Todos contra novo presídio em Canhotinho

SISTEMA PRISIONAL // Prefeituras do Agreste Meridional protestam contra a instalação de nova unidade para abrigar detentos

Paulo Rebêlo (email)
Diario de Pernambuco – 09.dez.2007

Canhotinho — O governo estadual nega. A prefeitura não aceita, o povo protesta, as cidades vizinhas reclamam e os bandidos agradecem. Eis a situação enfrentada por este município do Agreste pernambucano, a 193 km do Recife, ao saber que o governo do estado pode instalar um novo presídio na cidade. A instalação seria adicional ao Centro de Ressocialização do Agreste (CRA), de regime semi-aberto e com problemas sérios de infra-estrutura e superlotação. O prefeito Álvaro Porto (DEM) reclama que o governo não abre o jogo. “Não aceitamos em nenhuma condição o presídio”, resume. Demonstrando força política e apoio de boa parte da população e de prefeituras vizinhas, Álvaro Porto conseguiu reunir pelo menos duas mil pessoas, na tarde de quinta-feira, para uma passeata com direito a carro de som e pneus queimados no acostamento da PE-177. O protesto foi pacífico e contou com a presença de prefeitos de municípios próximos, como Angelim, São João, Capoeiras, Lajedo e Jurema.


Construído no início da década de 70 e ampliado nos anos 80 para comportar 258 presos, hoje o CRA abriga quase 700 detentos. Não há muros e, ao redor do presídio, já se formou uma longa vila urbana – a maior parte formada por familiares dos presos. O regime é semi-aberto, ou seja, os presos ficam livres durante o dia e precisam voltar à noite. De acordo com o prefeito, o descaso do governo com o CRA tem acabado com a paz de Canhotinho, que hoje enfrenta problemas com drogas e violência urbana. A prostituição, inclusive a infantil, também aumenta com a circulação de traficantes e presos de alta periculosidade pelas ruas, que teoricamente não deveriam estar no regime semi-aberto.

A situação de “liberdade” parece bem confortável. Não à toa, o CRA carrega entre a população o apelido de “Hotel Nascimento”, por conta da facilidade de fuga e por estar situado na Fazenda Nascimento. Pedindo anonimato, fontes ligadas ao sistema penitenciário revelam que a segurança do CRA é formada por apenas seis ou sete agentes por dia, além de três policiais militares. Há menos de um ano, foi feito um levantamento que contabilizou até 60 fugas por mês. “Quanto mais gente foge, mais o governo manda gente para cá por causa da progressão de regime”, esclarecem as fontes.

Procurado pelo Diario, o governo estadual admite, por meio da Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), que estuda “vários municípios” para a instalação de novos presídios, sem revelar quais. O secretário Humberto Viana espera que o resultado saia em até dois meses, releva o teor político das escolhas e garante que tudo depende de “estudos e critérios técnicos”. Para ele, a situação em Canhotinho “não é diferente de outras unidades, há super população e problemas de fugas, mas o governo está analisando o que fazer”. Viana desmente ser oficial a informação sobre o novo presídio na cidade, mas em Canhotinho a questão é dada como certa. Máquinas de terraplanagem do governo foram vistas pela população e uma casa próxima do CRA, supostamente alugada por técnicos da Seres, foi apontada pela população.

Com o silêncio do governo estadual, na cabeça das pessoas em Canhotinho apenas se acentua a expectativa. O cientista político José Maria Nóbrega, da UFPE, garante que na conjuntura atual, não há muita saída. “O sistema carcerário faliu, continuam construindo presídios com a mesma cultura e atuação do regime militar, sem respeito a direitos humanos e civis, passando por cima de parâmetros internacionais. Enquanto continuar assim, a tendência é implodir ainda mais a população carcerária”, resume.

Reprovação da proposta é muito alta

Muito além de eventuais disputas políticas, o imbróglio em Canhotinho esconde uma equação difícil de ser resolvida por qualquer governo. Ao instalar um novo presídio, em qualquer cidade cresce não apenas o medo da violência, como, também, aumenta-se o índice de favelização nas cidades. Com a detenção, é comum a transferência de famílias inteiras. Longe dos centros urbanos, a falta de perspectiva para emprego é ainda maior. Com as fugas ou com o próprio regime semi-aberto, também é comum a prática de delitos em municípios próximos. E sem efetivo policial ou um maior quadro de agentes penitenciários, a tarefa parece impossível.

Mesmo admitindo a realidade do processo de favelização, o juiz da 2ª vara de execuções penais, Cícero Bittencourt de Magalhães, condena os protestos da população. “A demanda existe e é conhecida, é preciso construir em algum lugar”, define. Para ele, o caos é generalizado e o governo já está atrasado na construção de novos centros. Ele cita Caruaru, onde dos 800 presos atuais, quase 700são considerados “temporários” porque não há vagas em outros locais. Para conter a favelização e o aumento da violência urbana, Bittencourt credita a solução ao aumento do efetivo policial. O prefeito Álvaro Porto revela que Canhotinho se tornou porta de entrada para o tráfico de drogas. “O número de consumidores só faz crescer, os barracos também, não pára de chegar novos detentos por aqui”, reclama. “Não é só maconha, hoje quem quiser encontra crack e até cocaína. Não tem incentivo econômico ou proposta que nos faça aceitar o que o governo quer fazer”, sentencia.

Proteção preventiva

Uma emenda da deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB), já aprovada pela Assembléia Legislativa (Alepe), garante aos municípios que abrigam penitenciárias um percentual maior de ICMS. A medida beneficiará Petrolina, Itamaracá, Igarassu, Abreu e Lima, Recife, Caruaru e Limoeiro, mas só a partir de 2010. Canhotinho, Salgueiro, Palmares, entre outros, ficam de fora. “Usamos como critério o número de 300 vagas, segundo parâmetros oficiais do Conselho Nacional de Justiça”, explica.

O CRA de Canhotinho, com 700 detentos, oficialmente tem capacidade para apenas 258. O presidente da Alepe, Guilherme Uchôa, promulgou em setembro a lei nº 13.313, de autoria da mesma deputada, para proibir a construção de novos presídios em áreas urbanas e, no caso de cidades com interesse turísticos, nem mesmo em áreas rurais. Terezinha reclama, contudo, que ainda não houve a regulamentação da lei pelo governo. Exemplo citado pela deputada e pelo juiz Cícero Bittencourt trata do presídio feminino desativado em Garanhuns. “Foi uma promessa de campanha do governador Eduardo Campos. Se o governo escolher uma cidade para instalar presídios, a única solução será o trabalho político, botar o povo para protestar”, admite a deputada, reforçando a tese de que os prefeitos vão precisar se mobilizar junto ao governo.