A mulher infeliz

Paulo Rebêlo | setembro.2009

Ela pode ser linda a ponto de a gente ficar horas em silêncio olhando para aquelas curvas e cheirando aquela pele. Mesmo assim, é difícil admirar uma mulher infeliz.

Não sabemos exatamente o porquê, mas hoje para onde olhamos parece só haver mulheres infelizes ou à espera de uma vida de novela. E a gente nem se parece com o Zé Mayer.

Quando estão sozinhas, é uma infelicidade imensa porque estão sozinhas.

Se jogam nas baladas, nos shows, nos cursos de todos os tipos, aulas de dança, ligam para amigas que nem lembravam mais (mas que conhecem muita gente) e assim passam os dias como se o escolhido da Matrix da vida delas fosse aparecer sempre hoje.

E o azar dela é sempre a sorte de um zé ruela.

Sim, porque sempre há um zé ruela de plantão. E o primeiro que aparece e liga no dia seguinte se transforma no dono da chave do seu coração da noite para o dia, a solução de todos os problemas tabajara. O desastre vindouro é amplamente conhecido de todas as mulheres do mundo, mas elas adoram um zé ruela.

O tempo passa e, entre tantos zé ruelas espalhados pela cidade, não é que às vezes aparece alguém interessante de verdade?

Depois de tanta infelicidade desta vida injusta e cruel, cai do céu um arataca joiado e brioso e tudo vira uma felicidade só. Geralmente é um cara engraçado, um pouco mais inteligente do que os zé ruelas da balada e sempre “menos bonito” do que elas admitem para as amigas ao telefone.

Os dias vão passar lindos e ensolarados até chegar uma tarde chuvosa e ela se fazer a pergunta mais antiga do universo-fêmea: a gente tem futuro?

Então a infelicidade começa a bater à porta.

Porque ela não entende que às vezes a prioridade na vida dos homens não é exatamente planejar os próximos 30 anos em comunhão matrimonial com o padre que batizou a família inteira, ter dois filhos galegos de olhos azuis, apartamento de três quartos, adega com vinhos para receber os amigos, plano de aposentadoria privada, férias todo ano e um cachorro (com pedigree) no quintal.

Nem sempre porque a gente não quer, nem sempre porque a gente não está apaixonado, nem sempre porque a gente não pensa sobre o futuro (sempre compramos o ingresso do jogo antecipado), mas apenas porque às vezes estamos calejados demais por nadar neste oceano de incertezas das relações humanas, de ir contra a lógica natural dos telhados de vidro e de um pseudo-futuro que adora nos passar a perna.

É claro que o discurso não adianta de absolutamente nada.

E tudo se transforma numa infelicidade só. Porque agora ela não está sozinha, mas se sente sozinha. E faz questão de repetir isso várias vezes, principalmente nas festinhas e nas baladas cheias de zé ruelas que as amigas vão levar.

O tempo vai passar, vai ser muita infelicidade injusta e cruel, tudo de novo, mas num belo dia de primavera não é que aparece uma criatura-macho ainda mais briosa e querendo praticamente tudo que ela quer e sempre sonhou?

Quer viajar junto, andar de mãos dadas, conceder as temíveis “mostras públicas de afeto” que as mulheres tanto adoram, fazer uns planinhos para o futuro, juntar um dinheiro para gastar nas férias dela, pensar na carreira dos dois e eventualmente a gente até faz uma cosquinha na orelha do vira-lata parado ali na esquina, tipo mensagem subliminar.

Agora para ela tudo é uma felicidade gigante, a gente também não cansa de admirar aquela mulher que consegue nos deixar tão leves e já nem achamos tão ridículo assim as trinta e duas temporadas do Sex and the City. Embora a gente continue preferindo o Rambo I, II, III e IV e não se importe de assistir sozinho de madrugada, pela vigésima quinta vez, enquanto ela ronca feito um trator de guerra com três parafusos soltos e depois reclama quando a gente faz o mesmo.

O tempo passa e ela parece a mesma bonequinha do primeiro dia que você a viu. O trabalho lhe leva para os lugares mais insólitos e você não cansa de pensar se ela gostaria de estar ali também.

Até uma noite de sábado como qualquer outro sábado de inverno, você regressa de viagem e ela prefere lhe esperar em casa em vez de ir ao aeroporto (muito trânsito, muito trabalho, muitos compromissos), já não lhe dá aquele abraço grande de saudade, já não planeja umas folgas em conjunto, já não compra as revistas de viagens, quer dizer, já não olha no Google uns lugares bacanas para ir.

Nem sempre porque ela não está com saudade, nem sempre porque ela não continua apaixonada, mas apenas para deixar bem claro que alguma coisa não está bem (embora ela ainda não saiba explicar o quê) e que ela não está feliz. Acendeu o sinal amarelo e agora você se sente na obrigação de ser engenheiro, matemático, químico e físico para consertar tudo e ter a resposta correta da inequação.

Não demora e ela começa a sair novamente com as amigas, você acha ótimo, sem saber que agora as saídas servem para lamentar alguns “pequenos detalhes” que ela não suporta mais no companheiro.

As roupas que você usa são “sempre as mesmas” e ela reclama que você às vezes sai de casa parecendo “um peixeiro do mercado São José”. E ela começa a ter vergonha, logo ela, que tanto lhe admirava, agora não aceita mais quando você chama a amiga de sirigaita. E reclama por você parecer um velho usando termos arcaicos feito sirigaita e usando camisas de botão que já perderam a cor.

De repente, suas piadas já não são mais tão engraçadas quanto antes. A raça de cachorro (grande, peludo e desastrado) que você sempre sonhou em ter desde criança não é a mesma raça que ela quer. E você prefere ouvir calado que isso ou aquilo podem se transformar num problema “sério” naquele tal de “futuro” em conjunto.

A infelicidade nem precisou pedir licença desta vez, entrou e toma conta da sala, do quarto e da cabeça dela. E no meio deste turbilhão cortês, um belo dia alguém faz a segunda pergunta mais antiga do universo-fêmea: quando vocês vão oficializar essa relação?

Como assim quando? E antes era o quê?

Pronto, voltamos à estaca zero da infelicidade cruel, injusta, sem tamanho, porque somente agora ela parece perceber que talvez as coisas tenham mudado e não foi uma mágica da noite para o dia, como se a gente fosse dormir apaixonado e acordasse zumbi de George Romero.

E em vez de aceitar ou admitir pequenas verdades em vez de pequenas mentiras, é mais fácil achar que o amor acabou, que você não quer mais saber dela ou que está saindo com outra. No caso dela, às vezes é mais fácil fazer o mesmo também e migrar para outras praças.

Afinal, para cada mulher infeliz no mundo existe no mínimo trinta zé ruelas.

E a criatura volta a naufragar sem parar para pensar como uma estrada asfaltada começou a ter tantas curvas, tantos detalhes, tantas sinalizações, tantas patrulhas e tantas leis de trânsito em tão pouco tempo de construção.

Sempre parece mais fácil procurar respostas sem saber as perguntas, reclamar de tudo, de todos, da vida injusta, cruel, tumultuada, conturbada.

As mulheres felizes existem, claro.

Estão espalhadas pelos quatro cantos do planeta e são admiradas como só elas sabem ser. Algumas simplesmente nasceram assim, outras aprenderam com o tempo que as frustrações existem para serem enterradas, as alegrias para serem lembradas e o futuro para ser trilhado um passo de cada vez, devagar para não tropeçar.

Falar parece simples. Mas talvez o segredo das mulheres felizes seja justamente a simplicidade.

E elas apenas observam, de longe, as infelizes mulheres jovens, velhas, inexperientes, maduras, altas, baixas, pobres e ricas, todas perdidas à procura de um pacotinho de felicidade para cozinhar em três minutos. E às vezes até lembram que um dia elas já foram assim.

Novas estradas sempre vão surgir no horizonte e talvez novas mulheres nos façam passar horas olhando para elas em silêncio com o nariz por baixo daqueles cangotes cheirosos. Só que o tempo passa para todos e às vezes você já está cansado demais de andar em estradas tão irregulares e ter que parar no acostamento a cada dose de infelicidade alheia.

Enquanto o mundo das mulheres infelizes desaba, as mulheres felizes apenas sorriem.

E a gente quer sorrir com elas.

8 Comments A mulher infeliz

  1. Boris

    Parabens Paulo pelo belo texto. Na verdade as mulheres antes dos 30 pensam em ter uma vida dos sonhos, regadas a tudo do bom e melhor, com aquele cara de corpo sarado e fiel (ou coroa que page tudo). tive 2 relacionamentos anteriores, e sempre era cobrado porque nao tinha tanta grana (mesmo extrapolando no cartao de credito para ir naquele restaurante que ela tanto gostava num dia chuvoso) e que nao fazia planos futuros, e sempre com aquela ciumeira basica de mulheres pernambucanas. hoje estou casado, curto os momentos simples da vida, minha familia, viagens com minha esposa, jantar em casa, acordar junto mais um dia, com uma holandesa na belgica. Fato: Mulher brasileira bonita eh muito chata!!! abraaco!

    Reply
  2. Andrea

    Verdade, já fui assim mas só me faz pensar: as mulheres não são incríveis? Sempre queremos evoluir, queremos cada vez algo melhor… Não é nossa culpa, é nossa natureza de não se acomodar no que parece bom e sim tentar sempre ultrapassar a realidade atual e criar uma versão mais completa, sempre e de novo. Queremos sempre mais! E damos à altura a medida que o homem faça por onde também. E digo mais; é maravilhoso quando uma mulher inquieta acha um homem inquieto pq é uma relação sempre em evolução, sempre inovando, nunca tomando o outro por garantido (motivo de muitas separações). Eu acho incrível e ainda bem que estou há 14 anos com um homem que admira essa capacidade e acompanha, sem medo de aprender com uma mulher.

    Reply

Leave A Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *