Corações furtados

Paulo Rebêlo
11.junho.2010
Terra Magazine
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Não é chato quando a gente conhece alguém interessante e não dá certo?

Primeiro porque o mundo passa por um acelerado processo de extinção das pessoas razoavelmente interessantes. Tipo, gente que tenha um mínimo de conteúdo para você conversar algo que não seja o resultado do jogo de ontem, a novela de hoje ou as subcelebridades de amanhã.

Segundo porque a maioria das pessoas solteiras sempre tropeça no mesmo pensamento: se demorou tanto para aparecer alguém interessante, quem garante que não irá levar outros duzentos anos até aparecer outra?

São em momentos assim que a porca torce o rabo e a cobra fuma charuto.

Dia dos namorados é quando vemos um monte de gente bonita sucumbindo ao desespero para namorar com o primeiro brucutu que se prontifique a pegar sua mão, levar para passear no shopping lotado, comer uma pizza no domingo à noite, conhecer sua mãe e elogiar aquele estrogonofe que você aprendeu a fazer dez anos atrás na Cozinha Maravilhosa da Ofélia.

O padrão mínimo de exigência fica do tamanho de um piolho e você começa a chamar urubu de meu louro.

É um roubo.

Roubamos oportunidades bem melhores para nossas vidas por causa de umasíndrome ancestral de que somente as pessoas acompanhadas são felizes.

Abrimos mão de explorar lugares e pessoas que se mostrariam muito mais interessantes do que esse jumento pocotó que só faz você sofrer ou ter dor de cotovelo.

Metade (ou mais) dos casais que você conhece são infelizes. Se pudessem, jogariam tudo pela janela. E até podem, sempre podem, mas não querem arriscar trocar seis por meia dúzia. Não é sempre assim?

Então você tenta se afastar dessas pessoas infelizes e depressivas. O tempo passa e, entre idas e vindas, cai do céu a pessoa bem interessante do primeiro parágrafo. Bingo. Vocês até se encontram, vão ao cinema, trocam umas idéias, tomam um café, mas não passa disso.

Talvez ela prefira os brucutus, ninguém sabe. Nem ela mesmo. É outro furto mútuo. Enquanto ela rouba a oportunidade de esperar um pouco mais por algo melhor, você rouba a sua oportunidade de fazer alguma diferença de verdade, em vez de ser peça decorativa.

Porque vai que um dia ela aceita ir além de um café ou cinema? Pode ser por querer abraçar a oportunidade, claro, mas também pode ser por fraqueza, desespero ou falta de opção.

Se você continuar achando que vai levar duzentos anos até aparecer outra pessoa tão interessante quanto, nunca vai saber a diferença entre uma coisa e outra. Vai virar um bibelô. Preenchendo uma lacuna que poderia ser preenchida por qualquer outra pessoa.

Pode ser altruísmo, bobagem ou ingenuidade. Mas é uma das formas para não ficar tão chateado quando não dá certo. Em outras palavras, quando alguém não nos acha tão interessante quanto gostaríamos.

Mas pense assim: depois daquele café ou cinema que não rendeu nada, você vai voltar andando para casa, vai parar no boteco e, como sempre, vai jantar aquele sanduíche de pernil no fiado. Num desses dias, mesmo sem querer, vai terminar esbarrando em outra pessoa ainda mais linda e mais interessante do que umas oito criaturas que você imaginou nunca encontrar mais lindas e mais interessantes.

Não tem mistério, não é destino, nem karma, nem auto-ajuda, religião ou profecia. É só matemática. São 3,5 bilhões de pessoas mundo afora (ou 7 bilhões, se você for bissexual) dando sopa. Se você tiver um pouco de sorte, ela ainda vai gostar de um porquinho na brasa e de bacon no café da manhã.

E vai roubar todas as suas lembranças daquelas pessoas que nunca mereceram a perda do seu tempo de ficar chateado.