Café, sopa e mulher

Paulo Rebêlo
Terra Magazine *
22.jun.2011

Tomar um bom café é quase como admirar uma bela mulher. Você pode olhá-la como o cafezinho de repartição naquele copo de plástico; ou café orgânico em xícara de porcelana francesa, com tanta qualidade que apenas o cheiro faz você parar no tempo, sentindo aquele aroma encorpado a subir pelas narinas.

Você já deve ter lido, em algum lugar, que somente os bons cafés liberam um rastro olfativo bem peculiar. Você não deve ter lido, mas certamente recorda que as mulheres mais marcantes da sua vida carregavam um cheiro ímpar, daqueles que a gente procura e não encontra nunca mais. É que cheiro de pele não vende no duty free.

Enquanto você não encontra novos cheiros ímpares, o jeito é seguir bebendo café ruim, fraco, ralo, requentado, sem gosto ou exageradamente adoçado. Existem em abundância, em todos os lugares e para todos os olhares. Foi para isso que inventaram o Nescafé. E o motel de dez reais.

A exemplo de algumas belas mulheres, o café também guarda surpresas nem sempre agradáveis. Quando você entra nessas cafeterias ultrachiques onde o café expresso custa o mesmo preço do seu almoço no bandejão, você espera sentir todas as sensações possíveis e imagináveis. Menos que lhe sirvam um café morno, quase frio.

Pois, como dizia meu finado avô lá na selva, tem três coisas no mundo que só servem quente: café, sopa e mulher.

Quantos cafés e pessoas sem graça não conhecemos na vida? A xícara era bonita, mas o conteúdo…

Quem serve café frio deveria queimar no fogo dos infernos até a última prega. Não adianta pedir desculpas e trazer outro café. Além de quebrar todo um ritual que só dura poucos segundos, o que essas criaturas sem prega vão fazer é jogar a xícara no microondas ou requentar ainda mais um café já requentado.

Conhecemos um café de qualidade antes mesmo do primeiro gole. O problema é que, bom ou ruim, a gente prova mesmo assim. Qualquer semelhança não é coincidência.

Da mesma maneira que a gente descobre os pensamentos de uma mulher apenas pelo jeito como ela nos olha, aprendemos também a admirá-la pelo cheiro e pelo silêncio. Com um bom café, não é exatamente diferente. São poucos segundos entre o cheiro e o paladar. Não são os segundos mais importantes da sua vida, mas são os segundos mais importantes da vida daquele café.

São os poucos segundos que conectam o cheiro do cangote de uma mulher ao paladar do que está embaixo do sutiã. Não importa onde e quando – é naquele gole, naquele momento milimetricamente exato, que tudo se transforma no paraíso ou num desastre total.

Para a turma do café sem graça, são poucos segundos desimportantes. Mas são os mais importantes daquele instante.

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* link original no Terra Magazine.

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