A liberdade não é azul, é urubu

Paulo Rebêlo
Terra Magazine *
22.fevereiro.2011

Quando um relacionamento acaba, qual é a primeira coisa que se faz?

Depois do tradicional (e cada vez mais curto) luto sentimental, o senso comum mostra que os homens correm para a agenda de telefones e começam a atirar para todos os lados.

Enquanto as mulheres voltam a ser “amigas” de um monte de “amigas” que há muito não viam e, juntas, vão para a balada até amanhecer o dia.

Com a benção socialmente aceitável do “fim”, é a liberdade nua e crua. Mais nua do que crua, por assim dizer.

O problema do senso comum é de ser similar aos filmes: tem uma ponta de verdade, mesmo estando muito longe da verdade. Em horas assim, não tem iPhone que faça a agenda de telefones funcionar. Algumas estarão casadas, com filhos, em outras cidades. Em geral, elas continuam solteiras, mas agora você é o último da fila. E, como elas adoram nos dizer, a fila anda… ou corre.

Via de regra, uma mulher só precisa ser razoavelmente interessante para fazer chover. Ela estala os dedos e, num passe de mágica, chove homem bondoso, compreensivo, carinhoso, que ama os pais e quer ter filhos… e tem um ombro largo para você encostar e se lamentar.

Os urubus estão sempre ali, à espreita da carniça, esperando o menor sinal. Hoje, o sinal pode ser a mudança do seu status no Facebook, por exemplo. Ou aqueles comentários nada subjetivos das noites de sábado.

Temos ciência da situação por questões empíricas: quando é a nossa vez, também viramos um cara compreensivo e com um ombro largo para emprestar. Traduzindo: sabemos disso porque também já fomos urubus. Muitas vezes.

Pense assim: quantas mulheres bonitas estão sozinhas nos bar?

Nenhuma. Elas até podem ir sozinhas, mas não vão conseguir passar 15 minutos em paz. Logo aparece um zé roela se achando o garanhão italiano. Ou ela aceita transformar o próprio ouvido em penico e fica ali, dando mole; ou corta a asa do urubu e vai embora.

Às vezes, a revanche feminina costuma ser movida mais pela raiva do que pelo desejo. A raiva de saber que, a esta hora, o (ex-)namorado está se deliciando num rodízio humano de sirigaitas defumadas.

Nunca entendi, de fato, como elas chegam a conclusões assim.

Verdade, a gente bem que gostaria. Mas a chance de o rodízio virar realidade é proporcional a de ganhar na mega sena. Tem gente que ganha, claro. Você não conhece uma, nunca viu, mas os jornais e a Caixa Econômica dizem que existe.

Evidente, todo mundo pode ter lá suas amizades coloridas, saber quem vive carente ou desesperada, mas até as carentes e desesperadas, quando descobrem que agora estamos solteiros, vão nos empurrar um séquito de leis morais, sociais e bíblicas. As quais geralmente se resumem na frase: “você só me procura para isso”.

Quantas vezes uma mulher vai ouvir uma reclamação assim de um homem?

Vá e desconte sua fúria na balada com suas amigas. Sorte dos homens que estiverem no lugar certo e na hora certa. Você pode ir para o bar e, somente ao entrar, já vai se transformar na imperatriz etílica do lugar. Vai ter o poder da escolha e o poder da decisão.

Do lado de cá, podemos até escolher. Mas quem decide nunca somos nós.

Interessante como, mesmo nos dias de hoje, quando aquela história de “dormir junto na primeira noite” não é mais tabu nas grandes cidades, ainda existe tantas mulheres achando que o fim de um relacionamento é uma dádiva para os homens, somente porque vamos dizer “enfim, livres”.

Livre de quem? Talvez dos sogros, das amigas que nunca saem da adolescência, dos amigos histéricos ou ciumentos e da TPM. Porque a liberdade pode não ser azul, mas também não se resume a uma calcinha branca. Ou várias.

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