Em Aliança, Dona Nanete faz e desfaz

INTERIOR // Sem prefeito desde abril e à espera da eleição do novo titular, município vive ainda sob o poder dos Freitas, que foram cassados

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 11.nov.2007

O futuro político de Aliança, a 81 km do Recife, na Zona da Mata Norte, reside na decisão da Corte Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), prevista para ser votada nesta segunda-feira (12) à tarde. Reunindo os 15 desembargadores mais antigos, a Corte Especial irá julgar o pedido de intervenção no município, envolto em uma instabilidade política desde abril. Foi quando a Justiça Eleitoral cassou o mandato do prefeito Carlos José de Almeida Freitas, do vice-prefeito Pedro Francisco de Andrade Cavalcanti e da presidente da Câmara Municipal, Ana Maria de Almeida Freitas, todos do PSDB. Por trás do imbróglio político há uma série de denúncias sobre fraudes no INSS, compra de votos e até mesmo tráfico internacional de crianças. A lei do silêncio, contudo, impera entre os moradores. Muitos já sofreram ameaças. A reportagem do Diario esteve em Aliança e chegou a sofrer tentativa de agressão ao entrevistar a vereadora cassada Ana Freitas, que responde a diversos processos judiciais de 1º, 2º e 3º graus. O incidente foi registrado, com testemunhas, em boletim de ocorrência (BO) na delegacia local.


Em setembro de 2003, Ana Freitas foi presa pela Polícia Federal acusada de intermediar tráfico de crianças para o exterior. A investigação da PF apontava a participação de outras três pessoas no esquema. Dias depois foi liberada para responder em liberdade e continuou ativa na política local. São nove mandatos como vereadora e, este ano, ela completa 40 anos de legislaturas. O alvará de soltura, concedido por habeas corpus, foi expedido pelo desembargador federal Rogério Fialho Moreira. Mas as denúncias continuaram. Na esfera federal correu o processo 95.0006964-4, no qual são citados os nomes de outros envolvidos. Vilmar Ferreira da Silva, Cézar Venâncio Pinto, Maria Elvira Borba Bezerra, Jacira M. Genu Freitas de Freitas (sic) e Roberta Sobreira de Souza e Silva constam no processo autuado pelo Ministério Público Federal em 28 de abril de 1995 e remetido em outubro de 2003 ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 5º Região, no Recife. Aberto um mês depois da remessa, o novo processo, de nº 2003.05.00.031931-7, agora no TRF, cujo relator é o Desembargador Federal José Maria de Oliveira Lucena, encontra-se em fase de retificação de autuação e foi atualizado em outubro deste ano. O técnico judiciário João Gomes, natural de Aliança e que na época estava lotado no Recife, acompanhou o caso e acredita ser uma questão de tempo até a Justiça expedir um novo mandado de prisão contra a ex-vereadora.

Segundo as denúncias, Ana Freitas convencia gestantes pobres a entregar o filho para adoção, supostamente por parentes da própria vereadora. Quando concordavam, os bebês eram registrados com outros nomes em cartório e, depois, adotados por estrangeiros. A denúncia original partiu de uma mãe que, após ter aceito a proposta, arrependeu-se. Nos arquivos da época pesquisados pelo Diario, pelo menos um estrangeiro confirmou em depoimento à Polícia Federal que pagaria 7.500 dólares por uma criança.

Sem mandatos, mas o poder permanece nas mãos da família

Não obstante a cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, em Aliança ninguém se surpreende que a falta de mandato não seja empecilho para que o ex-prefeito Carlos Freitas e sua irmã, ex-vereadora Ana Freitas, na prática ainda mandem e desmandem na cidade junto à coligação de apoio. Próximo à Câmara Municipal, uma comerciante que prefere não ser identificada, resumiu: “A Câmara só abre com a permissão dela (Ana Freitas), ela manda, desmanda, tem a chave da casa e quem mexer com ela que se cuide”. Minutos depois, várias pessoas se aproximam para confirmar a situação e contar suas histórias.

O atual presidente da Câmara, Severino Silva Filho (PSDB), não vê nada de suspeito na presença diária da ex-vereadora e do ex-prefeito nas dependências da prefeitura. “Eles são cidadãos como qualquer outro, a Constituição garante o direito de ir e vir, isto aqui é uma casa pública e qualquer um tem acesso, podem rever os amigos, vir conversar, não há nada de ilegal”, diz.

Mesmo cassados, curiosamente ela e o ex-prefeito são”assessores legislativos” da Câmara, um cargo comissionado. O vereador Hilton Lira (PSB), um dos dois vereadores que se declaram como oposição (contra sete vereadores da situação), explica que o suporte aos Freitas ainda é grande em Aliança. Talvez até mesmo por desconhecimento da população. De acordo com a empresária Ana Flávia Barros, postulante da oposição que nas eleições de 2004 para prefeito ficou em 2º lugar pelo PDT, “quando o jornal sai com alguma matéria política sobre a cidade, os funcionários da prefeitura compram todos os exemplares logo cedo, não sobra nada. Quem quiser ler, precisa ir ou mandar trazer de Carpina, Timbaúba, outra cidade”, denuncia Flávia Barros.

Coação e fraudes no INSS

Em todas as acusações, Ana Maria Almeida de Freitas declarou-se inocente. Ao Diario, disse que “é o povo de Aliança que a elege como vereadora, que a vida toda fez assistencialismo para ajudar as pessoas, se dedicando ao trabalho social há 40 anos”. Uma pesquisa na base pública de dados do TJPE revela nada menos do que 16 processos de 1º grau e sete processos de 2º grau.

Um desses processos acusa de extorsão Ana Freitas, Vilmar Ferreira da Silva e Durval Guedes Bezerra da Silva. O nome de Helena Maria de Souza consta como vítima no processo 402.2000.000073-0, hoje em julgamento pela juíza da Comarca de Aliança, Maria das Graças Serafim Costa. Ao ser questionada sobre os processos e as denúncias, Ana Freitas teve um surto e partiu para cima da equipe de reportagem aos gritos.

O Diario conseguiu localizar Helena Maria de Souza, hoje com 60 anos. Ela explica que no “primeiro ano do Plano Real” (1993) foi coagida por “Dona Nanete” (como Ana Freitas é conhecida em Aliança) a seguir com outras três pessoas até umaagência bancária para retirar o dinheiro da pensão (do marido que faleceu) e, em seguida, ir até a Câmara Municipal com os documentos e “preencher um formulário”. Da quantia de R$ 941, ela voltou para casa com apenas R$ 500. “O resto ficou com eles e não fui a única a ser vítima”, declara.

Com a ajuda do amigo José Severino Ramos da Silva, 52 anos, Helena foi à delegacia prestar queixa. Até hoje, quase 15 anos depois, não houve resolução do caso. José Severino e Helena Souza mostram (acima) o mandado de intimação para comparecimento em audiência, emitido mês passado. “Não adianta, a Justiça sempre adia, tem gente que nem mora mais em Aliança há vários anos”, lamenta Severino.

Casa popular para a sobrinha

O ex-prefeito Carlos Freitas nega as acusações de compra de votos. Em uma manobra política, ele, o vice-prefeito e a ex-vereadora Ana Freitas renunciaram ao cargo para que pudessem se manter elegíveis no pleito do próximo ano. No entendimento do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), a renúncia é inválida porque ocorreu após a cassação pelo Superior Eleitoral. Questionado, Carlos Freitas nega as acusações de compra de votos, diz que não existe. A exemplo do líder interino da Câmara, Severino Silva Filho, e de Ana Freitas, eles garantem que tudo não passa de “perseguição política”, de “armação da oposição, que não aceita ter perdido as eleições”.

Denúncias de moradores dão conta de irregularidades na distribuição das casas construídas com recursos da Caixa Econômica Federal, pelo Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH. Ouvidos pelo Diario, dizem que as irregularidades continuam até hoje. Maria Januário Gomes, 46, e Maria Bonesbacho da Conceição, 25, denunciam que as casas construídas em Upatininga (distrito de Aliança) são entregues para amigos da prefeitura. “Tá cheio de gente sem lugar para morar porque não votam com eles”, acusam.

Dos documentos que o Diario teve acesso, um caso é inusitado. Nair Borba de Barros Freitas, sobrinha do ex-prefeito Carlos Freitas e da ex-vereadora Ana Freitas, tem o nome no formulário da Caixa Econômica e na Declaração do Proponente para aderir ao programa habitacional das casas, datada de 20 de maio de 2004. Na declaração, ela diz ter renda bruta mensal de R$ 150. O Diario teve acesso a cópias autenticadas do RG e CPF de Nair, que hoje mora e estuda nos Estados Unidos, além dos documentos citados. Mais curioso ainda: Nair Freitas é prima de 2º grau de Ana Flávia Barros (PDT), que garante não ser de Nair a letra do formulário. Em Aliança, às vezes nada é o que parece.