da democracia.

Querem reinventar a roda

A legislação vigente contribui para desequilibrar a balança entre candidatos que são apoiados pela situação, pelas máquinas públicas, daqueles candidatos da oposição que não têm sequer o mínimo de estrutura ou condições. Imagine só, a campanha “começa” em julho, mas em junho o candidato não pode fazer nenhuma alusão ao pleito. Não tem o menor sentido. Perceba que, pela sua própria lógica funcional, a internet é algo incensurável, está acima de qualquer possibilidade de restrição, mas no Brasil ainda se tenta reinventar a roda.

Preconceito político

Campanha é transmitir informação para os eleitores. O que há de negativo neste conceito? No Brasil, de certa forma esboçou-se a idéia de que campanhas são algo demoníaco, fazem mal. Como vão se informar sobre quem é o melhor candidato? Só vão ter acesso a 45 dias pelos guias e propagandas. O juiz diz que o candidato não pode se comunicar com o eleitor pela internet, querem proibir até entrevistas em jornal. Alguns segmentos no Brasil tentam produzir, hoje, uma figura absolutamente disparatada, que é a eleição sem campanha. Há um preconceito forte, é vista pelo lado menos nobre.

Papel dos partidos

Era bem mais importante no passado e as pessoas tinham um grau de participação bem mais elevado. Hoje as eleições são basicamente a imagem dos candidatos. Óbvio que as forças políticas, as lideranças das quais os candidatos são associados, continuam importantes, mas tudo se tornou uma espécie de “marca corporativa”. O PT é uma marca corporativa para seus candidatos, o PSDB e o PMDB em alguma medida também são. Às vezes, lideranças importantes se transformam nessas marcas corporativas, como é o caso com Jarbas Vasconcelos, ao emprestar credibilidade sobretudo num momento inicial, quando os candidatos são desconhecidos pela maioria. Os candidatos, em si, carregam maior importância do que antigamente.

Aposta do eleitor recifense

A principal característica desta eleição é o fato de ocorrer após um ciclo longo, que é o período de oito anos com alguém no poder. Ao final de ciclo longo, como tivemos em 2006 [para o governo estadual] e vamos ter agora em 2008 para a prefeitura, se trata de uma espécie de aposta do eleitor no futuro, sobre qual candidato consegue reunir as melhores condições para produzir e assegurar o futuro melhor para a cidade.

Nivelamento entre candidatos

Para os quatro principais candidatos [Raul Henry, Mendonça Filho, Cadoca e João da Costa] deve-se notar o seguinte: dois deles possuem um patamar elevado de conhecimento do público, já participaram de campanhas majoritárias em períodos relativamente recentes. Eu mesmo fui responsável pelo marketing e comunicação de dois deles (Mendonça e Cadoca), em campanhas reconhecidamente difíceis. São candidatos já conhecidos, então a campanha é de caráter mantenedor, tentando manter a imagem positiva que eles têm e que lhes permite ter hoje as intenções de voto respaldadas com a votação de ontem. E por outro lado, há as interrogações com candidatos menos conhecidos e com perspectiva de ascensão. Em linhas gerais, é assim que se define a campanha municipal.

Segundo turno

É uma campanha difícil de não ter dois turnos. Qual foi a última vez que tivemos quatro candidatos competitivos no Recife? Já tivemos três, mas não quatro. Há uma elevada probabilidade que o prefeito eleito venha a ser Governador de Pernambuco. Só existe um governador, desde 1945, que não foi prefeito do Recife: o próprio Eduardo Campos (PSB). Todos os outros, salvo obviamente os nomeados, foram prefeitos da capital. A principal diferença destas eleições, em relação a 2006, é que o grupo que estava unificado, se fracionou. E o grupo que estava fracionado, agora se unificou.