Paulo Rebêlo
Revista Pipoca Moderna, nº 10 (julho)
O diretor Wai Keung Lau conseguiu reunir a nata do cinema de Hong Kong em “Conflitos Internos” (Infernal Affairs / Wu Jian Dao, HK, 2002), possivelmente um dos filmes policiais mais instigantes já produzidos. Não é à toa que, ainda agora em 2005, continue colecionando prêmios e indicações em várias categorias, incluindo a de melhor filme estrangeiro, melhor ator e melhor ator coadjuvante nos festivais internacionais de cinema.
A essência de Infernal Affairs é relativamente simples: um policial que trabalha disfarçado nas tríades (máfia) chinesas e um integrante das tríades que conseguiu se infiltrar na polícia de Hong Kong e até mesmo se destacar no quadro policial. Desta aparente simplicidade, o espectador se depara com situações bem inusitadas e criativas, com questionamentos sobre a personalidade de cada um. É quando começamos a nos perguntar: até onde o policial continua a trabalhar pela lei e até quando o criminoso é, realmente, movido pelo crime?
O maior trunfo de Infernal Affairs é ter reinventado a forma de se encarar um filme policial de tema batido (máfia) e de abordagem lógica (mocinhos e bandidos). Consegue emocionar sem ser dramático, mexer com sua adrenalina sem desnecessárias cenas de violência e fazê-lo questionar até onde o ser humano consegue manter um ideal frente a uma realidade tão diferente na qual foi ensinado a viver. No caso, o ideal da justiça e do crime.
Não obstante a qualidade da produção, Infernal Affairs não é um filme de fácil compreensão, sobretudo para os cinéfilos menos atentos e o público mais interessado em tiros e explosões. Em algumas cenas, é preciso atenção redobrada nos detalhes das locações para entender os diálogos – uma tarefa particularmente difícil por causa das legendas. Há passagens as quais, enquanto você presta atenção nas legendas para entender os diálogos, pode perder detalhes visuais que vão fazer diferença mais adiante.
As principais perguntas não-respondidas, contudo, são propositais. Infernal Affairs é apenas o primeiro de uma trilogia, cujos dois filmes seguintes foram filmados um ano depois (2003) e rapidamente tornaram-se uma franquia em Hong Kong, com direito a camisas, canecas, canetas e outras bugigangas.
A atuação dos dois atores principais – Andy Lau e Tony Leung Chiu Wai – é responsável por metade dos méritos do filme, mas não chega a ser surpresa para quem acompanha as produções chinesas. Andy Lau participou, entre seus filmes mais recentes e conhecidos no Brasil, de “O Clã das Adagas Voadoras” (Shi mian mai fu, 2004) e é premiado não apenas como ator, mas também como cantor e, em Hong Kong, atua ainda como empresário e produtor de filmes menores.
Tony Leung, o indicado para melhor ator em festivais pela atuação em Infernal Affairs, atuou recentemente em “2046” (2046, 2004) do venerado Wong Kar Wai, e também pode ser visto atualmente nos cinemas brasileiros em “Herói” (Ying Xiong, 2002) que chegou com três anos de atraso por aqui.
REMAKE – Basta um filme estrangeiro fazer sucesso de bilheteria para Hollywood produzir um remake ocidentalizado. Não foi diferente com Infernal Affairs. A produção americana está em vias de finalização e será lançada em 2006, sob o título de “The Departed” e com direção de Martin Scorcese. Nos papéis principais estão Leonardo diCaprio e Matt Damon, com participação de Jack Nicholson, Alec Baldwin e Martin Sheen.
Verdade seja dita: os remakes americanos têm melhorado bastante. Até meados dos anos 90, os americanos simplesmente ocidentalizavam os filmes em demasia e perdiam muito do original. Atualmente, Hollywood costuma convocar os diretores originais para ajudar na produção/assessoria ou até mesmo dirigir o filme americano, como foi o caso de “O Chamado” (The Ring, 2002) e “O Grito” (The Grudge, 2004).