Turista acidental, repórter ranzinza, operário padrão

Paulo Rebêlo // novembro.2007

Pessoas que precisam viajar bastante (por causa do trabalho) sempre passam por uma infinidade de histórias ridículas que preferem esquecer. Há anos pegando avião, carro, ônibus, carroça, bicicleta e carro-de-boi para conseguir fazer uma maldita entrevista que no outro dia só serve para embrulhar peixe no mercado, a gente termina aprendendo que, por mais que você tente, algumas pessoas nascem predestinadas a atrair situações ridículas.


Certa vez, uma amiga-da-onça garantiu que as confusões acontecem para que depois a gente possa compartilhar a experiência (leia-se: escrever) e, de tal modo, ajudar os outros a não repetir o que você fez. Ou seja, a gente se ferra para o bem da humanidade.

Viagem de trabalho não tem nada de romântico. Quando você é novo – na idade ou na profissão – é tudo uma maravilha. Parece uma aventura, comida grátis, mulheres bonitas e solteiras, hotéis luxuosos, restaurantes chiques etc. Tudo falácia, uma fabricação de Hollywood.

A única aventura é você se perder enquanto procura o lugar que lhe passaram o endereço, em uma cidade desconhecida e nem um pouco hospitaleira, tornando-se alvo fácil para assaltantes. Outra aventura é entrar num táxi que roda a cidade inteira e, quando você reclama com o motorista, ele levanta a camisa “sem querer” e você percebe um três-oitâo na cintura do indivíduo.

Em eventos grandes ou badalados, a comida é grátis; e a dor de barriga, também. As mulheres bonitas nunca são solteiras. E as solteiras nunca querem saber de você – talvez porque elas não queiram continuar solteiras.

Os hotéis são luxuosos, mas basta você perder dez minutos do horário de saída que vão te cobrar uma diária inteira – ou dez reais em uma água mineral. Os restaurantes chiques vão lhe servir um prato minúsculo, que parece ração de passarinho. E o garçom nunca consegue arrumar feijão para você misturar com o macarrão, principalmente na hora do jantar. E tem as pessoas. Ah, as pessoas.

Quando você viaja pelo interior do Brasil, você realmente aprende bastante com as histórias de vida que lhe contam, com os causos repassados por gerações inteiras. Em compensação, depois você vai passar uma semana inteira sem conseguir dormir, pensando no sofrimento daquele povo e como seria tão simples melhorar apenas um pouco a vida de cidades inteiras, apenas um pouco já seria tanto para eles.

Quando você viaja para metrópoles, nacionais e internacionais, você tem que aguentar aquele povo engravatado, um bando de filhinho-de-papai com um terno Armani falsificado, uns executivos se achando a bala que matou Kennedy, falando em jargões que só eles entendem, soltando piadinhas sem a menor graça, e você tendo que rir modestamente e fingir que está escrevendo no caderninho.

E o pior é que são justamente esses caras que, no final da noite, vão voltar para o quarto do hotel acompanhados daquelas mulheres bonitas e solteiras. E antes de o cara ir embora, ainda lhe entrega um cartão de visita, onde você repara que o nome do cargo dele é impronunciável, sempre em inglês e nunca tem menos de quatro palavras.

Com 24h fora de casa, a única coisa que você consegue pensar é em voltar ao conforto do seu lar, da sua rede, da sua geladeira vazia (mas com gelo para o uísque), do seu bar ali na esquina onde você tem conta e, eventualmente, das suas amantes míopes.

E quando você volta, enfrenta três horas de engarrafamento num táxi, o vôo atrasa, sua mala é sempre a última a chegar na esteira do desembarque, você pega outro táxi para voltar para casa, chega lá e o porteiro está dormindo como sempre. Você ainda fica uns 10 minutos no meio da rua, praticamente com uma placa luminosa em neón dizendo “me assaltem, estou aqui” esperando o cidadão acordar do sono dos justos.

No outro dia, você vai trabalhar e escuta pela milionésima-trigésima-quinta vez aquele “como foi a viagem?” que duzentas e vinte e cinco pessoas diferentes vão lhe perguntar durante todo o dia. Aí você lembra do filme “Um Dia de Fúria” com o Michael Douglas, fecha os olhos e implora aos céus por uma sub-metralhadora Uzi carregada até o talo, igualzinha aquela do filme.

DICA DO DIA – Quem viaja a trabalho, deveria seguir a filosofia do turista acidental. Ou seja, é aquela pessoa que tem como finalidade apenas ir, fazer o que tem para fazer e voltar, sem aventuras, sem invenções, sem idéias mirabolantes de conhecer novidade.

Tem um filme de 1988 bem interessante (The Accidental Tourist) com o William Hurt, a Geena Davis e a Katheleen Turner, cujo protagonista explica exatamente isso. E até dá dicas do que você precisa colocar na sua mala, de acordo com a quantidade de dias que precisará passar em uma cidade desconhecida.

Felizes são aqueles que conseguem viajar a trabalho e não se meter em apuros. Nas próximas semanas, mais dicas para os candidatos a turistas acidentais. Enquanto isso, quem quiser estudar o assunto, pode procurar pelo livro que deu origem ao filme: The Accidental Tourist, 1985, Anne Tyler.