Ao contrário do que ocorre nos outros países, os brasileiros conectados estão mais segregados por classes sociais, provando que a desigualdade social também reflete no mundo virtual em níveis alarmantes. A conclusão chega por meio dos recentes relatórios promovidos pelo Ibope/NetRatings e pesquisas de institutos internacionais. Enquanto 80% das classes A e B já possuem acesso, somente 6%, das classes D e E, consegue entrar na Internet de algum ponto: escola, trabalho ou telecentro. As ações para reduzir a “exclusão digital” dos governos se perdem na burocracia e as iniciativas privadas não conseguem atender a crescente demanda, apesar dos esforços conjuntos.
Paulo Rebêlo
Folha de Pernambuco, 05.out.2005
Ostentar o título de campeão das desigualdades sociais sempre foi um dos entraves brasileiros em todas as reuniões das Nações Unidas e órgãos internacionais. Dez anos após o início da Internet comercial no País, o Brasil ainda não conseguiu democratizar o acesso de modo a reduzir a desigualdade também no ambiente digital e, pior ainda, sem perspectiva de mudanças.
Uma das provas sobre a relação entre a desigualdade social e a digital consiste em uma análise da mais nova pesquisa do Ibope/Netratings, divulgada no final de setembro. A pesquisa revela que cerca de 80% dos brasileiros das classes sociais A e B já possuem acesso à Web. Ou seja, da classe média-alta para cima, poucos são aqueles que não estão submersos no mundo virtual e da gama de possibilidades pessoais e profissionais que a Rede proporciona. O índice é comparável ao de países ricos e desenvolvidos, com o diferencial de que, nesses países, a popularização da rede atinge quase todas as classes sociais.
Para a pesquisadora da Fundação Pe. Urbano Thiesen, Cosette Castro, “refletir sobre as mídias digitais está diretamente relacionado a outras questões, como as mídias enquanto fator de inclusão social e o direito a comunicação como um direito humano. Ou seja, como um direito de todos os cidadãos, independente de idade, religião, classe social, cultura, língua ou opção sexual”, explica.
É a chamada inclusão social a partir da inclusão digital, que abre os horizontes profissionais das comunidades menos favorecidas. O professor Adilson Cabral, doutorando em Comunicação Social e estudioso do tema, considera até impreciso utilizar o termo inclusão digital atualmente, porque não mostra à sociedade todo o contexto social e econômico envolvido na questão.
Brasileiros no ranking da Web
Os internautas do Brasil, de acordo com a pesquisa do Ibope, passam mais tempo conectados do que todos os outros países do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos: uma média de 13 horas e 20 minutos online por mês.
No Japão, considerado o país mais “nerd” e antenado em tecnologia, a média é de 12 horas e 50 minutos. Em setembro de 2000, quando o Ibope/NetRatings começou a pesquisar o cotidiano digital das pessoas, eram apenas 7 horas e 50 minutos o número médio de horas mensal.
Em 2001, ao contabilizar o acesso à Internet de qualquer ponto (casa, trabalho ou escola) para brasileiros com mais de 16 anos, o Ibope chegou ao número de 16,9 milhões de pessoas. Até o último levantamento, em março de 2005, subiu para 18,5 milhões, o que representa apenas 10% da população brasileira. Destes 10%, mais da metade estão nas classes sociais mais favorecidas. Em termos comparativos, na Coréia do Sul, quase 90% da população tem acesso à Rede de algum local.
Embora o acesso nas classes A e B chegue a 80%, na classe C cai para 23% e nas classes D e E fica em 6%. Os dados são do Target Group Index, uma pesquisa realizada pelo Ibope Mídia, com uma amostra válida para as nove maiores regiões metropolitanas do Brasil. Um dos coordenadores de análise do Ibope, Marcelo Coutinho, reforça que “não basta apenas dar acesso para garantir um pleno aproveitamento da Rede por parte das pessoas que estão fora dela, pois também é necessário dar condições para melhorar de vida a partir do uso da Internet”, explica.
Ações isoladas para os excluídos
A opinião unânime entre especialistas do setor e entusiastas da inclusão digital é que o Brasil carece de políticas públicas eficientes em tecnologia. Um bom exemplo são os comuns entraves burocráticos envolvendo projetos governamentais, como o chamado PC Popular, que depois se transformou em PC Conectado e, hoje, o programa atende pelo nome de Computador para Todos. Anunciado em março deste ano, até hoje o computador subsidiado do governo navega em meio à papelada de Brasília.
Empresas e grupos privados procuram, de certo modo, promover a inclusão digital com apoio de terceiros e, em alguns casos, incentivos fiscais. Projetos como o Comitê para Democratização da Informática, Viva Rio e o próprio Porto Digital são apenas alguns exemplos onde os jovens sem acesso podem conhecer e se profissionalizar a partir de oficinas e cursos.
“Sozinho, o governo não é capaz de mudar muita coisa. Um dos motivos é que, nas mudanças de administração, surge outra corrente política e acaba descontinuando os programas anteriores. Sendo bem feita, a iniciativa privada tem um papel extremamente importante hoje na inclusão digital”, se antecipa o representante na América Latina da Computing Technology Industry Association, Gilberto Galan.
O Projeto Informar, uma das meninas-dos-olhos do Porto Digital, tem recursos oriundos do Programa InfoDev do Banco Mundial e do Governo do Estado de Pernambuco, além de apoio diversos da prefeitura, IBM e Oxford Assessoria de Línguas. “A partir daqui, os jovens começam a atuar em agências, prestam serviços em webdesign, manutenção de hardware, fotografia, vídeo, reforço em português e matemática”, explica a gerente de tecnologia social do Porto, Julianne Pepeu.