Eleições sob vigilância na Venezuela

Observadores internacionais chegam à Venezuela para fiscalizar a lisura do processo eleitoral que vai escolher novos governadores e prefeitos do país

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco

16.novembro.2008

Uma centena de observadores internacionais são esperados na Venezuela, a partir desta semana, para conferir a lisura das eleições locais do próximo domingo, 23. Por trás da boa vontade patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), contudo, há a expectativa velada sobre os limites da influência atual do presidente Hugo Chávez, prestes a completar 11 anos no poder e com mandato até 2013.

Observadores já presentes no país relatam que o clima é tenso, sobretudo diante do crescimento da oposição à Chávez e, por tabela, o aumento das ameaças do presidente. Os venezuelanos vão escolher seus representantes em 22 dos 23 Estados do país, além de 328 prefeitos e 233 legisladores provinciais.

A conjuntura geopolítica reforça ainda mais a importância das eleições locais. Nos últimos quatro anos, Chávez conseguiu obter uma liderança invejada na América do Sul, principalmente com os aliados Evo Morales (Bolívia), Equador (Rafael Correa) e com o Brasil do presidente Lula. No entanto, seu apoio nacional tem apresentado quedas vertiginosas a cada ano.

Com a crise financeira mundial, analistas questionam até onde a bonança do petróleo na Venezuela será capaz de segurar os ideais do “socialismo do século XXI” proferidos por Chávez desde que chegou ao poder. Ao mesmo tempo, o resultado das eleições pode igualmente definir o caminho da retórica revolucionária de Chávez sobre um diálogo mais ameno com os Estados Unidos, agora com Barack Obama declarado presidente.

Pesquisas divulgadas pela Interlace mostram pelo menos oito Estados onde Chávez deve perder. É um quadro bem diferente das últimas eleições regionais, em 2004, quando os chavistas ganharam em 20 dos 23 estados e na maioria das 328 prefeituras e das 233 legislaturas provinciais, incluindo a capital Caracas.

Para o especialista em América Latina e professor de História da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Aggio, a principal diferença de hoje é que os partidos da oposição apresentam um caráter bem mais pluralista do que outrora. “Chávez sempre teve um apoio maciço dos mais pobres, mas agora há setores da oposição vindos de várias camadas sociais”, explica Aggio. “Não imaginava uma contestação do poder chavista, mas hoje a questão parece ser, justamente, a alternância do poder”, pondera.

Para o cientista político Marcos Costa Lima, da Universidade Federal de Pernambuco, o jogo é duro para estas eleições e com razão. “Parte dos intelectuais até simpatizavam com o presidente, mas hoje a gente percebe como as críticas aumentaram”, explica. No entanto, para Costa Lima, ninguém pode acusar Chávez de não respeitar o processo democrático. “No referendo do ano passado, o qual seria um método de se perpetuar ainda mais no poder, ele perdeu. E até agora tem respeitado os princípios constitucionais daquele resultado”, reforça o cientista político.

A política controvertida de Chávez

As agressões verbais de Hugo Chávez ao que ele chama de “imperialismo” não passam de retórica. A opinião é do professor Alberto Aggio, especialista em América Latina na Unesp. “Chávez nunca tomou medidas concretas sobre a exportação de petróleo para os Estados Unidos, seu principal comprador e os americanos também nunca deixaram de comprar”, ironiza. O mesmo vale para o recente conflito entre a Venezuela e a Colômbia, quando a francesa Ingrid Bettancourt foi resgatada das Farc em território equatoriano pelo exército colombiano. O comércio bilateral não sofreu alterações, até porque os dois países são parceiros comerciais de mútua importância.

Por outro lado, do ponto de vista político, o cenário não é tão simples assim. “Há relatos de registro de candidaturas sendo canceladas pelo próprio Chávez. O Tribunal Eleitoral até existe, mas não tem a autonomia encontrada aqui no Brasil, por exemplo”, explica Aggio. Marcos Costa Lima, cientista político na UFPE, reforça a idéia de que a principal dificuldade para Chávez, nas eleições do próximo domingo, são os ex-aliados que hoje criticam o regime chavista.

Um dos exemplos mais notórios é de Luís Miquilena, antigo mentor de Chávez e hoje um dos seus principais opositores. Ele acusa o presidente de desequilibrar o clima eleitoral com ameaças orçamentárias e militares em regiões onde os candidatos chavistas forem derrotados. Em uma de suas declarações públicas, ainda em outubro, Chávez chegou a dizer que “consideraria um plano militar se a prefeitura de Maracaibo (na fronteira com a Colômbia) fosse conquistada pelo líder opositor”.

O político em questão é bastante conhecido da comunidade internacional: Manuel Rosales, derrotado por Chávez nas eleições presidenciais em dezembro de 2006, a qual definiu a permanência de Hugo Chávez no poder até 2013.

Revolução Bolivariana

Qualquer mudança que haja na Venezuela, vai barrar em Hugo Chávez e nos seus ideais. O principal deles o Socialismo do século XXI. Eis a concepção a nortear Hugo Chávez e seu discurso político contra o imperialismo e o capitalismo, sem deixar de citar a chamada Revolução Bolivariana. Trata-se de um termo criado pelo próprio Chávez para ilustrar as mudanças sociais e econômicas, supostamente iniciadas com seu governo em 1999. A expressão não surgiu à toa, mas da figura de Símon Bolívar (1783-1830). Venezuelano, Bolívar é considerado um dos principais líderes da independência dos países de colonização espanhola. Ele foi presidente da “Grande Colômbia” por nove anos, comandando os territórios que hoje pertencem ao Peru, Bolívia e à própria Colômbia.

Hugo Chávez nasceu em 28 de julho de 1954 e sua carreira consolidou-se no Exército da Venezuela, onde entrou aos 17 anos, mas na Academia de Ciências Militares, onde se formou. Cursou Ciência Política em Caracas, mas não chegou a terminar o curso. Segundo relatos históricos, o discurso da Revolução Bolivariana começou no início dos anos 80, ao fundar o Movimento Revolucionário Bolivariano (MBR-200). No Exército, protagonizou em 1992 a tentativa de um golpe de Estado para tirar o presidente Andrés Pérez do poder. A tentativa falhou, diante da falta de adesão dos militares na época. A partir dali, contudo, sua figura folclórica (para os padrões internacionais) tornou-se ícone para a camada mais pobre e excluída da sociedade, que enxergava na gestão de Pérez um sistema corrupto e que só privilegiava os ricos.

Preso por dois anos, foi perdoado pelo presidente Rafael Caldera em 1994 e refundou o MBR-200 para Movimento Quinta República (MVR, o V vem de 5 em romano) e começou sua campanha presidencial em 1998, ganhando com 56% dos votos válidos. Uma nova constituição foi aprovada em 1999, novas eleições em 2000 e ele ganha com 60% para um mandato de seis anos. Em 2002, sofre tentativa frustrada de golpe, retornando ao poder como herói, dois dias depois. É reeleito em 2006 para, em 2007, tentar aprovar nova constituição que permitiria reeleições infinitas. Não conseguiu, com 51% dos venezuelanos votando contra. Pela lei atual, ele permanece no poder até 2013.

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