Balanço // Programa virou moeda eleitoral para aliados do governo e até para oposição
Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
02.novembro.2008
Com o fim das eleições, analistas e setores da oposição apressaram-se em desvincular o Bolsa Família do resultado do pleito municipal. Em parte, devido à fraca conquista eleitoral do PT nos grotões de pobreza. Em Pernambuco, somente oito cidades elegeram prefeitos petistas. Nacionalmente, o PT (sozinho) também perdeu nos pequenos municípios. No entanto, ao contabilizar a base de apoio do governo e somar com a oposição que “abraçou o Bolsa Família”, nota-se como o programa pode ter sido, sim, uma das principais moedas eleitorais no interior. Estudar a hipótese, contudo, é ruim para a oposição e pior ainda para o governo. Não à toa, pouco se discute o assunto.
Embora seja a principal bandeira social do governo Lula, o consenso político e acadêmico é que o Bolsa Família passa ao largo do partido há bastante tempo. Em Pombos, a 66 km do Recife, o acompanhamento é considerado um exemplo no estado. O atual prefeito Josuel Vicente Lins (PTB) perdeu a eleição para Jane Povão (PR). Ambos da base aliada. “Não sei com quem ficará a coordenação agora, tudo ainda é incerto, mas duvido que qualquer prefeito deixe de investir no trabalho que fazemos aqui”, explica o coordenador do Bolsa Família em Pombos, Micaías Paiva.
A principal evidência está em todas as campanhas, da capital ao interior. Se oito prefeituras petistas podem ser consideradas uma variável para analisar o efeito eleitoral do Bolsa Família, então o negativismo é ainda maior à oposição. Dos 185 municípios pernambucanos, somente 35 estão com a oposição: DEM, PSDB, PPS e PV. Este último não elegeu nenhum prefeito, enquanto PPS faturou um, os tucanos ganharam 15 e democratas elegeram 18. Sobram 149 municípios para a base aliada.
Diversas outras variáveis, em condições simples de aferição, mostram como o PT não pode ser analisado individualmente. Além do jogo duplo de diversos prefeitos e candidatos, há o histórico político da região. Em várias cidades, apesar de não ter eleito prefeitos, o PT está com ovice. Cenários similares ao de lugares onde o PT historicamente nunca se firmou ou concedeu apoiou de forma indireta. Também há cidades sem PT, mas onde a base aliada vinculou-se ao Bolsa Família do mesmo jeito.
O Recife é um caso emblemático. A base aliada ao prefeito eleito João da Costa (PT) contou com nada menos que 16 partidos. E a oposição, em discursos curiosos na periferia, prometiam lutar para ampliar o Bolsa Família. Interior afora, não foi diferente.
Conquistas da oposição nas áreas mais atendidas
Ao cruzar o número de habitantes com a porcentagem da população beneficiada pelo Bolsa Família, percebe-se como parte das principais cidades conquistadas pelo DEM e pelo PSDB integram a lista dos municípios mais dependentes do benefício federal. Dois casos emblemáticos são Manari, onde 63,3% da população é beneficiada; e Cumaru, com 90,9% recebendo a benesse.
Contrariando a lógica cartesiana de vincular apenas o PT ao programa, nos dois municípios as campanhas eleitorais tiveram o Bolsa Família como uma das principais bandeiras, sem maiores surpresas. Em Manari, onde o prefeito Otaviano Martins (PSDB) foi reeleito, a maioria atribui a ele o aumento de famílias cadastradas no Bolsa Família. Por toda a cidade, é fácil ouvir o coro: “sem a atuação do prefeito, não estaríamos na boa condição de hoje, graças ao Bolsa Família.”
Para o agricultor Antônio Lacerda de Oliveira, a vida ficou bem mais fácil com a segurança financeira oriunda do Bolsa Família. A filha de quatro anos, Olívia, agora só reclama da falta de água – que chegou parcialmente, ao menos no povoado de Umbuzeiro Doce, mais próximo da área urbana. Mas, hoje ,a família do agricultor consegue “economizar e investir na própria roça”, garante.
Em diversas cidades visitadas pelo Diario nos seis meses que antecederam as eleições municipais, a propaganda do Bolsa Família foi notória em todas as frentes: dos aliados aos mais ferrenhos opositores do governo. Em uníssono, prometeram batalhar para ampliar o número de beneficiários e, até mesmo, aumentar o valor do benefício pago.
Cumaru é a cidade com o maior índice de beneficiários em Pernambuco. Com quase 91% da população assistida, não surpreende que a campanha do prefeito eleito Eduardinho (DEM) também optou pelo enfoque ao programa. De acordo com Rizete Costa, gerente de proteção social e coordenadora do Bolsa Família em Pernambuco, os números indicados são ainda mais atualizados do que as estatísticas do governo federal.
O estudo foi feito de junho de 2007 a março de 2008, entrevistando 92 gestores e 2.247 titulares de famílias. Depois de Cumaru, os municípios líderes em adesão são Vertente do Lério (83,6%), Itapetim (81,4%), Riacho das Almas (78,2%) e Lagoa dos Gatos (74,4%). Destes, apenas em Riacho das Almas a oposição ganhou, com o prefeito Dió (PSDB).
Em Pernambuco, 43% de todo o estado recebe Bolsa Família. Um total de 913 mil famílias ou 3,6 milhões de pessoas, segundo a pesquisa mais recente da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. Há um ano, Pernambuco era o segundo estado com mais beneficiados. Hoje, ocupa a sexta posição, atrás de Piauí, Maranhão, Alagoas, Paraíba e Ceará.
Em método e aferição, excluidas as eventuais melhorias sociais gerada pelo programa, a desqualificação do Bolsa Família como moeda eleitoral é de fato antecipada. Daqui a alguns anos, talvez, novos estudos acadêmicos ou pesquisas qualificadas ajudem a jogar luz sobre um dos programas de transferência de renda mais estudados (porém pouco explicado) no mundo. (P.R)