Saudades monstras do pragmatismo eficaz da Nikon

Paulo Rebêlo | dezembro 2022


Em agosto de 2022, ganhei um presente de aniversário inesperado e muito bacana: a oportunidade de usar uma câmera Nikon, dez anos depois de ter abandonado essa cachorra e me retirado da chamada família nikonianaembora muitas vezes pareça mais um culto do que família.

Nunca bateu sequer uma vírgula de arrependimento. Mas agora, quando segurei de novo aquela Nikon D90, foi tão familiar e saudosista. Regulei tudo manualmente para relembrar os velhos tempos — ISO, diafragma e obturador — e os cliques saíram macios, foi supimpa. Não lembrava mais como era leve. 

Devo um agradecimento à grande amiga Ana Flávia, dona da D90, por ter me proporcionado essa alegria depois de uma década. Estava sem câmera em Brasília e a gente precisava de uma foto (dela!) em alta resolução, para a versão impressa do livro sobre o impeachment da Dilma Rousseff, que lançamos inicialmente no formato e-book em 2017.

Um iPhone não resolveria? Em casos assim, claro que resolveria e seria de qualidade. Mas… por que você vai usar o telefone se tem uma relíquia incrível e semi-profissional em casa, com uma lente igualmente incrível que é a Nikkor f/1.4 que usamos? É incomparável.

Depois da ultra rápida sessão de fotos, fiquei apenas com o cartão de memória e com saudade da D90. E foi nessa ocasião que também lembrei o motivo de a Nikon ser tão amada por um séquito imenso de fotógrafos no mundo inteiro: é pau para toda obra. 

A Nikon tem deficiências? Muitas. Parou no tempo em relação à concorrência? Parou e faz tempo. Oferece opções de qualidade na linha de entrada? Não oferece. Tem inovações tecnológicas? Ninguém consegue citar uma. Mas a Nikon simplesmente vai lá e faz. Resolve qualquer pepino, descasca qualquer abacaxi, salva a pauta e o prazo. 

Se você tiver as manhas, Nikon é uma monstra pragmática da eficácia.

Passei anos fotografando com uma D90 exatamente igual, mas minha história com a Nikon é mais pregressa e intimista. Porque foi com uma Nikon que eu comecei a entender todos os pitocos de uma câmera e também foi uma Nikon que comecei a estudar como aproveitar ao máximo os mecanismos mecânicos de controle de luz.

Naturalmente, eu deveria ter migrado para as opções digitais da Nikon quando resolvi, com bastante atraso, fazer a transição completa do analógico para digital. Não fiz. Minha transição foi para a Sony, com o primeiro modelo de lente intercambiável da marca, a Sony Alpha-100 (a100). Todas as memórias desse período eu escrevi nesta outra crônica.

Por agora, voltemos à cachorra da Nikon.

Já tinha usado vários modelos automáticos “de viagem”, na época se chamava câmeras de passeio ou de turista, eram câmeras pequenas (para a época) e que você não precisa entender absolutamente nada de nada, a não ser abrir uma tampa e colocar o filme. Por sinal, uma ação que deixava muita gente irritada: engatar o filme 35mm nos cotoquinhos certos para não “enrolar”.

A exemplo de qualquer outro ser humano interessado em foto, as mesmas perguntas clichês pipocavam no meu cabeção: por que fotógrafo usa câmera e lentes maiores? Qual a diferença, se é tudo foto? Por que eu não posso controlar a luz na minha câmera de turista? Por que a foto fica ruim de noite? Por que não pode molhar a câmera?

Perguntas, perguntas.

Minha primeira experiência na vera foi com uma Nikon FM-2 de segunda mão, ali pelo final dos anos 90. Esse modelo FM-2 foi lançado em 1982 e saiu de linha em 2001, mas até a metade dos anos 2000 ainda era muito procurada e usada, principalmente em cursos de fotografia e faculdades. Também era meio xodó entre fotógrafos mais puristas (ou jurássicos, a depender de quem pergunta). A FM-2 é 100% manual, não tem sequer um pitoco automático, chega a ser bruta. 

Em meados de 2001 ou 2002, juntei uns caraminguás e comprei uma Nikon FM-10, também 100% manual, modelo de 1995. Nessa época, a versão mais procurada nessa categoria “semi-profissional” era a FE-10, de 1996, exatamente igual à FM-10 que eu tinha, porém com recursos automáticos que facilitavam demais a vida do ser humano relativamente esperto, o que não era meu caso ao optar pela brutalidade manual.  

Minha escolha pela FM-10 terminou se provando uma grande burrice, do tamanho de um dinossauro, quando rapidamente percebi que seria impossível usar a câmera para trabalho de campo ou qualquer pauta na rua. Enquanto isso, em 2002 a fotografia digital já começava a tomar conta de tudo.

Dois anos depois, consegui vender a Nikon FM-10. Umas das marcas queridinhas da época era a Pentax, mas infelizmente no Brasil a gente não tinha muita ideia que, lá fora, a Pentax estava falindo e ninguém na indústria investia em Pentax. Muito importador (ou contrabando, a depender de quem pergunta) faturou alto em cima de idiotas desinformados feito eu.

As Pentax eram lindas de olhar e usar, vamos dar um desconto à ignorância.

Comprei uma Pentax MZ-7, também conhecida em alguns países como ZX-7, prateada, lindíssima, analógica, agora com foco automático e alguns recursos automáticos também. Ela era tão linda, quando eu abria a câmera para colocar o filme, olha, só faltava tocar Kenny G para virar um clima de romance total.

Encontrei essa Pentax MZ-7 de bobeira numa promoção da Fujioka em Brasília. A Fujioka é uma rede de lojas-feirão de eletrônicos, muita famosa no Distrito Federal, a primeira loja foi aberta em 1964 e os caras estão firmes e fortes até hoje, embora com um público-alvo totalmente diferente.

A MZ-7 em 2002 foi uma burrice técnica porque a maior parte do mercado de comunicação já não usava mais filme 35mm, com exceção de alguns poucos jornais mais pobrezinhos ou menos atentos aos ventos do desenvolvimento. Em 2003, a maior parte do trabalho, em qualquer ponto do planeta, já era digital em termos de imagem, apesar do purismo de boa parte dos profissionais.

E eu fui uma das pessoas que apostou (de novo, errado) que os filmes 35mm iam durar um bom tempo e caminhariam em paralelo às câmeras digitais. Afinal, apesar de todos os avanços, as câmeras digitais ainda não chegavam aos pés das analógicas em termos de qualidade e definição. O que era verdade, mas quem paga por qualidade?

Errei feio, errei rude. O declínio do analógico foi rápido, cruel, mortal. 

Fiquei com minha Pentax MZ-7 até 2005, calculando quantos caraminguás ia precisar para migrar ao digital pela Nikon. Não deu. Fui de Sony, aquela outra crônica das memórias alfas de uma guerreira. Mas quando me desfiz da Sony, voltei ao culto da Nikon em 2009.

Nessa época, no digital, o sonho de consumo relativamente acessível era a Nikon D300, lançada em agosto de 2007 e que em julho de 2009 tinha ganho uma versão atualizada: Nikon D300S. Se você pesquisar online, vai ver que tem fotógrafo usando a D300, quinze anos depois. Ela funciona e resolve sua vida até hoje. 

Tinha também a Nikon D700, ainda melhor. E as inferiores D100 e D200. As linhas mais caras (D1, D2, D3) eram difíceis de achar no Brasil, além de muito caras. A Nikon D300 era uma câmera incrível, mas também inacessível para meu bolso e para minha cabeça. Pensei a mesma coisa que havia pensado antes com a Sony a100: não sou fotógrafo profissional, não vou ter tempo de usá-la adequadamente e suficientemente para compensar o investimento etc etc etc etc.

Foi desse imbróglio que peguei a Nikon D90 no lançamento. Na época, a D90 tinha dois apelidos: era a D300 de pobre; ou a D70 de profissional. Na prática, não era nenhuma das duas, mas a Nikon mirou onde viu e acertou onde não viu.   

Minha D90 segurou inúmeras barras (pesadas) comigo, em coberturas de política e desenvolvimento social. Também rodou um cadinho pela América do Sul entre 2009 e 2012. Eu ainda tinha muitas saudades da Sony a100, fato inconteste, mas o mercado já estava atento e a Sony começou a se tornar bem cara. A oferta de lentes e acessórios da Sony era precária e um tanto inacessível, apesar da qualidade notadamente superior. 

Com a Nikon D90, comecei a entender de verdade os pormenores de lentes, sensores e a tal da fotografia computacional, uma tema que começou a se popularizar mais somente agora, de 2020 para cá.

Fui muito feliz com a D90 e aprendi demais com as deficiências da Nikon e das lentes de qualidade mediana que meu bolso permitia ter.

Abandonei a Nikon novamente (e de vez!) em 2012. 

Pela primeira vez desde os anos 90, resolvi que fotografia deveria valer o investimento diante do material que estava sendo produzido. De novo, com bastante atraso. Foi quando migrei para Canon e com ela permaneci por 10 anos, até este finalzinho de 2022. Mas minha trajetória da Canon e esta nova “migração” de linha vai ficar para a próxima crônica.


FOTO EM DESTAQUE

Pontão do Lago Sul, Brasília.
Julho de 2009.
A árvore não existe mais. Os gênios cortaram.
Nikon D90 | 18mm | f/3.5 / 1/13s | ISO 2000

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