Para curar a insônia

Paulo Rebêlo // Terra Magazine // 08.jun.2011

Curei-me da insônia. Só resta descobrir como aconteceu.

Não cuspi dentro do pires para jogar na foz do rio Tapajós, como as rezadeiras da minha terra costumam sugerir.

Não paguei promessa, não fiz catimbó, macumba, vodu e nem dancei axé. Não acendi vela para santos ou diabos. Não tomei remédio, não pisei em consultório médico.

Depois de oito anos abraçados à insônia, há um ano que não a encontro.

Eu deveria estar feliz por conseguir cumprir compromissos pela manhã e, deus nos acuda, dormir antes de o sol nascer.

Tanto tempo juntos, vira uma coisa amiga-amante. Não importa o cansaço, o sofá ou a cama. Ela sempre espera. Para aparecer quando você menos espera.

Talvez a cura da insônia seja isso. O sentimento. A gente aprende a gostar.

Com ela, escrevi as melhores crônicas. Editei os melhores textos. Assisti aos melhores filmes. Bebi os melhores uísques. Fumei os melhores charutos. Conversei com os melhores garçons. Conheci os melhores maltrapilhos na calada da noite.

Com ela, fui promíscuo. Dividi a insônia com gente feito George Benson, Chet Baker, Coltrane, Miles Davis, Stanley Jordan. Uma grande suruba. E depois que conheci o som da Lisa Ekdahl, curti várias noites lésbicas entre as duas. De camarote.

Sem a insônia, tudo isso meio que foi embora. Transformou-se em amor findado.

Você sabe que não adianta insistir, mas insiste mesmo assim. Com os olhos abertos, a gente vira, mexe, toma leite, conta carneirinho, toma banho, faz um lanche, lê vinte páginas de livro, abre uma cerveja, assiste uma hora de filme, planta bananeira, abre e fecha a geladeira, faz a barba, toma umas três doses de licor, escuta música, navega na internet, escreve e-mail, tenta dormir de novo.

Não adianta, melhor desistir. Conviver. O céu fica claro e você é vencido pelo cansaço.

Porque a crueldade da insônia é a mesma crueldade de um amor que se foi. É ali onde você encontra sua cura. Não é esquecer que ela existe, mas talvez aceitar que ela esqueceu que você existe.

O chato é nem ganhar um Nobel da Medicina por isso.