Sinuca de bico e mordida na maçã

Paulo Rebêlo
Revista Backstage, ed. março 2007

Na coluna anterior, falamos sobre o DRM – Digital Rights Management – contido na maioria das músicas digitais vendidas legalmente pela internet. O DRM nada mais é do que um conjunto de tecnologias que, de forma bem flexível para as lojas e nada flexível para o consumidor, garante que o arquivo “funcione” apenas do jeito pré-determinado por quem vende, sem opções para quem compra. É o DRM que o impede de copiar o arquivo do seu tocador-portátil para o computador, que impede de escutar a música por mais de um minuto caso não tenha comprado uma licença, que bloqueia múltiplas transferências entre dispositivos portáteis e assim por diante.

O movimento contra o DRM é cada vez maior na internet e, durante 2006, cresceu de forma exponencial graças à crescente adesão de usuários insatisfeitos e, de vez em quando, algum posicionamento oficial contra o DRM por parte de executivos de portais na internet. No entanto, vimos no mês passado que o maior incentivo ao DRM vem da Apple, por conta do sucesso mundial do iPod, este pequeno objeto do desejo de [quase] todo mundo que gosta de ouvir música. O iPod não apenas é uma febre, mas também é uma grife que, para muitos, denota estilo. E o software mais próximo do iPod para gerenciar músicas é, justamente, o iTunes da Apple, também famoso por sua facilidade de uso e recursos. O iTunes é tão bom que, acredite, você vai conseguir organizar suas músicas – principalmente arquivos de podcast – de um jeito mais eficiente por ele, mesmo que não tenha iPod ou qualquer outro tocador portátil. O iTunes é gratuito na internet e pode funcionar apenas como gerenciador de arquivos e downloads dos seus podcasts.

Mês passado, após um tempo na geladeira, a polêmica do DRM voltou a aquecer os panos da indústria, graças a… Apple! O ultra-badalado Steve Jobs, diretor-presidente da Apple e figura idolatrada por tanta gente no setor de tecnologia, resolveu escrever uma carta aberta contra o DRM e publicar no site da empresa. A tal da carta circulou o mundo, foi traduzida em diversos idiomas pelos blogueiros de plantão e, de repente, a Apple conseguiu se tornar a “líder” entre os gigantes na epopéia contra o DRM.

Foi uma jogada desonesta e de mestre ao mesmo tempo. Como vimos aqui na coluna anterior, dificilmente o DRM teria ganho a força que ganhou se não fosse a Apple. A empresa da maçã foi – e ainda continua sendo, aliás – a maior divulgadora e incentivadora do DRM. Todas as músicas compradas na loja online da Apple são “protegidas” (é assim que eles chamam) pelo DRM, com inúmeras restrições, inclusive de não poder reproduzir os arquivos em outros dispositivos portáteis que não o iPod. A Apple continua sendo o principal suporte do DRM porque, apesar da carta do todo-poderoso dono da quitanda, a loja continua vendendo suas músicas com DRM, ao menos até o fechamento desta edição, por causa do vínculo com as gravadoras que são, de fato, as donas do catálogo.

TIME IS MONEY, DRM TAMBÉM –
O DRM surgiu para atender necessidades específicas, as quais comentamos na coluna anterior. No entanto, como é de praxe, o sapo virou Shrek e tomou conta de bem mais do que deveria. Aos poucos, o DRM deixou de ser uma medida funcional contra pirataria para se tornar, de um jeito bem eficaz (para o azar de quem compra música legalmente) de aumentar o lobby da indústria fonográfica e o lucro de lojas online, sem o menor sentido prático. Afinal, não tem o menor sentido você comprar online um CD cheio de travas, apesar da comodidade. Pois o incômodo será maior quando colocar o CD – ou as faixas musicais, no caso download – para tocar no computador ou querer transferir para outro dispositivo. Neste caso, você poderia muito bem ir até a loja de CDs da esquina, comprar o álbum pelo mesmo preço e fazer quantas cópias quiser para uso pessoal, backup ou para escutar no seu MP3 Player comprado no Paraguai (com nota fiscal!).

O DRM não deu certo (leia-se: lucro fácil e sem retorno para o consumidor) como esperado, colocando as lojas online em uma sinuca de bico. De um lado, eles precisam atender às exigências da indústria fonográfica, que não libera o catálogo se as músicas não estiverem protegidas. De outro, precisam lidar com a crescente insatisfação dos consumidores que, afinal, são quem compram e mantêm abertas as lojas.

A carta aberta de Steve Jobs, inclusive, deixa bem claro que a Apple estaria disposta a se livrar do DRM “se as gravadoras permitissem”. É um jeito muito fácil de ficar em cima de muro, mas funcionou para causar polêmica. Diz a carta que “como a Apple não possui ou controla qualquer tipo de música, ela precisa licenciar as canções das gravadoras, especialmente de Universal, Sony BMG, Warner e EMI, as quatro grandes que possuem 70% do mercado. Mas elas foram extremamente cautelosas e solicitaram que a Apple protegesse suas músicas de alguma forma. A solução foi criar o DRM…”, diz o diretor da maçã.

O próprio Jobs, inclusive, deixa bem claro, nas entrelinhas, que não adianta vender músicas com DRM se não dá lucro. Em um ponto, ele reconhece que os iPods espalhados pelo mundo estão sempre cheios de músicas, mas que cálculos da empresa revelam que apenas 3% das músicas são compradas diretamente pela loja da Apple com DRM. Jobs também endossa o que vários especialistas no tema falam, há anos e anos, mas a indústria fonográfica quer nos fazer acreditar o contrário: que a proteção contra cópias nunca funcionou e talvez nunca funcione, para combater a pirataria. Jobs ainda afirma que 90% do faturamento das gravadoras vem da venda de CDs, que não possuem qualquer tipo de DRM, e podem ser transferidos para o computador sem quaisquer problemas.
Até o fechamento desta edição, nenhuma das gravadoras citadas por Steve Jobs se pronunciou oficialmente. O que não chega a ser uma surpresa.