Manari não é mais a mesma

SERTÃO // Município vive bom momento com a chegada de recursos federais e estaduais

Paulo Rebêlo (texto/fotos)
Diario de Pernambuco

12.outubro.2008

Manari – Ninguém consegue mais ouvir falar de Manari, a suposta cidade com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Nem mesmo a população local, acostumada com a exagerada midiatização sobre fome e pobreza. Há três anos, no mínimo, Manari deixou de ser uma cidade isolada e pobre, diante da quantidade de projetos implementados ali.

Ao ser comparada com outras localidades em Pernambuco, este município, a 400 quilômetros do Recife, está muito bem, obrigado. Desde a publicação do ranking de desenvolvimento da ONU, em 2003, Manari tornou-se um exemplo dúbio para o Brasil. Senadores, governadores, deputados e governo federal voaram até o isolamento e anunciaram os milhões em investimentos.

O abastecimento de água, em parte da zona rural, foi instalado, apesar de funcionar apenas a cada oito dias, isto é, quando não há “problemas técnicos”. Durante a passagem do Diario, a cidade estava havia duas semanas sem água devido a umdefeito inexplicável. Para quem mora em regiões mais distantes na zona rural, fica a solidariedade de quem reside próximo a uma das cobiçadas torneiras azuis.

É o caso do agricultor Antônio Lacerda de Oliveira e sua filha, a pequena Olívia, 4, no povoado de Umbuzeiro Doce. “As pessoas vêm aqui e pegam a água, o problema é só a fila. Mas já melhorou muito”, comemora, ainda sem saber como será no período da seca. Quando a água encanada não chega às casas, restam os baldes e as longas caminhadas.

O laboratório de informática, tão aguardado durante anos, funciona desde 2005, mas também está parado por causa de uma enchente em 2007. Previsão de conserto? Até agora, nenhuma. Para os 50 quilômetros de estrada de acesso, por exemplo, foram R$ 10,8 milhões. Iniciada em 2006, até setembro deste ano sobravam 25 km incompletos. Hoje, está pronta e consegue atrair comerciantes e vizinhança para a feira pública, uma vez por semana, na praça.

De um lado, Manari apresenta um avanço perceptível nos últimos anos, a maior parte com recursos federais e estaduais. Escolas reformadas, laboratórios de informática, estradas e Bolsa Família. Muito Bolsa Família. Sobrou a política.

Gestão nova, política velha

Manari segue o exemplo de tantas outras cidades pernambucanas, onde as eleições municipais do último domingo ajudam – de novo – a comprovar os desmandos administrativos que se perpetuam impunes.

O atual prefeito de Manari, Otaviano Martins (PSDB), foi reeleito com o dobro de votos do adversário, o ex-prefeito “Santo Vieira” (PR). Ambos já foram presos pela Polícia Federal e ainda respondem a processos administrativos e penais, numa longa lista de irregularidades apontadas pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do estado em tempos nada recentes.

Além do Bolsa Família, a fatura política dos projetos instalados em Manari, conforme reza a cartilha eleitoral nos municípios, recai sobre os chefes do executivo. Para a maioria da população local, nada seria possível sem o empenho do atual prefeito Otaviano Martins.

Em 2004, logo após a divulgação do ranking do IDH, ouvia-se a mesma coisa nas ruas sobre o então prefeito Santo Vieira. Sem água, sem estrada e sem comércio, a população abençoava o prefeito -o nome não surgiu à toa – que pagava “do próprio bolso” carros-pipa e comida.

Figura das mais conhecidas da cidade, Luciano Vieira (sem parentesco com o ex-prefeito) ensina informática para os estudantes e, há pouco, resolveu montar dois computadores para dar aulas em casa. “Temos vários problemas e carências, sem dúvida, mas aguardamos com ansiedade a revisão desse ranking [do IDH] pela ONU, porque basta chegar aqui para ver que não há nada disso”, pontua.

Imemorial problema do sertanejo, a falta de água em Manari é vista, a priori, como um problema prestes a acabar. Com o benefício, os agricultores podem encher as cisternas instaladas pelo governo federal e não mais depender de carros-pipa bancados pela prefeitura e, muitas vezes, faturados politicamente por vereadores.

A esperança do Bolsa Família

Dida Santos nunca teve uma geladeira na vida. “A gente se acostuma, não tinha comida extra para guardar, só as que a gente cozinhava na hora e comia. As verduras duram alguns dias fora da geladeira”, explica, em frente ao eletrodoméstico adquirido há um ano, graças às economias do Bolsa Família, em Manari.

Ela e o marido Josivan Cordeiro de Araújo creditam o desenvolvimento ao empenho da prefeitura, via de regra a responsável pelo gerenciamento das famílias cadastradas no programa. Admitem usar quase todo o dinheiro para comprar alimentos, situação quase unânime nacionalmente, segundo pesquisas dos governos federal e estadual.

Com as sobras, é possível comprar panelas e eletrodomésticos. Um cenário pouco usual, diante da baixíssima renda da maioria das famílias beneficiadas no Nordeste. De acordo com o coordenador do Bolsa Família em Manari, Lucas Vieira, das quase quatro mil famílias contabilizadas em Manari, cerca de 3 mil recebem o benefício.

Aos 18 anos, o jovem Lucas – irmão de Luciano Vieira esem parentesco com o ex-prefeito Santo Vieira – gerencia todo o cadastro. E não esconde a empolgação com a gestão do atual prefeito Otaviano Martins (PSDB), reeleito no último domingo com o dobro de votos do adversário, o ex-prefeito Santo Vieira (PR). Ambos respondem por irregularidades na gestão (leia mais na página A12).

A fatura do Bolsa Família é igualmente percebida no comércio local. A vendedora Geraldina Pereira resume bem a situação: “as pessoas compram mais e a gente tem mais segurança de que vai receber. A única crítica é que muitas pessoas ficaram mais preguiçosas, já que não precisam mais trabalhar porque sabem que terão o dinheiro garantido”, diz.