Mísseis de Gaza eclodem na arte

Conflitos entre Israel e Palestina e a realidade da região são temas de livros e de filmes que ajudam a entender melhor as motivações das guerras no Oriente Médio

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
19.janeiro.2009

O sofrimento resultante dos mísseis na Faixa de Gaza, durante o atual conflito entre Israel e Palestina, abre uma brecha cultural para quem deseja ir além da superficialidade do noticiário. Enquanto as editoras correm para divulgar os livros com temáticas relacionadas às infindáveis guerras no Oriente Médio, as distribuidoras promovem relançamentos de filmes premiados sobre a região. Antes de correr à livraria ou locadora, vale a pena conhecer um pouco das principais – e nem sempre bem divulgadas – expressões artísticas da região e seus habitantes.

De um lado, há livros que sobrevivem ao tempo e fogem do maniqueísmo empregado em várias das publicações; de outro, filmes realizados entre Israel e a Palestina mostram cenários desconhecidos pela maioria dos brasileiros. Não há política, não há guerras, não há discurso vazio. Há famílias, trabalhadores, crianças vivendo uma vida como qualquer outra, apesar do iminente risco de ataques suicidas ou mísseis teleguiados. São produções distintas dos empreendimentos milionárias de Hollywood.

Literatura

· Uma História dos Povos Árabes, de Albert Hourani
Para entender a região é preciso ir até as origens da formação daquele povo e, até hoje, ninguém foi mais longe do que Albert Hourani. Britânico de ascendência libanesa, Hourani é o autor de uma das obras máximas sobre a questão: Uma história dos povos árabes. Publicado em 1991, é leitura obrigatória de iniciantes a doutores no assunto. Hourini morreu um ano depois. No Brasil, a tradução foi lançada em 1994 e há outros livros do autor por onde é possível conhecer as várias nuanças árabes.

· A indústria do Holocausto, de Norman Finkelstein
Em 2000, um livro polêmico sugeria um novo olhar diante da tragédia do Holocausto. O autor, Norman Finkelstein, professor da New York University, questiona os motivos para o interesse da mídia e de instituições governamentais pela questão judaica, gerando protestos e réplicas em toda a parte. Finkelstein desmascara as origens das representações acadêmicas e sociais que permeiam as raízes desse confronto e introduz o leitor nesse universo a partir de uma discussão dos fundamentos do sionismo.

· Pobre Nação, de Robert Fisk
O correspondente de guerra mais conhecido do mundo se concentra na invasão israelense do começo da década de 1980 e suas terríveis consequências, incluindo o massacre de milhares de palestinos. Proibida no Líbano, a primeira edição do livro foi lançada quando o amigo de Fisk, o jornalista Terry Anderson, ainda era mantido preso pelo Jihad – ele só foi libertado em 1991, com outros reféns ocidentais.

· De Amor e Trevas, de Amós Oz
Livro de memórias do mais conhecido escritor israelense da atualidade, defensor da causa da paz entre palestinos e israelenses. Venceu o Prêmio Goethe (2004) e o Prêmio France Culture (2004).

· Atlas do Oriente Médio, de Dan Smith
Guia de referência para entender a situação atual de cada país e os conflitos da região. Ricamente ilustrado com fotos, mapas e gráficos, o livro contextualiza a história e a formação político-geográfica da região e tenta explicar seus principais conflitos.

· Rumo a uma nova guerra fria, de Noam Chomsky
Análise da política externa americana do final do século 20, analisando os conflitos no Oriente Médio com especial atenção ao papel dos EUA no conflito entre Israel e Palestina, desvendando as técnicas de propaganda e manipulação da opinião pública.

· Israel – Terra em Transe, de Bila Sorj e Guila Flint
Uma obra para conhecer mais sobre o fundamentalismo religioso judaico. Para tanto, Guila Flint e Bila Grin Sorj entrevistaram figuras importantes, destacadas e polêmicas em Israel e no judaísmo, que se posicionaram incisivamente diante da questão que é o subtítulo da obra: democracia ou teocracia?

· A Cicatriz de David, de Susan Abulhawa
A autora é filha de refugiados palestinos, colaboradora dos jornais Chicago Tribune, Christian Science Monitor, Philadelphia Inquirer, entre outros. Trata-se de um romance sobre um menino palestino, habitante do campo de refugiados de Jenin, em 1948, depois raptado por um oficial cuja esposa sonhava ter um filho. Passa ausar o nome de David e é educado segundo os preceitos da religião judaica.

· Toda casa precisa de varanda, de Rina Frank
Em sua autobiografia, a autora alterna lembranças da infância pobre em Israel com os primeiros anos da vida adulta, quando arranja um emprego e se apaixona por um rico judeu de Barcelona.

· Em busca de Fátima, de Ghada Karmi
Dramas psicológicos ligados ao exílio que continuam ainda hoje a impulsionar a causa árabe. Karmi relembra a experiência de sua própria família, palestina, vivendo em Jerusalém no final da década de 1940.

· Sonhando a Palestina, de Randa Ghazy
Com apenas 15 anos de idade na época, a autora captou a emoção da juventude, os corações e mentes de jovens imersos na luta pela independência palestina. O resultado é uma mescla de prosa e poesia com a visão adolescente sobre o conflito do Oriente Médio

· Menino do pijama listrado, de John Boyne
Conta a história de Bruno, menino de nove anos que não sabe nada sobre o Holocausto nem sobre a “solução final” contra os judeus. Ganhou adaptação para o cinema em 2008.

· Homens de um livro só, de Mateus Soares de Azevedo
O autor tenta esclarecer como fundamentalismo religioso tem provocado debates intermináveis e alimentado preconceitos, especialmente, contra o islamismo. Atribuem-se ataques terroristas e mesmo todo o conflito no Oriente Médio à intolerância pregada por aqueles que se dizem defensores dos textos sagrados.

· Jerusalém, de Karen Armstrong
A historiadora britânica Karen Armstrong escreve um relato contundente da história milenar e conturbada da cidade sagrada para israelenses e palestinos.

· Diário de Hélène Berr, de Hélène Berr
Foi publicado apenas em 2008, depois de quase 50 anos com os manuscritos escondidos

· Alguém para correr comigo, de David Grossman
Panorama da vida moderna de Israel, ao relatar uma aventura urbana pelo submundo de Jerusalém. O autor é bastante premiado na Europa e em Israel.

· Porta do Sol, de Elias Khoury
História de vida de Yunis é uma metáfora da saga do povo palestino. Valendo-se dashistórias contadas e recontadas ao longo dos anos nos campos de refugiados palestinos, o libanês Elias Khoury desenvolve a narrativa por meio século de história.

· A Chave de Casa, de Tatiana Salem-Levy
Neta de judeus turcos e filha de exilados durante a ditadura no Brasil, a narradora deste livro recebe do avô a chave que abriria a porta da casa de Esmirna, onde ele havia morado na Turquia. A procura pelas raízes da família é o início de uma viagem de questionamentos.

· Judite no País do Futuro, de Adriana Armony
A carioca Adriana Armony faz ficção inspirada em história bem próxima, a de sua avó paterna. Judite emigra da Palestina para o Brasil após a Primeira Guerra Mundial. A autora pesquisou sobre a história do Estado de Israel e sobre a cidade de Tzfat, onde nasceu a cabala luriânica.

Cinema

· Lemon Tree (Etz Limon), de Eran Riklis, 2008
Oportunidade única para assistir no Cinema da Fundação (Fundaj) agora em janeiro, vencedor do prêmio Panorama Audience 2008 no Festival de Berlim. A história é real, sobre uma viúva palestina que precisa defender sua plantação de limoeiros contra o novo Ministro da Defesa de Israel que se muda para a vizinhança. A Força de Segurança Israelense logo declara que os limoeiros de Salma colocam em risco a segurança do ministro e por isso precisam ser derrubados.

· Paradise Now, de Hany Abu-Assad, 2005
Uma das produções mais conhecidas no Ocidente e facilmente encontrado nas locadoras, é uma ficção sobre dois amigos palestinos recrutados como homens-bomba para um atentado em Telaviv. Foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e faturou 13 prêmios internacionais, sobre fortes críticas do governo de Israel. Filmado em locações diversas entre os territórios ocupados na Palestina, na Alemanha, França e Israel.

· Morte em Gaza (Death in Gaza), de James Miller, 2004
O diretor James Miller morreu enquanto filmava este filme, baleado pelo próprio exército de Israel, à noite, enquanto se aproximava com a câmera em mãos. O fato, por si só, faz de Morte em Gaza um filme obrigatório. Vencedor de três Emmys, narra a história das crianças durante a Intifada e as mortes causadas pelo poder de fogo do exército israelense na Faixa de Gaza.

· Free Zone, de Amos Gitaï, 2005
A história da viagem de uma americana judia de Jerusalém à Jordânia, onde seu taxista vai cobrar dívida de uma palestina. Filme apenas razoável, mas tornou-se queridinho da crítica americana e conta com a bela Natalie Portman no papel principal. Faturou um prêmio e cinco nomeações em festivais de cinema pelo mundo.

· Promessas de um Novo Mundo, de Justine Arlin, Carlos Bolado e BZ Goldberg, 2001
Crianças palestinas e israelenses falam sobre sua vida em Jerusalém, também facilmente encontrado nas melhores locadoras.

· Occupation 101: Voices of the Silenced Majority, de Abdallah Omeish, 2006
Considerado por muitos como o melhor documentário sobre as raízes históricas dos conflitos e da ajuda política e financeira dos Estados Unidos a Israel. Faturou cinco prêmios internacionais, sob fortes críticas de ser tendencioso à causa palestina e com graves acusações do governo israelense.

· Portão de Sol (The Gate of Sun / Bab el shams), de Yousry Nasrallah, 2004
Considerado essencial na filmografia árabe, a longa duração (278 minutos) é apenas um pormenor neste filme épico e brilhantemente filmado sobre o sionismo, com uma história de amor como carro-chefe.

· Machssomim (Checkpoints), de Yoav Shamir, 2003
Documentário específico sobre os checkpoints do exército israelense em território palestino. Mostra o cotidiano da vida dos jovens militares de Israel e dos cidadãos da Palestina. De bastante sucesso na Europa, é difícil de encontrar em locadoras, mas pode ser achado em sites pela internet ou de comércio eletrônico para compra.

· The Inner Tour, de Ra’anan Alexandrowicz, 2001
Um olhar bastante curioso sobre a viagem de turismo de um grupo de palestinos, por três dias, em Israel. Uma visão bem palestina, dividida em sete capítulos. Uma raridade da filmografia árabe, com duas versões: uma internacional de 85 minutos e a original de 97 minutos.

· As Crianças de Arna (Arna’s Children), de Danniel Danniel e Juliano Mer, 2003
Juliano Mer mostra em documentário a história de sua mãe, Arna, uma ativista contra a ocupação de Israel que forçou os palestinos a serem educados em um novo sistema de ensino. Outra raridade do cinema, considerada essencial para entender os conflitos e o ódio na região.

· Attente (Waiting), de Rashid Masharawi, 2005
Produção palestina-francesa, também difícil de ser encontrada para locação por aqui, sobre como é passar gerações em campos de refugiados.

· Route 181: Fragments of a Journey in Palestine-Israel, Michel Khleifi e Eyal Sivan, 2004
Sivan é palestino e Khleifi é israelense. Juntos, fizeram essa relíquia do cinema sobre o cotidiano de ambos os lados da fronteira. São 4h30 que dificilmente saem da memória. Outros bons filmes de Khleifi sobre a região incluem Fertile Memory (1980), Wedding In Galilee (1987), Canticle of the Stones (1990), Tale of the Three Jewels (1995), Forbidden Marriages in the Holy Land (1995).

· O Casamento de Rana (Rana’s Wedding), de Hany Abu-Assad, 2002
Impossível esquecer da atriz Clara Khoury, mesmo muitos anos depois de assistir à saga de Rana, uma adolescente de 17 anos que quer se casar com quem se apaixona e não por quem a família deseja. Junto ao pai, ela precisará deixar a Palestina em direção ao Egito. O filme também ficou conhecido pelo título Another Day in Jerusalem.

· Divine Intervention (Yadon ilaheyya), de Elia Suleiman, 2002
Os encontros clandestinos entre apaixonados, separados pelos checkpoints de Jerusalem e Ramallah. Belo filme, mas no conjunto da obra da filmografia do Oriente Médio torna-se apenas uma narrativa razoável e de pouca expressividade.

Serviço

· Todos os livros citados estão disponíveis em livrarias brasileiras e em edições traduzidas para o português. Para média de preços, consulte na internet www.publifolha.folha.com.br ou www.record.com.br

· Parte dos filmes citados só podem ser encontrados em lojas de comércio eletrônico na internet, por não haver distribuição no Brasil.

· Todos podem ser comprados diretamente pelo site Amazon (www.amazon.com) ou pelo Internet Movie Database (www.imdb.com). No Brasil, os filmes premiados podem ser adquiridos via Submarino (www.submarino.com.br), Americanas (www.americanas.com) e outras lojas do gênero, além das principais locadoras e livrarias da cidade.

· Sebos online também vendem cópias autorizadas, como o Princeton Record Exchange (www.prex.com)