Fraudes na Câmara Municipal: irregularides e notas fiscais falsas

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 12.agosto.2008

A “farra do boi” entre os vereadores recifenses é quase literal. O resumo do relatório do TCE indica que 98% das notas fiscais, oficialmente para despesas com alimentação, concentram-se em gastos com bares e restaurantes e totalizam até R$ 203 mil. Trata-se apenas de uma parcela de gastos irregulares, cujo total chega a R$ 976 mil durante o curto período de tempo – dez meses, entre 2006 e 2007 – analisado. O processo da auditoria especial é de número 0605226-5 e surgiu a partir da CI 095/2006 de 20 de outubro de 2006. Os resultados começaram a aparecer nos últimos dias.

Para os auditores, é evidente que as irregularidades e o prejuízo aos cofres públicos são bem maiores, porque a auditoria foi feita por amostragem com apenas uma pequena parcela das notas fiscais. Simplesmente, 75% dos recursos disponíveis das verbas de gabinete não possuem qualquer interesse público, muito menos foram destinados às atividades da Câmara Municipal. Grande parte, dizo relatório, foi destinada à “falsificação de documentos fiscais”.

Em um único mês (janeiro/2007) Gilberto Luna (PSB) emitiu notas referentes a 303 refeições. Dos 36 vereadores, 15 deles contabilizaram nada menos do que 2.060 refeições somente nos dois primeiros meses do ano passado. Durante maio, junho e julho de 2006, Severino Ramos (PMN) apresenta notas de churrascaria cujo somatório beira os R$ 10 mil, divididos em 150 rodízios, 325 refrigerantes e 311 águas minerais e sobremesas. Mozart Sales, líder do PT na Câmara, contabilizou 1.097 refeições de janeiro a março deste ano, divididas em apenas três notas fiscais da Churrascaria e Pizzaria Fama do Bode. Total de R$ 10,9 mil.

O TCE aponta um total de 553 notas fiscais “inidôneas”, incluindo notas clonadas, de estabelecimentos fechados ou inexistentes, com numeração repetida, grafias idênticas e várias outras irregularidades comprovadas com fotocópias e consultas aos sistemas eletrônicos da prefeitura. “É comum a utilização pela Câmara de notas fiscais falsas para simular a aquisição de bens e serviços que não foram realizados”, explicita o relatório dos auditores, consolidando a farra parlamentar. Henrique Leite (PT), líder do governo na Câmara, é disparado o vereador com os maiores gastos irregulares: R$ 102,6 mil.

De acordo com os auditores, o caso mais revelador se encontra no chamado “Grupo A”, cujos vereadores dão conta de 12 notas fiscais com total de R$ 43 mil; e nove recibos de aluguel em que locatário e locador são a mesma pessoa, o vereador Luiz Helvécio (PT). A auditoria encontra evidências de que as notas foram produzidas pelo próprio gabinete do parlamentar. O estabelecimento Comercial Lourenço possui 53 notas fiscais nas contas de 14 vereadores, todas preenchidas por nove grafias diferentes, também detectadas em outras notas fiscais.

Nas contas do vereador Daniel Coelho (PV), líder da oposição na Câmara, há várias notas de uma empresa inexistente, com refeições a preços unitários entre R$ 32 e R$ 50. Os auditores estiveram no estabelecimento, emjunho de 2006, e o encontraram fechado desde 15 de março do mesmo ano. Os gastos do parlamentar, contudo, foram contabilizados até mesmo em 2007.

Pé na estrada – O reembolso com gastos de combustível é um capítulo à parte. São R$ 404 mil em notas fiscais. Representam 150 mil litros em apenas três meses. Na ponta do lápis, significa 50 mil litros por mês para cada um dos 36 vereadores, o suficiente para rodar 500 mil quilômetros. Por gabinete, equivale a 1.425 litros por mês. Há casos de vereadores com diversos veículos cadastrados para reembolso, com destaque para Carlos Gueiros e seus 11 automóveis verificados pela auditoria.

Em nota oficial, assinada pelo presidente Josenildo Sinésio (PT), é prometido que o atual modelo de reembolso será extinto no prazo de 90 dias e serão formalizados “processos de licitação, para surprir as necessidades de todos os gabinetes, incluindo ítens como combustível, alimentação, material de expediente etc.” Os vereadores correm atrás do prejuízo.