A volta dos que não foram

Paulo Rebêlo
Revista Backstage | ed. fevereiro.2008

Após um breve hiato longe da coluna, estamos de volta. E não voltamos sozinhos. A tiracolo, também voltaram novidades do mercado de música digital as quais, há muito tidas como mortas, parecem ter ressurgido de onde nunca deveriam ter saído. Morreram e esqueceram de enterrar. Vamos nos ater à bola da vez, o tal de QTrax, um dos maiores fiascos já presenciados neste mundano mundo virtual chamado internet. Nada a ver com Antrax, mas o veneno pegou de cheio a indústria e os usuários mais ingênuos que imaginaram estar de frente a uma novidade real ou, quem sabe, um produto diferenciado que poderia oferecer música de graça sem infringir lei alguma.


Durante um bom tempo, uma empresa aventureira começou a anunciar na web – gastando uma polpuda verba nos Estados Unidos – o software chamado QTrax, pelo qual as pessoas poderiam fazer downloads gratuitos de músicas, legalizadas. Os jornais, como é de se esperar, caíram em cima da novidade como se fosse a última Coca-Cola no deserto. Destaque foi para o prestigiado Times, de Londres, que publicou até mesmo detalhes pouco conhecidos da empreitada: seriam 25 milhões de músicas das principais gravadoras, como EMI, Universal, Warner e Sony. Tudo de graça.

De graça, em termos. A contrapartida, para o usuário, era receber propagandas na tela do computador, exibidas pelo software QTrax. Em tese, a receita gerada pela propaganda funcionaria como um semi-pagamento, mesmo ninguém querendo mostrar os cálculos da viabilidade financeira. Tempos depois de tanto bafafá, o próprio Times – com reprodução mundial em vários jornais e sites de tecnologia – estampou a manchete da “volta atrás” que o site QTrax havia de dar. Após procurarem as gravadoras, nenhuma delas deu o menor sinal de ter qualquer tipo de contrato com o QTrax. As negociações existiam, de fato, em termos preliminares. Porém, inconclusivas.

ENTERRADO – O QTrax não foi um boato de internet, como tantos outros. O anúncio foi feito durante o Midem, aquela tradicional e ótima feira de música que ocorre todos os anos, em Cannes, na França. As gravadoras reconheram as negociações, só não avançaram. Os responsáveis pelo site esperavam que, até o lançamento, tudo estaria negociado e devidamente fechado. Se deram mal.

Em tradução livre da reportagem do Times londrino, um dos diretores é aspeado dizendo: “não somos idiotas. Não iríamos lançar o serviço na presença de toda a indústria musical se não estivéssemos seguros de que tudo estava acertado. Estamos sendo crucificados injustamente, pois um competidor tentou nos prejudicar”. O nome é Alan Klepfisz e, embora não tenha citado o nome do tal competidor, seu nome é bem recheado no Google. As gravadoras também foram à imprensa, mas para dizer que nem em sonho as negociações estavam em vias de conclusão.

Todo o imbróglio não tem razão de existir desde o início, por um motivo bem simples. Já iria nascer falido. O modelo proposto pelo QTrax não tem nada de novo. Ao contrário, já foi utilizado inúmeras vezes por aventureiros e até mesmo por empresas sólidas e conhecidas, como foi o caso da Bertelsmann ao adquirir o Napster e apresentar um “novo” Napster exibindo publicidade para fechar as contas. Foi um fiasco. Além do Napster repaginado, houve várias outras iniciativas menores para exibir publicidade via software, no anseio de que os usuários fossem clicar nos anúncios e, consequentemente, os anunciantes entenderiam o “poder” comercial da internet pelos banners e publicidade interativa. Um dos mais famosos se chamava NetZero. Também naufragou.

Havia outro problema grave, desta vez de natureza técnica. Ainda durante o anúncio da novidade no Midem, os próprios executivos por trás do QTrax disseram que, inicialmente, não havia compatibilidade com o iPod. Ou seja, logo de cara o aplicativo ia deixar de mãos atadas boa parcela dos mais afoitos usuários no quesito download de música. O conserto estava previsto apenas para o mês de abril deste ano. A conferir.

Enquanto escrevia esta coluna para a Backstage, o site oficial (www.qtrax.com) permanecia no ar e com as mesmas promessas de downloads “gratuitos e legais” de músicas. Contudo, o link para fazer o download do software não funcionava. Perto do fechamento da edição, porém, o link voltou a funcionar e o download foi permitido. Detalhe: o software não permite baixar músicas gratuitas, não. Nem de longe. O atual programa QTrax disponível funciona apenas como um catálogo para importar e ouvir suas músicas no PC, nada demais. Também permite fazer buscas por conteúdos relacionados a artistas e bandas, nada extraordinário e disponível num Google da vida.

Segundo a equipe do Times londrino, a equipe do QTrax gastou 500 mil dólares (R$ 885 mil) no lançamento do site, incluindo o anúncio no Midem e outras publicidades externas. A estratégia de lançamento incluiu o nome de gente conhecida (pelo menos, dos gringos) como LL Cool J. e James Blunt. Ignorante de música pop que sou, nunca ouvi falar de nenhum dos dois.