A fotografia é meu manto da invisibilidade

Paulo Rebêlo | setembro 2022


Muita gente diz gostar de fotografia, mas ninguém leva o fotógrafo muito a sério. E boa parte dos fotógrafos se irrita com a realidade observável da invisibilidade.

Eu adoro. E queria encontrar um jeito de perpetuar essa sensação em outros momentos da minha vida, ou seja, quando estou sem a câmera. Até porque tenho poucas oportunidades para trabalhar com imagem.

Reuniões, caminhadas de campanha eleitoral, lançamento de produtos ou programas de governo, apresentação ou palestra, onde quer que seja, a gente pode chegar bem próximo das pessoas, passar no meio de todo mundo, se jogar por cima das cadeiras, deitar no chão para encontrar o melhor ângulo (sem parecer doido), subir na árvore, apagar a luz, acender a luz, apagar de novo, mudar qualquer objeto de lugar, enfim, podemos atrapalhar todo o processo e interromper qualquer fluxo — e ainda assim parece que não estamos ali.

E todo mundo fica feliz e ainda sorri.

As pessoas continuam falando, articulando, lamentando, tem uma lente gigante a cinco centímetros do cabeção delas e continuamos no espectro do invisível. Depois a gente pede para trocarem de lugar, levantar da cadeira, fazer o L de Lula com as mãos, plantar bananeira, dar pirueta… e até o bilionário da Forbes obedece.

Tem fotógrafo que ainda acha isso o resultado de respeito profissional. Nunca foi. É apenas a invisibilidade gerada pelo desejo instantâneo (e momentâneo) da imagem: o resultado visível é mais importante do que a incômoda visibilidade do fotógrafo.

Naquele milissegundo em que o diafragma da lente se abre e o obturador da câmera se fecha, quem você é não faz a menor diferença.

Ninguém quer saber em quem o fotógrafo vai votar nas próximas eleições, no que ele pensa da pauta ou da estratégia, do que fez na vida ou do conhecimento acumulado que tem. Com a imagem feita, ninguém vai chamar para participar da tomada de decisões ou da arquitetura da solução. Vamos embora e ninguém percebe, porque naquele raio de visão a gente nem estava ali mesmo.

Além de achar isso lindo, a invisibilidade fotográfica também me causa conforto psicológico. Talvez porque sejam os únicos momentos nos quais esqueço da minha timidez crônica. Ou talvez seja a timidez que esqueça de mim. Tá excelente das duas maneiras.

Às vezes, meu manto de invisibilidade ajuda a vencer situações inóspitas.

Com a câmera e uma boa lente, as pessoas deixam a gente pular o muro da casa delas, o segurança deixa a gente entrar em lugares proibidos, o jagunço faz de conta que não viu a gente se espremendo no arame farpado para entrar na fazenda investigada, os ricos deixam a gente ver (e às vezes comer) coisas que outras pessoas ainda não podem.

Manto da invisibilidade - Paulo RebêloOlha, nos últimos anos passei a observar que tenho conseguido me manter invisível até para os animais. Acho ainda mais incrível, pois assim consigo chegar bem perto dos doguinhos peludos e dos vira-latinhas sem assustá-los para uma imagem.

Em outros países, algumas vezes pude jurar que seria preso ou deportado quando os seguranças ou os policiais me viram fotografando lugares aparentemente abandonados ou proibidos. Minutos depois, eles me mostravam o caminho para captar imagens ainda melhores, ou me levavam até um local mais adequado, ou tentavam ajudar a conseguir um ângulo melhor de visão abrindo uma grade, destravando uma porta ou tirando um cadeado do portão.

Em ocasiões assim, sempre fico dividido entre o agradecimento e a dúvida: seria eu apenas um espectro que não existe nesse plano terreno? Então me ajudam porque têm medo de fantasma? Ou porque nunca viram um fantasma balofinho e é melhor não contrariar os espíritos malignos?

E as mulheres ainda tiram a roupa na nossa frente e podemos chamar isso de arte. Acho que o termo mais adequado seria nude art ou nude photography?

Será que é por isso que tanto fotógrafo se acha artista?

Eu só quero continuar invisível. Mas estou com a agenda livre para fotos artísticas.


Foto em destaque:
Setembro de 2022.
Vira-lata na Ocupação Chico Lessa, às margens da BR-101.
Região Metropolitana do Recife.
Canon EOS 6D | 1/200s | f/5.6 | ISO 100 | 200mm

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