Transparência ainda longe


Câmara do Recife // Estudo comprova que vereadores evitam divulgar dados sobre despesas e viagens

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 03.outubro.2008

Como se não bastasse o escândalo das notas fiscais falsificadas, emitidas por 26 dos atuais 36 vereadores do Recife, um novo estudo publicado ontem ratifica uma realidade há muito divulgada por movimentos sociais e cientistas políticos: falta transparência e prestação de contas na atuação parlamentar recifense. Com orçamento anual de R$ 69 milhões em 2008, a Câmara Municipal é uma das menos transparentes no Brasil, segundo o estudo da ONG Transparência Brasil em todas as capitais do país.

A dois dias das eleições deste domingo, é válido realçar que 33 dos 36 parlamentares são candidatos à reeleição. Segundo relato de Bianca Vaz Mondo, responsável pela “tradução” dos dados e estatísticas recolhidos pelo sistema da Transparência Brasil, a Câmara do Recife não fornece dados sobre o uso de verbas indenizatórias e nem sobre os registros das viagens realizadas por eles.

Na internet, o eleitor até pode conferir uma lista de freqüência para cada uma dassessões, contudo, somente a partir de setembro de 2007. E mesmo assim, o método adotado para conferir a presença é tudo, menos transparente. Não há qualquer explicação sobre as famosas “missões culturais” ou ausências diversas, por exemplo.

A falta de transparência nos gastos e sobre o uso das verbas é assunto recorrente no Diario, a partir do acompanhamento das sessões plenárias, das ordens do dia (pauta de votações) e do Diário Oficial. Para realizar uma das etapas do estudo divulgado ontem – o levantamento financeiro – a Transparência Brasil solicitou quatro informações que, por lei, devem ser públicas: o salário recebido pelos vereadores, a verba destinada aos assessores de gabinete, o número de assessores que podem ser contratados por cada parlamentar e, enfim, os recursos utilizados para cobrir despesas, como material de escritório, telefones, veículos etc. Todas as tentativas de obter os dados foram frustradas.

De acordo com a direção do estudo, foram feitas solicitações a funcionários da Secretaria deCoordenação Geral e da Assessoria Especial de Imprensa, que afirmaram desconhecer tais informações e indicaram como órgão competente para fornecê-las o Departamento de Administração. Em seguida, o tal departamento confirmou o recebimento por escrito da solicitação, mas nunca retornou. As assessorias do presidente da Câmara e do primeiro-secretário também foram procuradas, sem sucesso, relatam.

Financiamento – A prestação de contas ainda é desrespeitada. Entre os 20 principais financiadores dos parlamentares, o maior número é de pessoas físicas e, entre elas, candidatos que financiaram as próprias campanhas. No lado de empresas, as principais são Votorantim Participações, Arc & Auditores Independentes, Rands e Ricardo Advogados Associados, Usina Goianésia S/A, Comércio e Confecções Santa Helena.

Julgamento só depois da eleição

Vai ficar para depois das eleições, sem nenhuma previsão oficial até agora, o julgamento da série de irregularidades encontradas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) nas contas de quase todos os vereadores do Recife. O resumo do relatório do TCE indica que 98% das notas fiscais, oficialmente para despesas com alimentação, concentram-se em gastos com bares e restaurantes e totalizam até R$ 203 mil.

Trata-se apenas de uma parcela de gastos irregulares, cujo total chega a R$ 976 mil durante o curto período de tempo – dez meses, entre 2006 e 2007 – analisado. O processo da auditoria especial é de número 0605226-5 e surgiu a partir da CI 095/2006 de 20 de outubro de 2006. Os resultados foram divulgados em agosto deste ano.

Para os auditores, o prejuízo aos cofres públicos é bem maior, porque a auditoria foi feita por amostragem com apenas uma pequena parcela das notas fiscais. Simplesmente, 75% dos recursos disponíveis das verbas de gabinete não possuem interesse público, muito menos foram destinados às atividades da Câmara. Grande parte, diz o relatório, foi destinada à “falsificação de documentos fiscais”.

O TCE aponta um total de 553 notas fiscais “inidôneas”, incluindo clonadas, de estabelecimentos fechados ou inexistentes, com numeração repetida e grafias idênticas. O reembolso com gastos de combustível é um capítulo à parte. São R$ 404 mil em notas fiscais. Representam 150 mil litros em apenas três meses. Na ponta do lápis, significa 50 mil litros por mês para cada um dos 36 vereadores, o suficiente para rodar 500 mil quilômetros. Por gabinete, equivale a 1.425 litros por mês.

Radiografia da Câmara

– Composta por 36 vereadores
– Orçamento em 2008 é de R$ 69 milhões
– Cada vereador custa R$ 1,9 milhão aos cofres públicos por ano, segunda maior quantia entre as nove Câmaras das capitais do Nordeste
– Não há informações públicas sobre como os vereadores usam as verbas indenizatórias, nem sobre os registros de viagens
– 25% dos vereadores mudaram de partido
– Dois vereadores têm ocorrência na Justiça ou punição em Tribunal de Contas
– A evolução patrimonial média de sete vereadores foi de 37% em dois anos
– Um parlamentar declarou patrimônio quase 200% maior que o de 2006
– Outro teve evolução de 66%
– Três vereadores fizeram doações eleitorais muito “generosas”
– Só há dados públicos sobre gastos de campanha para 20% dos 730 candidatos a uma vaga na Câmara em 2004
– Para os 20 eleitos sobre os quais há dados, a arrecadação média em 2004 foi de R$ 64 mil
– Para sete vereadores, as doações de uma única empresa representaram mais de 25% do total de sua arrecadação.