O fim do telefone fixo… e dos números fantasmas

Paulo Rebêlo
Webinsider – 17-set-2009

A segunda melhor coisa que fiz na vida foi abandonar o telefone fixo, há cerca de cinco anos. A primeira foi me livrar de vez da televisão em casa, bem antes.

Jogar o aparelho de telefone pela janela foi um ato que me livrou não exatamente da operadora, mas da pilantragem que todas as telefônicas fazem com milhões de pessoas no país: repassar números antigos como se fossem novos.

Não existe monge budista que mantenha a serenidade quando, às 7h da manhã de um sábado, alguém liga perguntando se é do consultório do Dr. Fulano. Seguidas vezes. Todos os sábados. E não acredita que nunca houve um Dr. Fulano com este número.

O problema é que houve um Dr. Fulano.

E além de consultório médico, também foi o número de umas três famílias diferentes, uma veterinária e um centro comercial. Eu tinha aquela linha há quinze anos e tudo corria bem, até que resolvi me mudar para umas cinco quadras adiante e a operadora trocou meu número. Garantiram nunca ter sido usado.

É claro que fora uma mentira, como tantas outras que a gente escuta todos os dias do atendimento ao consumidor. Mas como você vai provar? Gravando as ligações erradas? Qualquer pessoa pode digitar o número errado, sem querer. Mesmo que seja 300 vezes na mesma semana.

E quando você vê uma pessoa segurando um cartão de visita, com o nome do Dr. Fulano e o seu telefone? Seu ou dele? Sobram duas opções: ou você entra numa briga judicial com a operadora sabendo que vai perder a causa e ganhar dois centímetros extras de calvície; ou joga o aparelho pela janela e adeus telefone fixo.

Optei pela segunda opção e não me arrependo.

Meses atrás, me mudei de cidade. Mais uma vez. Fui muito bem tratado pela operadora (óbvio, sangue novo na praça…) mas, mesmo assim, me obrigaram a contratar um plano de telefonia fixa para voz (que eu nunca usei até hoje e nem vou usar) para poder usar a internet ADSL.

Todo mês, são R$ 55 jogados na cesta do lixo. Ou melhor, na cesta de lucros sem contrapartidas. Tive apenas duas semanas até alguém me acordar às 7h da manhã: mas esse número não é da dona fulaninha?

Não esperei sequer a segunda ligação, peguei a tesoura e cortei o fio da parede na mesma hora. Desta vez me arrependi depois, confesso, porque esqueci que um dos fios era da internet. Por sorte, a fiação é barata, comprei outro fio na esquina e agora ele está ali, desplugado, não toca nunca mais. Adeus.

A mim e a tantos outros, o telefone fixo não faz falta. Mas somos exceções. Faz falta para milhares de profissionais liberais que precisam contratar novos planos de telefonia fixa.

Ainda lembro do dia quando entrei na loja de informática para comprar aquele aparelho da Siemens, sem fio, 900MHz, bina embutido, agenda e outras funções bacanas. Custou uma nota preta, afinal, era necessário. Na época.

Pagando pelos outros
No Brasil, boa parte da Classe A e B usa cada vez menos o telefone fixo. A parcela aumenta nos grupos de profissionais que passam várias horas ao dia (quando não, o dia inteiro) conectado. É só celular e internet.

Nos Estados Unidos, ocorre um fenômeno similar, porém pelos motivos opostos. As classes C e D estão abandonando o telefone fixo para cortar custos, não pela comodidade ou falta de necessidade do serviço.

Um em cada quatro domicílios americanos já abandonou o telefone fixo, segundo um relato recente publicado pela The Economist. A revista calcula para o ano de 2025 o tempo de vida da última linha de telefone fixo.

Se você perguntar a um executivo do setor, ele dirá que o reflexo dessa situação é muito mais econômico do que cultural. Porque trata-se de um prejuízo certo para as operadoras, as quais até agora não mostraram ao mercado um plano a longo prazo de compensação financeira das perdas.

Acontece que as perdas só existem no discurso para o mercado, não na prática. As operadoras não trabalham no mesmo ritmo da indústria fonográfica, por exemplo, que está sempre dois passos atrás. Nos EUA, a exemplo de outros países desenvolvidos, simplesmente não há sentido ter um plano de banda larga e um telefone fixo, porque a qualidade da ligação via internet é igual.

Há muitos anos, você usa o seu aparelho de telefone fixo mas está usando, na verdade, é VoIP sem saber. Principalmente nas ligações internacionais, as interconexões entre operadoras e domicílios é feita quase que 100% usando tecnologia digital a custo zero. E você continua pagando por ?pulso telefônico excedente? e planos de minutos, quando na ponta do lápis o custo é zero para 100 ou 1000 minutos de uma pessoa fofocando ao telefone.

A deslealdade com o consumidor é a mesma com que faz tantos números fantasmas serem repassados para clientes novos. Não é ilegal. É uma oportunidade aberta e escancarada pela simples falta de controle e regulação.

O resto é linha cruzada para boi dormir.