PPP: instalação de nova geração de presídios sob ameaça

RECUO // Prefeitura de Itaquitinga pode não ceder terreno para presídio estadual

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 16.março.2008
fotos: Juliana Leitão/DP

Itaquitinga (PE) – Presídio de última geração, mais de três mil vagas, melhores condições para os detentos e a primeira Parceria Público-Privada (PPP) do sistema penitenciário brasileiro, cujo valor pode chegar a R$ 250 milhões. É a promessa do Governo de Pernambuco, que deve publicar até o final deste mês o edital para construção do Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga, a 66 km do Recife, na Mata Norte. Só há um problema: a prefeitura desta cidade perdeu a confiança no governo, após um longo processo de convencimento para que o município aceitasse a chegada do presídio e todas as conseqüências decorrentes do processo.

De acordo com o prefeito José Vidal de Moraes (PMDB), o governo encara a construção como certa, mas até agora não moveu sequer uma palha para atender as contrapartidas exigidas pelo município para autorizar o uso do espaço, localizado dentro dos limites de Itaquitinga, bem próximo do distrito de Chã de Sapé. Irritado, ele ameaça esquecer o acordo “verbal”e voltar atrás. “Se querem o presídio logo, que comecem as obras estruturais que nos prometeram desde o ano passado”, explica. A população local vê com otimismo a chegada do presídio, por conta da prometida geração de até três mil empregos diretos e indiretos, mas reclama da falta de informações. Até agora, não se viu nenhum técnico ou funcionário do governo nem mesmo para fazer medições.

Segundo a Secretaria de Ressocialização do Estado (Seres), o Centro Integrado deverá ser entregue até meados de 2009, sem fixar datas. Os detentos virão do atual presídio semi-aberto de Itamaracá, que será fechado, além de outras prisões. Por ser uma parceria com a iniciativa privada, os custos para o Estado não podem exceder 1% da receita líquida e concessão deverá valer por 30 anos. As exigências de Itaquitinga, por outro lado, chegam a ser simplórias – mas foram registradas em um ofício assinado pelo prefeito, ao qual o Diario teve acesso. Além da construção de um matadouro público (hoje é preciso usar o de Nazaré da Mata) e de 300 casas populares, a prefeitura pediu o asfaltamento de trechos dentro da cidade e do percurso até o distrito de Chã de Sapé (10 km). Reforma no mercado público também está entre as condições.

Qualidade – Para um ex-secretário da prefeitura, que preferiu não se identificar por não fazer mais parte do quadro funcional, as reuniões com o governo estadual, ocorridas ano passado e este ano, mostraram que o projeto do presídio é, de fato, qualificado e de altíssima qualidade. “Sem contar que o município ganha com o aumento do ICMS, ISS, geração de empregos e comércio”, explica. Ele garante, contudo, que até agora nada existe de concreto. “O prefeito não assinou documento algum, não há absolutamente nada que garanta a construção, a gente não entende como agora já falam de edital”, esclarece. O detalhe é confirmado pelo próprio prefeito Moraes que, irritado com a presença da equipe de reportagem, não gosta nem de falar sobre o assunto ou não quer se complicar. Mesmo assim, ele corrobora a tese da qualidadedo projeto apresentado nas reuniões.

Até a publicação do edital, muita discussão ainda será gerada. Nesta terça-feira (18), por exemplo, está programada uma audiência pública para discutir o projeto. O debate é por intermédio da Comissão de Justiça da Assembléia Legislativa, solicitado pelo deputado estadual Alberto Feitosa (PR). Semana passada, durante reunião na Alepe, o deputado destacou que a instalação do Centro Integrado divide as opiniões dos moradores da cidade. São problemáticas comuns aos municípios cobiçados por governos para instalação de presídios, diante do atual quadro de degradação do sistema penitenciário e a conseqüente insegurança gerada para as comunidades e cidades próximas.

Proximidade com Araçoiaba –

Uma gigantesca área de 100 hectares no meio do canavial, dos quais dez hectares serão ocupados pelo espaço físico do presídio de regime semi-aberto proposto pelo governo estadual. Embora faça parte do município de Itaquitinga, o terreno está bem mais próximo do centro de Araçoiaba, a apenas 7 quilômetros dali. Para o centro de Itaquitinga, são 16 quilômetros. No entanto, perto mesmo é a comunidade de Chã de Sapé, um minúsculo distrito de Itaquitinga, cercado por canaviais e a cerca de 2 quilômetros do local onde o governo quer construir o Centro Integrado de Ressocialização.

Localizar a área não é fácil. Afora a óbvia inexistência de placas, nem os moradores do distrito conseguem precisar exatamente o ponto, perdido entre as terras da Usina São José em uma localidade chamada de Itapirema de Cima. Há vários caminhos por dentro do canavial, utilizados por tratores e cortadores de cana, todos idênticos e sem rumo definido. As porções de terra onde o canavial já está mais alto atrapalham ainda mais a visibilidade. Ao chegar, a surpresa é clara: não é nada diferente da paisagem de 2 quilômetros atrás. Cana e mato por todos os lados, não surge uma alma viva para contar história.

A maior parte dos moradores de Chã de Sapé não sabe direito o que pensar, mas em geral não têm medo do presídio. Em grande parte porque acreditam que, na eventualidade de uma fuga, a opção mais lógica para os foragidos seria procurar cidades maiores (como o centro de Itaquitinga ou Araçoiaba) para assaltar, em vez do pequeno vilarejo que já não dispõe de quase nada. Natural de Chã de Sapé e vereador pelo município nos anos 90, o morador Ramos Bernardo só reclama da falta de assistência do governo, que até agora não mandou ninguém até o distrito para explicar à população como será feito o processo. No mais, vê com bons olhos a iniciativa por causa dos empregos que venham a ser gerados.

Indefinição sobre presídio-modelo –

A construção de um presídio de regime semi-aberto em Itaquitinga será a âncora do fechamento do presídio agrícola de Itamaracá, que tanta dor de cabeça gerou para o governo e para a população da ilha. Entretanto, a problemática na Zona da Mata Norte é apenas a ponta do iceberg a vir pela frente. Até agora, o governo estadual ainda não revela onde será instalado o segundo presídio de “nova geração” prometido pela Secretaria de Ressocialização (Seres), desta vez de segurança máxima e com infra-estrutura “de primeiro mundo e inédita no Brasil”, como costuma dizer o secretário-executivo da Seres, coronel Humberto Viana. Ele acredita integralmente que até o ano de 2010 o governo de Pernambuco irá se tornar referência nacional na ressocialização de presos, a partir de novo modelo de gestão prisional nunca antes praticado por aqui.

Por mais que se pergunte, o governo não abre o jogo sobre o local de instalação do próximo presídio. Em Canhotinho, a 193 km do Recife na região do Agreste meridional, a prefeitura e a população dão como certa a construção do complexo nas dependências do município – que já abriga o Centro de Ressocialização do Agreste (CRA). O presídio foi construído no início da década de 70 e ampliado nos anos 80 para comportar 258 presos, mas hoje abriga quase 700 detentos. Segundo fontes do próprio sistema penitenciário local, as fugas são quase diárias e, quanto mais presos fogem, mais o governo manda novos detentos. A insegurança na população local é generalizada, inclusive, afetando municípios próximos como Angelim, Capoeira, Jupi, Lajedo, Jurema, São João e Quipapá.

Humberto Viana garante que os critérios são técnicos e várias cidades estão em estudo, não havendo nada definido por Canhotinho. O prefeito Álvaro Porto (DEM), contudo, já se mobilizou e não quer saber de contrapartidas ou ofertas do governo para instalar. “Já nos chamaram para reuniões no Palácio do Campo das Princesas e, da última vez, nos mostraram o projeto como já confirmado. Achei um absurdo e me retirei da sala. Não aceito”, garantePorto, que conta com apoio da maioria da população, conforme o Diario mostrou nas edições de 20 de janeiro de 2008 e 09 de dezembro de 2007.