Paulo Rebêlo
Revista Pipoca Moderna // novembro.2005
Quando “Água Negra” foi lançado nos cinemas, Walter Salles não resistiu às críticas e abriu o jogo: disse que nunca mais irá aceitar entrar no esquema (furado) de Hollywood quando o estúdio pinta e borda com a direção do filme, inclusive, alterando demais o trabalho do diretor. Verdade ou mentira, fato é que, quando o próprio diretor vai a público para reclamar do resultado final do seu filme, é porque algo deve ter saído bem errado.
Nesta produção americana de história japonesa e diretor brasileiro, mãe e filha procuram um apartamento para morar, no auge de um divórcio conturbado em que os pais disputam a guarda da menina. Encontram o lugar quase perfeito, mas uma infiltração no teto começa a tirar o sono de todo mundo, parece nunca ter conserto e, pior, a água que pinga é cada vez mais escura. A filha passa a ter amigos imaginários e assim o espectador é apresentado a uma vã tentativa de refazer um clássico do drama de terror japonês.
Para quem nunca ouviu falar de “Honogurai Mizu No Soko Kara”, o filme original de Hideo Nakata em 2002, “Água Negra” não chega a ser um filme ruim. Apenas não assusta tanto quanto o trailer sugere e peca, sobretudo, em querer explicar fenômenos inexplicáveis. Talvez esteja aí a “mão fantasma” dos estúdios, para adaptar ao gosto dos americanos.
De destaque só a atuação dedicada de Jennifer Connely e o desperdício de bons atores em papéis secundários, como Tim Roth na pele de um advogado tedioso e Dougray Scott como o marido arrogante, além de uma Ariel Gade que divide opiniões como a filha que vê fantasmas.
A comparação entre filme japonês e remake é até injusta. Quem quiser conferir pode procurar o DVD de Nakata que também está saindo no Brasil. Primeiro, porque o “Água Negra” original é um dos maiores sucessos no estilo hoje chamado de “j-terror”, que é como os fãs batizaram o terror japonês de forte apelo dramático e sem apresentar, necessariamente, um fim todo fechado.
Segundo, porque é quase um jogo dos sete erros em relação à quantidade de detalhes – de suma importância – que foram deixados de fora na filmagem norte-americana. Por exemplo: a presença da menina-fantasma e seu surrado capuz amarelo, em plena luz do dia e cenário completamente iluminado, que resulta tão assustadora quanto qualquer clichê de terror utilizado por Hollywood.
O segredo? Está nos detalhes. O motivo de sucesso da maioria dos j-terror reside nas entrelinhas e nos detalhes, aparentemente insignificantes, que depois vão fazer com que o espectador entenda melhor a trama e se assuste ainda mais.
OS SUCESSOS DE HIDEO NAKATA
Apesar do fiasco do remake, o japonês Hideo Nakata não tem do quê reclamar da insurgência americana em seus domínios cinematográficos. Nakata é o pai do “blockbuster asiático” “Ringu”, de 1998, um terror contagiante que ganhou refilmagens de sucesso não apenas nos Estados Unidos, mas no próprio continente asiático com remakes coreanos do mesmo filme.
A refilmagem americana “O Chamado”, dirigido por Gore Verbinski em 2002, é uma das melhores, se não a melhor, adaptação de um filme asiático. Sem perder o conteúdo e o efeito psicológico do original, a produção americana foi ainda mais longe no fator “susto” e deixou muita gente de cabelos em pé no cinema. Ironicamente, Nakata foi chamado para dirigir a seqüência – “O Chamado 2”, outro título recém chegado ao DVD – mas se perdeu no meio do caminho. Nakata tentou adaptar o estilo j-terror ao estilo de produção americana e não deu certo, pois deixou o maior sucesso do primeiro de lado: os sustos.
Hideo Nakata começou a carreira com “Joyû-rei” (Japão, 1996) já falando sobre aparições sobrenaturais e inexplicáveis, em uma trama que envolve o próprio set de filmagem. Deu continuidade ao sucesso com Ringu dois anos depois, consagrando-se ainda mais com “Kaosu” (Chaos, 1999), que ganhou distribuição nos Estados Unidos; e a continuação de “Ringu”, no mesmo ano. Atualmente, está na pré-produção de “The Eye”, um remake (americano!) desta vez de um horror chinês, lançado em 2002, que já ganhou duas continuações.
É interessante notar como a água é quase um ator em seus filmes. No “Água Negra” original, a presença é do início ao fim da trama, um detalhe relevante que foi “esquecido” na produção americana. Em “Ringu”, apesar de não lidar diretamente com o assunto, a água é outra constante, sempre presente nos momentos de reviravolta da trama e funcionando como um alicerce no enredo. Basta lembrar das cenas filmadas em poços…
Por sinal, durante “O Chamado 2” americano, o clima, digamos, ameno é revertido em apenas uma única cena realmente aterrorizante, inevitavelmente envolvendo a água. Os filmes de Nakata são realmente para se molhar de medo.