Disputa pelo cinema do Pajeú

flip162Afogados da Ingazeira // Cineteatro São José virou ponto de discórdia entre Diocese, Prefeitura e a atual gestão

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
26.abril.2009

O cineteatro São José, em Afogados da Ingazeira, a 380 km do Recife, é a única sala de cinema em todo o Sertão do Pajeú. Patrimônio histórico e cultural do município, o espaço tem gerado atrito entre a prefeitura, a igreja e a comissão responsável pela gerência do cinema. O prédio onde se localiza o cineteatro pertence à Diocese da região do Pajeú e é cedido à comissão gestora por meio de comodato renovado, historicamente, por ambas as partes.

Ciente de que o último contrato havia acabado, a prefeitura enviou, há menos de um mês, proposta à diocese para se tornar co-gestora. A comissão atual, formada por Marcos Antônio, Evanildo Mariano e Carlos Gomes, não gostou nem um pouco da ideia. Teve receio de perder a coordenação do local. A polêmica instaurou-se em Afogados da Ingazeira, sobretudo porque o administrador diocesano, Monsenhor João Carlos Acioly Paz, resolveu aprovar a sugestão da prefeitura logo de início. Até cidades vizinhas ofereceram espaço paraum novo cineteatro, caso o cinema São José deixasse de existir.

O ciúme aparente não surgiu do nada. Durante anos, o cineteatro esteve abandonado, a exemplo de diversos outros equipamentos culturais no interior de Pernambuco. Em 2007, Marcos Antônio, Evanildo Mariano e Carlos Gomes deram gás a uma comissão formada desde 1995 para batalhar pela restauração do cinema, conseguindo finalmente reformar o novo cinema no final daquele mesmo ano – com apoio financeiro da Fundação de Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Desde então, há uma sessão todo dia. O ingresso custa R$ 4 (inteira) e R$ 2 (estudante). São 240 lugares.

O acerto – Oficialmente, prefeitura, diocese e comissão dizem que já conseguiram chegar a um denominador comum. Nas entrelinhas, contudo, as farpas ainda correm soltas e nem todos estão satisfeitos. Nos bastidores, sobra a versão de que seria uma briga política, já que os três gestores do cinema seriam ligados à oposição do prefeito Totonho Valadares (PSB) – argumento logo descartado pelos três coordenadores.

O Secretário de Turismo, Cultura e Esportes do município, Alexandre Morais, explica que a proposta da prefeitura não era para acabar com o cinema, mas virar parceira, aproveitar melhor o local. “A gente também queria diminuir os custos para o poder público, porque quem precisa do espaço tem de pagar aluguel à comissão e nem todo mundo consegue. Iríamos repassar um valor fixo para a diocese todo mês e aproveitar o cineteatro para outras atividades culturais. O cinema não ia acabar”, explica, ironizando a solução encontrada pelo chamado “Colégio de Consultores”, formado por padres da diocese. “No final das contas, a prefeitura ficou fora da coordenação, mas a receita agora será dividida entre a diocese e a comissão. E o espaço poderá ser alugado mais barato para nós”, acredita Morais.

Fim das polêmicas – Carlos Gomes, da comissão original, acredita que a questão está resolvida e que as polêmicas serão esquecidas. Após várias reuniões e algumas manifestações da população local,a partir do próximo mês haverá um novo modelo de gestão compartilhada. Os três gestores se mantêm, mas o espaço como um todo também será gerido por uma outra equipe de três pessoas. O padre Josenildo Nunes (da diocese) e os radialistas Nill Júnior e Tito Barbosa passam a integrar a chamada Fundação Cultural Senhor Bom Jesus dos Remédios. A mesma fundação, vinculada à diocese de Afogados, mantém a Rádio Pajeú, onde os radialistas trabalham. Assim, a diocese passa a atuar como co-gestora, posição antes inexistente.

A confusão trouxe à tona outro problema, ainda pouco explorado pelas autoridades e pela própria diocese: mesmo sendo a única sala de cinema em todo Pajeú, o espaço é pouco frequentado. Cinéfilo, o prestador de serviços Dário Lima admite a insatisfação quando chega para assistir a um filme e não encontra ninguém. “O pessoal só dá valor quando perde. Agora todo mundo se mobilizou com medo de que o cinema acabe”.

O radialista Nill Júnior, representando a nova gestão pela diocese de Afogados, também aposta que o grande desafio é atrair o público. Os filmes não são antigos. Neste fim de semana, por exemplo, o cineteatro exibe Alma Perdida (The Unborn, EUA, 2009), um suspense que há pouco tempo ainda estava nas salas de cinema do Recife. “Às vezes ocorre um atraso ou outro, mas os filmes são recentes”.

Saiba mais

O atual cineteatro São José, em Afogados da Ingazeira, foi construído em 1942 e logo foi batizado de Cine Pajeú, em alusão à região sertaneja. Por muitos anos pertenceu ao farmacêutico Helvécio César de Macedo Lima e, além de filmes, havia exibições culturais das mais diversas, com artistas amadores e novos talentos musicais.

Depois passou à propriedade da Diocese da região e ninguém lembra ao certo como o espaço começou a ser abandonado, a ponto de chegar a estado de ruínas. Em 1995, voluntários resolveram criar uma comissão para tentar restaurar o cinema, com apoio da sociedade e das autoridades, sem perder os traços arquitetônicos da época em que fora construído. Somente no final de 2007 o local foi finalmente reerguido, com apoio de doações e injeção financeira da Fundarpe.