Janela abre discussão sobre retrocesso e corporativismo

INFIDELIDADE PARTIDÁRIA // Medida só comprova preocupação com benefício individual

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco

30.novembro.2008

Corporativismo da infidelidade. Nos bastidores, é assim que se entende a proposta dos parlamentares brasileiros de abrir uma “janela eleitoral” para permitir o tradicional troca-troca de partidos, atualmente proibido pelas regras de fidelidade partidária fixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O governo faz o possível para votar a matéria o quanto antes, tratando-a como uma mini-reforma política.

Também conhecida como janela da infidelidade, a negociação parlamentar pode permitir a mudança de partido a até um mês antes das convenções partidárias. Pelas atuais regras do TSE, perdem o mandato todo parlamentar que mudar de partido, sem justificativa, em caráter retroativo a 27 de março de 2007 em diante. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais além e estendeu a proibição aos demais cargos majoritários, como governadores e presidente da República.

Caso a janela da infidelidade seja aprovada pela Câmara e pelo Senado, teoricamente quem ocupacargo eletivo não será punido pela Justiça Eleitoral. Além de retornar ao tradicional troca-troca partidário, a janela pode mudar os rumos do cenário eleitoral para 2010. Inclusive, com eventuais fusões de partidos nanicos aos grandes núcleos partidários. A incógnita é saber quem serão os principais beneficiados: os políticos individualmente ou os grupos partidários.

Para o cientista político (da UFPE) Adailton Leite, o benefício mais claro é individual e não resolve em nada as profundas falhas do sistema político brasileiro. “É curioso falarem disso agora, mas a reforma política se arrasta há anos e os parlamentares não movem uma palha para aprová-la. Hoje o TSE conseguiu normalizar um pouco a questão; a janela eleitoral irá apenas voltar tudo ao que era antes, ao status quo de antigamente”, acredita Leite. “Todos reconhecem a necessidade se reformar o sistema, mas na prática nada acontece”, lamenta.

Desde a redemocratização do Brasil (na década de 80), a prática de trocar de partido é corriqueira e sempregerou protestos públicos. Desde então, várias iniciativas e minutas de reforma política foram feitas na década seguinte, mas até hoje nunca saíram do papel. O cientista político (da Unicap) Thales Castro garante não se surpreender com mais nada na política e adianta que “toda a bancada da oposição critica fortemente a janela, porque hoje iria beneficiar mais o PT para o quadro eleitoral de 2010. Ao mesmo tempo, trata-se de uma afronta direta ao Poder Judiciário e a comprovação de que no Brasil a política não tem coesão e nenhuma coerência ideológica”, dispara.

Sobre o benefício ao PT, Castro aponta o alto número de partidos considerados “de aluguel” e sem a menor diretriz ideológica ou política. “Poderá haver uma fusão em direção a apenas quatro ou cinco grandes núcleos partidários”, beneficiando quem está no poder. Em Pernambuco, dois deputados federais continuam a ser julgados por infidelidade partidária: Carlos Eduardo Cadoca, ex-PMDB e hoje PSC; e Paulo Rubem Santiago, ex-PT e hoje PDT.

Em artigo recentesobre a janela eleitoral, o analista e professor de Filosofia da Unicamp, Marcos Nobre, ironiza a suposta ingenuidade de políticos que “se elegem por um partido que perde a eleição majoritária e subitamente descobrem que têm afinidades profundas com algum partido da coligação que venceu”. E questiona: “desde a última eleição, quantos deputados e senadores foram expulsos por desrespeitarem diretrizes partidárias?”, pergunta.

O respaldo constitucional é outro problema a ser enfrentado, segundo Thales Castro. “A fidelidade partidária já foi julgada, agora o Legislativo quer mudar as regras, resta saber como será a posição e a resposta do Judiciário”, indaga. Adailton Leite, por outro lado, reforça um dado bastante comum em matéria de fidelidade partidária, antes das regras fixadas pelo TSE: a debandada geral dos deputados após cada eleição.

A fidelidade partidária em vigor foi imposta pelo TSE em outubro de 2007. Seis ministros seguiram o voto do relator, Carlos Ayres Britto, para perda do mandato de quem trocarde legenda após ser eleito por outro partido. Com a decisão, define-se que o mandato pertence ao partido e não ao político eleito.