O caos da saúde

Desafios do próximo prefeito // População do Recife ainda sofre sem condições adequadas de atendimento médico de rotina e urgência

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 10.agosto.2008

A situação é conhecida. O paciente sai de casa em busca de atendimento de urgência e, ao chegar ao posto de saúde ou a policlínica municipal, é encaminhado a um hospital de referência do estado. E lá encontra filas enormes e uma unidade sem estrutura para atender a demanda por atendimento, assim como os jornais noticiam rotineiramente. Isto quando não vai direto para um hospital de referência ao lembrar de suas experiências anteriores nas dependências municipais.

Muito além de dinheiro, distribuição de recursos no orçamento e quantidade de policlínicas instaladas no município, os principais gargalos da saúde pública municipal passam pela falta de entendimento sobre necessidades e metas; hierarquização do atendimento a partir da complexidade e parcerias entre gestores. A repercussão negativa é mútua, para doentes e os profissionais sem condições de trabalho.

Além de policlínicas, ambulatórios, postos de saúde, serviço de atendimento de urgência (Samu), Programa de Saúde da Família (PSF), o futuro prefeito do Recife terá um grande desafio pela frente, até hoje não encarado: cobrar o cumprimento de metas dos profissionais, qualificá-los devidamente e instruir a população sobre as capacidades e deficiências do atendimento municipal. E, de quebra, entrar em sintonia com o governo estadual e com gestões vizinhas -algumas das principais policlínicas ficam entre limites de municípios, por exemplo.

O discurso do vice-governador e atual Secretário da Saúde, João Lyra Neto, pontua bem a relação tumultuada: “pelo SUS (Sistema Único de Saúde), os municípios devem cuidar dos atendimentos de baixa e média complexidade, mas como isso não ocorre, o estado está entrando nessa área. É por falta de consultas e pronto-atendimentos que hoje há um déficit de 5 milhões de consultas por ano no SUS. E é por essa carência que a Restauração está superlotada”, definiu, na última sexta-feira.

A opinião do vice-governador retrata uma realidade imemorial, histórica, compartilhada por boa parte dos especialistas e profissionais de saúde consultados pelo Diario. O médico Izaías Francisco Souza, integrante do núcleo do PSF, cita outros gargalos conhecidos e ainda não solucionados. “Fazemos a prevenção pelo PSF. Quando necessário, fazemos a referência para a policlínica, mas quase sempre não recebemos a contra-referência dos plantonistas de lá, fica impossível de acompanhar. A instrução existe, mas não é cobrada pelas gestões”, pontua. Para Souza, muitos profissionais não conseguem entender as verdadeiras demandas e a hierarquia do sistema de saúde, passando pelo sistema primário (PSF), secundário (atendimento municipal), terciário (hospitais de referência) e quaternário (UTI, cirurgias, transplante). Sem metas, qualificação, recursos humanos e gestão política, é quase impossível para qualquer município fechar os gargalos.

Quem vai comprar a briga política?

O quadro de pobreza e desigualdade reflete diretamente nas condições de saúde da população. A frase, aparentemente óbvia, parte do Plano Municipal de Saúde 2006-2009, elaborado pela Prefeitura do Recife. E de acordo com o documento, a cidade convive com sérios problemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, aliados a condições ambientais desfavoráveis. Trata-se apenas de uma variável, entre tantas, de que o papel dos próximos prefeitos vai além da construção de academias da cidade e ampliação das unidades do Programa Saúde da Família.

Embora todo prefeito reclame sobre a falta de recursos financeiros, para o médico da emergência do Hospital Agamenon Magalhães, Honório Justino Júnior, dinheiro nunca foi o problema. “O que se faz, hoje, é encaminhar para o estado. A população precisa de urgência e não encontra sequer gente para fazer uma sutura”.

A cirurgiã-geral e atual diretora técnica do Hospital das Clínicas, Iaracy Melo, acredita que falta empenho para comprar a briga política contra municípiosque empurram pacientes para o Recife. “Se a gente não tem estrutura, em outras cidades a situação é bem pior. Aqui, não temos atendimento de média complexidade, o qual deveria ser feito via policlínicas. Procedimentos simples deixam de ser feitos. E mesmo que as gestões resolvam estruturar melhor esses locais, não temos política de recursos humanos. Iria faltar profissional habilitado”, resume Iaracy, que também já foi chefe da emergência da Restauração.

A ex-secretária de planejamento do Recife na gestão Roberto Magalhães, a urbanista Celecina Pontual, lembra uma máxima internacional clássica: para cada dólar investido em saneamento, quatro dólares são economizados na saúde pública. Não à toa, o tema foi abordado em detalhes no último dia 20 de julho, na seqüência de reportagens para discutir os principais desafios do futuro prefeito no Diario.

PROPOSTAS
Roberto Numeriano (PCB)
l Atendimento neonatal nas policlínicas
l Ampliar horário de atendimento
l Construção de mais creches e ambulatórios, com pronto-atendimento;
l Criar farmácias populares nas RPAs, distribuindo genéricos;
l Racionalizar o atendimento ao público, a partir de um sistema que evite as filas e os prazos excessivos para marcar consultas.

Raul Henry (PMDB)
l Criar dois hospitais municipais de referência
l Construir oito novas policlínicas com atendimento de emergência e 24h
l Reestruturar a rede de ambulatórios, ampliando as especialidades de atendimento
l Descentralizar o Samu, passando de uma única base para seis
l Prontuário Único: todo o histórico do cidadão ficará em ficha médica única

Mendonça Filho (DEM)
l Oferta de 320 mil consultas em clínicas particulares para população atendida no PSF
l Transformação da Maternidade Bandeira Filho em hospital de referência para atendimento à mulher
l Transformação do Hospital Geral de Areias em referência no atendimento ao idoso
l Atendimento 24h nas policlínicas
l Atendimento odontológico para o trabalhador à noite

Kátia Telles (PSTU)
l Ampliar o Programa Saúde na Família (PSF)
l Descriminalização e legalização do aborto
l Programa municipal de assistência à saúde da mulher
l Postos de saúde abertos 24h
l 20% do orçamento para a saúde pública
l Nenhum financiamento com dinheiro público para hospitais particulares.

João da Costa (PT)
l Três novas policlínicas: Caxangá, Casa Amarela e Pina
l Concluir a policlínica de Água Fria, projeto já aprovado pela atual gestão
l Implantar dois centros odontológicos especializados
l Implantar 42 novas equipes de saúde bucal, ampliando o atendimento para 140 mil pessoas
l Implantar 80 novas equipes no PSF
l Criar mais 10 Academias da Cidade

Edilson Silva (Psol)
l ampliar o Programa Saúde da Família (PSF)
l abrir os postos de saúde que estão fechados
l ativar 100% das policlínicas, que hoje não funcionam
l fazer concurso público para especialidades mais demandadas pela população
l analisar a necessidade de construção de mais postos e policlínicas
l ações preventivas, principalmente para saneamento básico

Cadoca (PSC)
l Implantação de seis centros de especialidades médicas com 90 profissionais
l Meta: oferecer 570 mil consultas/ano
l Remédio em casa, quando for de uso contínuo
l Resultados de exames na internet em até 10 dias
l Qualificar e ampliar o Programa de Saúde da Família (PSF)
l Atendimento móvel nas escolas e laboratório móvel oftalmológico