Velhas questões, novos discursos

Gestores culturais reconhecem necessidade da busca comum de novos rumos para o setor

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Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco

29.janeiro.2009

Qual é o sentido de injetar dinheiro das prefeituras em shows pela cidade se não há segurança para chegar e falta transporte público para voltar?

A questão, responsável por acalorados debates entre gestores com visão mais abrangente sobre a ausência de políticas públicas nas gestões culturais, é apenas uma pequena parte dos problemas que os novos secretários da Região Metropolitana do Recife têm pela frente.

O novo Secretário de Cultura do Recife, Renato L, uniu-se ao Gerente de Cultura de Jaboatão, Lula Cortês, e à Secretária do Patrimônio, Ciência, Cultura e Turismo de Olinda, Márcia Souto, para uma conversa com vários setores da cena cultural, durante o ciclo de debates promovido pelo Festival Grito Rock no auditório da Livraria Cultura. A mesa também contou com a presença do mediador Adriano Araújo, advogado especializado em questões de direito autoral.

Enquanto a maior parte das perguntas (e críticas) miraram a gestão anterior de João Roberto Peixe no Recife, coube à representante de Olinda, Márcia Souto, o tom mais gerencial e objetivo da conversa – com participação direta de um auditório lotado e ansioso por resoluções rápidas para problemas infindáveis. Secretária desde a gestão da prefeita Luciana Santos, Márcia pontuou as exigências do público com questionamentos sobre políticas públicas. “Não adianta pensar as [três] cidades em separado, porque a gente mora no Recife e trabalha em Olinda ou Jaboatão e vice-versa”, sugeriu, sob concordância dos demais, insistindo na necessidade de novos discursos para o debate. “Temos que discutir as leis de incentivo e o excesso de atuação concentrada de algumas empresas privadas com dinheiro público. É uma discussão que na prática ainda não existe”, exemplificou.

Em uníssono, os três secretários concordaram que debates sobre cachê e quantidade de shows são variáveis supérfluas diante de uma longa batalha para encontrar novos rumos da política cultural. Ao mesmo tempo, sem hesitar em momento algum na ladainha da “continuidade” do governo João Paulo no Recife, Renato L repetiu o mantra de continuar a “boa gestão” de Peixe, mas sem se fechar a novas idéias.

Mais incisivo dos três, o músico e artista plástico (e agora gestor) Lula Cortês não poupou críticas à administração anterior e a certos setores de artistas que só procuram a prefeitura para benefício próprio, como se fosse obrigação do poder público suprir o custo de shows. “E o pior é que, se você não banca isso, vão dizer que você não está trabalhando…”, ironizou. Cortês garantiu estar aberto a receber projetos cujo benefício seja coletivo, mas não esqueceu de deixar claro: “Em Jaboatão, não existe verba para praticamente nada, não dá para continuar a ser paternalista como se faz até hoje”.

Ao frisar o “sucesso da política cultural dos últimos oito anos”, Renato L teve dificuldade para sair da saia justa imposta por Roger de Renor, sempre no seu papel de agitador “cultural” e ao arrancar risos da platéia, ao questionar os quase 50 anos de tramitação daRádio Frei Caneca. O secretário garantiu “não ser ingênuo, ciente de que existe pressão da grande mídia e dificuldades burocráticas” para que o projeto de uma rádio pública não vá adiante, mas garante ser prioridade para a prefeitura de João da Costa. O projeto da Frei Caneca, contudo, não é mais responsabilidade da pasta de cultura, passando para a Secretaria de Gestão Estratégica e Comunicação, cuja responsável é Lygia Falcão.

Uma máquina enferrujada para a cultura

Quando Lula Cortês fala das dificuldades gritantes e amplamente conhecidas de Jaboatão dos Guararapes, quando Márcia Souto critica a conhecida ausência de políticas públicas integradas, quando Renato L insiste em apostar no novo Plano Municipal de Cultura, todos estão, na verdade, em rota de colisão com forças bem maiores que a simples vontade de ampliar o debate cultural. Esbarram na política e algumas de suas principais variáveis negativas: fisiologismo, burocracia, falta de conhecimento técnico e muitos, mas muitos egos inflados.

Renato L não poupou elogios às mudanças conduzidas pelo ex-prefeito João Paulo, sobretudo ao criar a então inexistente Secretaria de Cultura, em 2001. “O Recife nem carnaval tinha, veja como é hoje. Temos um carnaval atraindo o interesse de outras cidades, estão mandando gente para observar o que vem sendo feito por aqui. As apresentações festivas nos pólos (Carnaval, São João, Natal) já contam com 80% de bandas locais”, prosseguiu, citando o Plano Municipal de Cultura (PMC) comoforça motriz à política cultural dos próximos anos.

No auditório da Livraria Cultura, surpreendeu também os questionamentos sobre o futuro da Orquestra Sinfônica do Recife. Entre insinuações e recados nas entrelinhas, fica claro o descontentamento de alguns representantes da música erudita no modo como a orquestra vem sendo conduzida nos últimos anos – a começar pela falta de interesse da prefeitura.

A falta de capacitação técnica das pessoas envolvidas ou responsáveis pela gestão pública, um desafio crônico e histórico, não ficou de lado nos questionamentos da Secretária de Cultura de Olinda, Márcia Souto. O agravante, como se sabe, passa ao largo do que qualquer pasta de Cultura pode conseguir. Como bem explica Lula Cortês, de Jaboatão dos Guararapes, “o jeito é a gente usar a criatividade para reverter a total carência de infraestrutura. E criatividade não nos falta”, resume. (Paulo Rebêlo)

1 Comment Velhas questões, novos discursos

  1. jeanne

    OPORTUNO.ESSE ASSUNTO CARECE DE ATITUDE SISTEMÁTICA E PROPOSITIVA NO SENTIDO DE , EM ALINÇA COM OS SESCs E OUTRAS ORGANIZAÇÕES AFINS MINIMIZAR ESSE CENÁRIOS ATRAVÉS DA SENSIBILIZAÇÃO E RECORRENTE CAPACITAÇÃO/INSTRUMENTALIZAÇÃO DOS GESTORES SEJAM ELES DO NÍVEL POLÍTICO,ESTRATÉGICO,TÁTICO OU OPERACIONAL.
    É ARREGAÇAR AS MANGAS.

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