Conflito de interesses nos lixões de Pernambuco

Meio ambiente // Proposta de aterro sanitário público em sintonia com a legislação é a mais viável, só que aguarda licença há três anos

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 08.junho.2008

O encontro desta terça-feira na Amupe (leia mais na página A8), para discutir políticas públicas sobre o lixo em Pernambuco, faz parte de uma mobilização que começou em abril. Na época, o procurador-geral de Justiça, Paulo Varejão, recomendou aos promotores com atuação voltada para o meio ambiente o início de uma nova investigação sobre o tratamento e gerenciamento dos resíduos sólidos no estado. No entanto, os interesses políticos e econômicos vão muito além do lixo.

Os especialistas ouvidos pelo Diario nas últimas quatro semanas acreditam que, diante do quadro atual, a proposta de um novo aterro sanitário, público, em sintonia com a legislação ambiental vigente, sem lixo a céu aberto e com trabalho digno para os catadores, é a melhor opção a curto prazo. Então, o que falta? O licenciamento ambiental. Eis um dos principais entraves entre interesses públicos e privados.

De acordo com o coordenador técnico do novo aterro público, Eduardo Maia, ninguém consegue entender o motivo de a Agência Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH) ainda não ter emitido a licença, após três anos em análise no órgão. “É difícil de aceitar, porque o aterro privado (CTR Candeias) que funciona ali ao lado do lixão da Muribeca não tem sequer tratamento de chorume, um requisito essencial, e a licença foi aprovada em apenas três meses, tão rápido”, questiona.

O engenheiro Fernando Jucá, da Universidade Federal de Pernambuco, é ainda mais enfático sobre a morosidade do licenciamento ambiental. “O que Jaboatão está pagando para usar o aterro privado é impraticável e não vai se sustentar nas próximas gestões. O valor é alto. Na última audiência pública realizada, todos esses fatores técnicos foram expostos e o poder público está ciente do que acontece”, dispara. A UFPE é a responsável pelo monitoramento ambiental na Muribeca desde 1994.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente da seccional Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Antônio Beltrão, aponta a eterna “batalha” entre desenvolvimento e licenciamento ambiental. “Ocorre em todos os países, o empresário vê apenas o presente, no máximo o dia de amanhã. Quando falamos de licenciamento ambiental e todas as diretrizes e coordenadas, pensamos nas gerações futuras”, explica.

Licenciamento recorde

Sobre o atraso de mais de três anos para conceder a licença ambiental ao novo aterro sanitário, o presidente da CPRH, Hélio Gurgel, admite que houve um “pequeno atraso” na análise do projeto. Ele garante que o resultado está pronto, mas não pode ser divulgado. “Estamos seguindo uma recomendação do Ministério Público, para que nada tenha início até a desativação do lixão da Muribeca utilizado hoje em dia”, explica.

Sobre a “agilidade” no licenciamento ambiental do aterro privado CTR Candeias, o qual não possui tratamento de chorume e nem triagem dos resíduos, Gurgel diz que o tratamento não precisa ser ativado logo no início de funcionamento de um aterro e que, na licença ambiental, foi estipulado um prazo de 180 dias. “Pode ser prorrogado, há fatores técnicos envolvidos”, diz. Procurados pelo Diario nos escritórios de São Paulo e Rio de Janeiro, a S.A. Paulista, responsável pelo CTR Candeias, não retornou às ligações e aos recados com pedidos de entrevista. A licença para o CTR Candeias foi concedida em julhode 2007 e o aterro começou a operar – recebendo o lixo de Jaboatão dos Guararapes – em outubro do mesmo ano.

Embora reconheçam que o aterro de Muribeca esteja no fim do ciclo de vida – depois de quase 25 anos – as prefeituras continuam sem se entender. O secretário de Meio Ambiente de Jaboatão, Geraldo Miranda, antecipa que não aceita os termos do Ministério Público da forma como estão expostos. “Na verdade, não temos nem interesse neste novo aterro sanitário no município. Já utilizamos o CTR Candeias e somos o maior prejudicado, porque Recife despeja tudo aqui. Se o lixão não existisse, teríamos 100% de repasse do ICMS socioambiental, perdemos 20% por causa do aterro”, alega Miranda.

Nos bastidores, alguns engenheiros e especialistas em meio ambiente enfatizam que “tem muita gente recebendo dinheiro nessa história. Mas provar em juízo o que se sabe por baixo dos panos, contudo, é difícil”, confessa uma fonte. Enquanto do outro lado, o posicionamento de outros “especialistas” é o oposto. Inicialmente críticosao modo como o processo fora conduzido nos últimos anos, ao assumirem cargos públicos ou vinculados à política local, se recusaram a ratificar os posicionamentos originais ouvidos pela reportagem do Diario em meses anteriores.