Movimento por um novo federalismo

Reforma // Defensores da proposta de maior autonomia para estados e municípios percorrem o país para formar novo partido político

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 06.jan.2008

Imagine um Brasil sem ministros, sem Fundo de Participação dos Municípios (FPM), sem dezenas de impostos, sem deputados com altos salários e verbas de gabinete, sem programas de assistencialismo. Um país onde cidades e estados caminhem com as próprias pernas, independentes dos repasses da União para sanar as contas públicas e atrair investimentos. São apenas partes de uma carta de princípios pela qual se fundamenta o Movimento Brasil Confederação (MBC), que planeja instaurar um real sistema federalista no país.

Se depender do idealizador e principal porta-voz do futuro Partido Federalista (PF), o empresário e escritor Thomas Korontai, o caminho está mais perto do que longe. Em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na expectativa de colher as 468 mil assinaturas necessárias para formalização, o novo partido político começa a expandir seus tentáculos em todo o Brasil, principalmente no Nordeste, onde Korontai realiza uma série de visitas e palestras desde novembro de 2007.


Por onde passa, ele esclarece a proposta federalista, adotada em diversos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha e Suíça. O alicerce do Federalismo no mundo é a maior independência dos estados e municípios em relação ao governo central, seja no controle de taxas e impostos, como no gerenciamento de recursos e até mesmo na legislação.

Thomas Korontai e seus seguidores garantem que o Partido Federalista (PF) é criado por ideais, não por interesses políticos-pessoais. Eles acreditam que o potencial de desenvolvimento econômico e social só irá deslanchar no Brasil quando, de fato, o atual sistema político “corrupto, burocrático” seja deixado para trás e haja um realinhamento do modelo político-administrativo. O modelo de federação, mais popular nos Estados Unidos e em países da Europa, privilegia o auto-gerenciamento dos estados. Korontai realça que, apesar de sermos oficialmente “unidades federativas”, na prática o Brasil não tem nada de federalismo. Os repasses de verbas e impostos são bons exemplos: “65% de tudo que é arrecadado fica em Brasília, restando em torno de 10% aos municípios e 25% aos estados”, explica. “É hora de os estados tomarem para si as rédeas do próprio desenvolvimento e ter poder de legislar de forma independente em matéria judiciária, tributária e administrativa. Acreditamos que as leis funcionariam melhor se fossem feitas em nossos municípios e estados, atendendo às realidades dos diferentes ‘brasis’ que existem”, supõe.

Os federalistas não acreditam que, em um território do tamanho do Brasil, seja possível um único governo centralizador ditar as regras para todas as regiões, com seus diferentes valores culturais e econômicos.

Alterações — No sistema federalista, o modelo atual sofreria mudanças drásticas. No Senado, haveria apenas um senador por estado, contra os atuais três. Tanto senadores quanto deputados não receberiam salários, apenas compensações para estadias e jetons de presença.

O presidente da Câmara, aliás, não seria definido pelo voto e com forte indicação política, mas seria uma presidência rotativa com o deputado mais votado, todo mês, a partir de sorteio entre os estados. Desta forma, acabariam os chavões “baixo clero” e “alto clero”. A extinção dos ministérios daria lugar a secretarias normativas e isso seria possível, de acordo com os federalistas, pelo fim da concentração tributária no governo federal.

Viabilidade econômica ainda é incerta

Não obstante o leque de mudanças políticas propostas pelos federalistas, eles também acreditam que o principal norte para o desenvolvimento de estados e municípios reside na boa gestão dos recursos econômicos. Inclusive, defendem o fim de todos os impostos cobrados hoje da cadeia produtiva. Seria um método para aumentar o consumo da população, a produção da indústria e gerar mais empregos. O governo federal decerto arrecadaria menos, porém, como as gestões locais não iriam mais depender tanto dos repasses federais, a conta iria fechar no azul. A maior questão em aberto recai sobre os municípios sem recursos próprios, que hoje dependem quase que exclusivamente das verbas enviadas pela União. “Com independência e o povo referendando suas próprias leis, toda cidade conseguiria sanar as contas; quando não, um grupo de municípios poderia fazer um pool (como os “condados” americanos) e compartilhar recursos e serviços”, defende Thomas Korontai, presidente do Partido Federalista.

Para o economista Roberto Luis Troster, a concepção federalista deveria ser estudada para uma transição justa porque o Brasil, apesar de república federativa, é extremamente centralizador. “É preciso achar um ponto médio, entre governo central e local, por que centralizar tanto na União?”, questiona Troster, que foi economista-chefe da Federação Nacional dos Bancos (Febraban) entre 2001 e 2006. Para Marcelo Miterhof, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no processo de consolidação política do país houve, sem dúvida, uma concentração exagerada de arrecadação para a União. Contudo, não significa que seja ruim por completo. “A centralização tributária é uma forma de ter mais graus de liberdade para praticar políticas compensatórias e desenvolvimentistas. O mais importante ao se falar de federalismo é promover o desenvolvimento econômico e industrial das regiões fora do Centro-Sul, especialmente o Nordeste”, complementa.

Longo caminho para a consolidação

Todos os políticos locais ouvidos pelo Diario foram unânimes em rechaçar a eventual implementação de um sistema federalista. Entre eles, o vereador Luiz Helvécio (PT) fez uso de argumentos históricos contra o federalismo, evitando comparações entre o Brasil e os Estados Unidos. “Nós já temos autonomia suficiente entre municípios e estados, o entrave maior é apenas a reforma tributária, que realmente precisa ser feita e até hoje tem sido adiada. De resto, a participação entre estado, município e governo central já está muito bem definida”, acredita, considerando “um equívoco” rever a distribuição de responsabilidades. A deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB) explica que a questão federalista sequer é discutida, nem de longe, entre os parlamentares. “Seria prejudicial nas regiões mais pobres. Talvez se houvesse um sistema híbrido, algumas iniciativas isoladas em áreas específicas como a segurança pública”, pondera.

Angelo Breckenfeld, diretor-executivo do PF no estado, não se surpreende com a resistência dospolíticos. “Com o modelo de hoje, há excessos de benefícios e carência de fiscalização, além de cargos e verbas de gabinete além da conta. Quem está no poder, não quer mudar”, acredita. Para Breckenfeld, esse é um dos motivos que levam tantas pessoas fora da política a aderir ao federalismo. Em outros estados do Nordeste, a adesão tem crescido além das expectativas, segundo os integrantes da comissão pernambucana. Em coro com o presidente do novo partido, eles lutam por um “pacto federativo” para o Brasil, curto e inteligente, que apenas determine os princípios gerais que unam os estados a um governo central mais justo.

Modelo tem aceitação, mas exemplo dos EUA é contestado

Por onde passa, o presidente do Partido Federalista, Thomas Korontai, atrai mais gente fora dos círculos políticos. “Quando apresentamos nossa proposta, as pessoas que não concordam com a atual condição do Brasil rapidamente entendem que, para termos o futuro que merecemos, é preciso mudar o atual modelo”, discursa. Na tributação, Korontai fala em criar apenas um único imposto sobre o consumo, com alíquota baixa (mas ainda não definida pelo partido) e repartição automática entre a União, os estados e municípios. Cada comunidade ou município teria que encontrar sua própria solução, tal como ocorre, hoje, com mais de 50 mil municípios nos Estados Unidos, 14 mil na Alemanha, três mil na Suíça, entre outros.

Apesar de dizer que não possui uma opinião 100% formada sobre o assunto, o economista Marcelo Miterhof, do BNDES, discorda de se usar o exemplo americano como referência para defender o federalismo, como se fosse quase um princípio fundamental da democracia. “Não é bem assim, não vejo problema em um país seorganizar por uma federação, mas tampouco com o estado unitário. O importante é promover políticas efetivas de redução das desigualdade regional”, classifica. Opinião similar ao do cientista político Adailton Amaral, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que defende o atual modelo como único meio de dar condições de competitividade aos municípios menores e de baixa renda. “A atual divisão de poder favorece os estados mais pobres, o Brasil foi construído diferente dos Estados Unidos e de outros países europeus”, opina.