Banheiros fantasmas

DESVIO // Pelo menos R$ 74 milhões do governo, destinados a obras sanitárias em regiões carentes, foram para o ralo

Paulo Rebêlo // Diario de Pernambuco *
Alana Roriz // Do Estado de Minas *
26.agosto.2008

A pompa dada pelo poder público para definir um dos itens mais básicos de saúde, o banheiro, não se mantém na hora de controlar e fiscalizar os milionários repasses para os “módulos sanitários domiciliares”. Na segunda reportagem da série sobre a sangria com o dinheiro da saúde, o Estado de Minas/Diario de Pernambuco mostram que do R$ 1,6 bilhão destinados à área, fiscalizados pela Controladoria-Geral da União (CGU), pelo menos R$ 74,8 milhões sumiram em banheiros por todo o Brasil. Foram identificadas obras inacabadas, inutilizadas, problemas nas licitações e despesas com os convênios sem qualquer tipo de comprovação. A CGU encontrou também banheiros construídos em bares, igrejas, estabelecimentos comerciais e em casas de pessoas de classe média ou que já tinham um banheiro funcionando. O preço de cada módulo varia entre R$ 800 e R$ 2,5 mil no papel.

Iati ainda espera a conclusão de projetos

IATI, PE – A 31 km do Centro de Iati, no Agreste Pernambucano, a 286 km do Recife, em pista de barro, encontra-se o povoado de Santa Rosa. Chegar à comunidade, porém, não é uma tarefa fácil. Não somente pela estrada precária, mas sobretudo por causa de uma ponte cuja construção parou na metade: há pelo menos 10 anos. Um córrego e uma queda d’água cruzam a passagem, impedindo veículos particulares de chegar a Santa Rosa em dias de chuva, tamanha a intensidade da água.

Os moradores se conformam, mesmo quando ficam ilhados e sem acesso ao Centro. “A prefeitura começou a construção, mas parte do material se perdeu porque deixaram próximo ao local e a chuva levou”, apressa-se em explicar a jovem Aparecida Maria de Conceição, 22 anos. “Quem disser que o prefeito não trabalha, cria polêmica. Ele é muito homem e sempre manda carro-pipa na época da seca, sempre nos ajuda muito”, diz.

Na pequena Rua da Palha, a moradora Josileide de Miranda, 25, aponta a tampa do bueiro em frente a sua casa. “O mau cheiro é insuportável, tivemos de colocar um saco plástico na saída do cano para conter o fedor”, explica. A tubulação por baixo da terra em Santa Rosa até existe, mas não funciona. As verbas foram liberadas pelo Ministério da Saúde há bastante tempo, mas as obras apenas tiveram início, nunca fim.

Geraldo Cavalcante, 33, uma espécie de líder comunitário do povoado, apressa-se em garantir que tudo estará pronto ainda este ano. Curiosamente, a família dele foi uma das 35 que ganharam um banheiro de verdade, a partir de recursos de um programa do Ministério da Saúde. O sanitário é novinho em folha e foi construído há apenas três meses, mas não pode ser utilizado, pois a rede de esgoto nunca foi concluída. São apenas 30 banheiros erguidos, com bastante atraso desde a liberação de recursos, sem uso. A rua e buracos cavados na terra são as únicas saídas, como de costume na região. Cavalcante nos mostra todo o conjunto das obras, por onde passa a tubulação e onde será feito o tratamento dos resíduos. Tudo parado, quase abandonado.

Fortaleza – Cada família da Vila Esperança, em Acopiara, no sertão cearense, que deveria receber um banheiro, tem indicado do lado de fora de casa a sigla BN e um número. Quando a obra é concluída, a marca é apagada. Percorrendo as ruas do bairro a sensação que se tem, então, é a de que nada foi feito. Em companhia da agente de saúde Maria de Fátima Rodigues Pinheiro, a reportagem visitou casas da região e encontrou banheiros inacabados e até mesmo os que nem começaram. O dinheiro chegou à prefeitura, que repassou a construtora. Mas as melhorias não. Na cidade, todo mundo tem ou conhece alguém com um banheiro inacabado ou prometido. Foram mais de R$ 750 mil para a construção de banheiros. Só o convênio 1527/2005, analisado pela CGU, prevê despesas de R$ 319.590 para construir 153 banheiros na vila. Cada um custaria R$ 2.088.

Na casa de Joana Dark da Silva, o esqueleto do banheiro virou casinha para a neta Maiara Pereira Santos, de 4 anos, brincar. O sacrifício de Joana é agüentar o mau cheiro do velho banheiro feito de taipa. O banheiro de Izeumar Teixeira, 25, foi feito por ela e o marido que colocaram a pia, a porta e a caixa de descarga. “Tivemos que gastar do nosso dinheiro, porque eles entregaram só a casinha e a fossa”.

A Funasa aprovou projeto e liberou a verba para a construção do banheiro, incluindo até saboneteiras e suporte para papel higiênico. Na casa dela, a empresa também usou um recurso comum em diversos convênios analisados pela CGU. O material comprado é para construir as quatro paredes do banheiro, mas a empresa aproveita uma das paredes da casa.

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* a série especial Sangria na Saúde, concebida pelo jornal Estado de Minas, foi publicada entre os dias 24 a 30 de agosto de 2008. O trabalho foi feito a partir da investigação e de reportagens em várias cidades brasileiras, publicado conjuntamente pelos jornais Estado de Minas, Correio Braziliense e Diario de Pernambuco.