Lion não é o rei da selva

Paulo Rebêlo
Webinsider/UOL – 21.jul.2011
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Se você é semi-cardíaco feito eu, o Mac OS X Lion é quase um atentado às pontes de safena da humanidade. Interessante notar que, se depender dos sites especializados em Apple e a legião de adoradores de Steve Jobs, o Lion é praticamente a última coca-cola no deserto. A bala que matou Kennedy. A gilete da Vera Fischer.

Já mostramos as principais novidades deste novo Mac OS. Agora, vejamos os sustos que podem lhe tirar um pouco de paciência. Pequenos problemas presentes desde a primeira versão beta do Lion (testamos todas) até a versão final que você pode comprar na App Store por 29 dólares.

A questão maior é que o Lion está longe de ser um sistema operacional realmente novo ou instigante. Além de ter bugs visíveis demais.

Com o Lion, a Apple mantém a velha cruz de três letras: FFF ou, para quem chega agora, Fix the Fucking Finder. Uma sigla que os macmaníacos não gostam de falar. Faltam argumentos.

O Lion fecha um ciclo de dez anos de Mac OS X. Tanto tempo depois, a Apple não teve a decência de consertar ou aceitar as milhares de sugestões enviadas pelos usuários em relação ao Finder, o equivalente ao Windows Explorer do Mac.

Conseguiram o impossível: piorar um Finder que ninguém acreditava que pudesse ficar pior. Ficou mais pesado (o Finder do Snow Leopard é uma bala), mais poluído, com novos atalhos desnecessários e “apagou” atalhos importantes da versão anterior, como o “hoje”, “ontem” e “semana passada” para você ter acesso rápido apenas aos arquivos modificados hoje, ontem ou durante a semana.

E se você esperava que a Apple fosse finalmente organizar a visualização e separar as pastas dos arquivos comuns, esqueça. Não foi desta vez.

Quase todos os defeitos do Finder permanecem.

Você deve ter lido por aí que o Lion oferece “250 novidades” em relação ao atual Snow Leopard. Esse número redondo é exatamente o que Steve Jobs falou na palestra de apresentação do Lion. O problema é que, para a Apple, mudar a moldura da imagem de login (de quadrada para redonda) parece contar como uma novidade. Mudar o formato da barra de rolagem, outra. Oferecer novos papéis de parede, também é novidade. E assim sucessivamente.

No uso prático, o Lion é uma atualização do sistema operacional para deixar tudo mais ou menos com a cara de iOS, ou seja, de iPad. Poderia ser oferecido de graça no Software Update do Snow Leopard.

Se o iPad é uma espécie de iPhone de Itu, o Lion quer transformar seu Macbook no iPad do Gargamel.

Também não se iluda no quesito performance. O Lion é, de fato, mais rápido e mais leve: desde que você tenha 4 GB de RAM ou mais. E, mesmo assim, a interface do Lion não é tão responsiva quanto o Snow Leopard em diversas ocasiões. A começar pelo bendito Finder.

A pessoal da Apple não fez questão de esconder que adotou o mesmo truque que a Microsoft empurrou no Windows 7 com bastante sucesso: mesmo que você não use, boa parte dos componentes do Lion são pré-carregados na RAM antes mesmo da demanda, como se fosse uma grande memória cache. O atual Snow Leopard também faz isso, porém, de um jeito bem mais precário.

Por enquanto, essa velocidade maior só funciona com os componentes do MacOS: Safari, Mail, enfim, o sistema operacional como um todo. É mais do que suficiente e causa uma excelente impressão. Sobretudo ao considerar que, entre usuários de Mac, a maioria só usa basicamente o que já vem dentro do MacOS para o trabalho cotidiano.

Funciona? Sim, funciona porque a memória RAM é mais rápida do que o acesso ao disco rígido. Mas, se você usa Macbook Air com disco SSD, não vai notar diferença alguma. Porque o SSD já faz o Snow Leopard ficar uma bala. O Lion não consegue fazer, ainda, essa distinção e usa uma regra universal para tudo.

De certo modo, performance melhor sem precisar comprar outro computador até paga a atualização para o Lion, independente das novidades. Mas, se você usa muitos aplicativos de terceiros, não se apresse. Os desenvolvedores vão precisar atualizar cada programa externo para se adequar ao novo convívio do Lion. A começar pelo Office e pelos browsers alternativos, como Firefox e Chrome.

No caso do Chrome, o Google já avisou que vai “demorar um pouco”. A Microsoft, até agora, não se pronunciou em relação ao Office.

Outro susto: se você depende do Address Book como agenda de endereços ou anotações, reze por paciência. A exemplo do Finder, a Apple piorou uma ferramenta que já não era grande coisa, mas funcionava perfeitamente.

Não adianta explicar muito se você não usa com frequência (tenho 4.890 fichas no meu Address Book do Mac), mas vou tentar resumir.

A agenda de endereços “ganhou” um visual similar a um caderno, uma viagem psicodélica-retrô da Apple que lembra o Lotus Organizer em 1995.

Como se não bastasse, é um caderno de tamanho fixo: você não pode mais aumentar a janela para o tamanho desejado, agora há um limite. E depois de virar a página no endereço clicado, vai ter que usar um clique a mais para voltar ao início. Complicou uma ferramenta, até então, simples e funcional.

Quer infartar mesmo? Essa agenda de endereços do Lion continua sem diferenciar acentos na busca. Ou seja, com minhas quase 5 mil fichas cadastradas, se eu procuro alguém do “Pará”, o Lion vai me retornar centenas de resultados: ele não diferencia “Pará” de “para” na hora de fazer a busca em tempo real. Bug tão ridículo que me faz questionar de onde vem o ácido desses programadores que não consertaram isso no Lion.

O Launchpad, um dos truques para transformar o Mac em iPad do Gargamel, é um conceito interessante, porém, de uso complicado. Se você tiver paciência de passar duas horas organizando o Launchpad de acordo com a sua demanda de aplicativos mais usados, talvez (um dia) ele se torne útil. Porque sozinho o Launchpad não vai organizar nada e vai poluir com páginas e mais páginas de atalhos e ícones que você nunca vai usar.

O Launchpad funciona bem em tablets, no iPhone de Itu. Para um computador com dezenas de aplicativos, vira uma confusão.

Particularmente, continuo usando a aba de “Aplicativos” e, mais ainda, os atalhos de teclado. Não tem como ser mais simples do que isso. Fica ao gosto do freguês.

Outro truque pró-Gargamel é o Mission Control. Quando me perguntam a utilidade, não sei responder. É praticamente a mesma coisa que existe hoje com o Spaces e Exposé, apenas com o adicional de separar os aplicativos abertos de um lado e os aplicativos em tela cheia com destaque na parte superior da tela. Você vai usar isso tanto quanto usava o Spaces. Para fazer basicamente a mesma coisa de um jeito mais estiloso.

A inversão do scroll do mouse (mudou o sentido, de baixo para cima e de cima para baixo) pode ser desativada sem maiores problemas nas preferências do sistema. Tem muito guru falando que leva pouco tempo para se habituar com a “novidade”. Com o touchpad, talvez haja alguma verdade nisso. Quem usa mouse externo (ex.: Magic Mouse), vai se complicar um bocado.

Os novos “gestos” (gestures) do touchpad podem ser bacanas, isto é, caso você encontre alguma utilidade que já não tinha antes no Snow Leopard. No uso diário, vale muito a pena (e realmente fica mais rápido) se você usa o Safari e outros aplicativos em tela cheia, pois agora pode-se avançar ou recuar uma página instantâneamente usando dois dedos. Se novas versões de Chrome, Firefox e Opera resolverem adotar o recurso, será outro ponto positivo para o novo gesto no touchpad.

Por falar em mouse e touchpad, a maior mancada do Lion é limitar o gosto do usuário: ou você configura o botão direito para ser acionado com dois dedos ou configura para o canto inferior direito (ou esquerdo) do touchpad. A diferença é que, no Snow Leopard, ele aceita os dois modos de entrada: dois dedos ou canto inferior do touchpad. Com o Lion, usar os dois dedos anula a opção de usar o canto inferior do touchpad. Não tem sentido algum, zero mesmo.

Novesfora toda essa rabugice, o Lion tem um precinho camarada e você pode instalar em vários Macs. Mas está muito longe de ser uma atualização necessária, por enquanto.

Veja que ironia: com o Lion, a maioria das empresas precisará adotar a mesma segurança secular com os lançamentos da Microsoft. Ou seja, não fazer a migração até que saia a primeira grande atualização (Service Pack, no caso do Windows) do sistema operacional.

O Lion oferece recursos poderosos e um visual bacana, como vimos no review. Mas, hoje, deveria se chamar apenas Mac iOS e ser uma interface permutável do atual Snow Leopard, um componente adicional. Nada mais do que isso.