A reinvenção de uma não-invenção

Paulo Rebêlo
Revista Backstage – outubro/2006

Ainda não será este ano que veremos uma reviravolta na forma como as gravadoras lidam com seus acervos na internet mas, certamente, muito alvoroço há de surgir a partir de 2007. Durante os últimos meses, as principais gravadoras e portais na internet, inclusive brasileiros, anunciaram iniciativas independentes para vender e reproduzir música online, legalizada, de um modo relativamente atrativo para aquele usuário que não quer ficar sob a surdina da ilegalidade.

É um interessante primeiro passo, mas ainda há um longo caminho a se percorrer. Afinal, qualquer empreendedor mediano reconhece ser espessa a linha que separa uma entrada no mercado a uma consolidação e posterior popularização. Com a música legalizada na internet, não é diferente e não haveria motivos de ser. O aspecto cultural encrostado na mente da maioria das pessoas, cuja referência de música na internet é de gratuidade, haverá de encontrar grande dificuldade para ser amenizado, quiçá revertido um dia. Mas, não custa tentar – diriam os executivos com cabeça mais aberta dentro das gravadoras.

Fato é que os primeiros passos estão sendo dados e, sem dúvida, denotam que talvez exista uma luz no fim do túnel. A falta de visão das gravadoras, aliás, da indústria fonográfica como um todo – incluindo os sindicatos, associações etc. – sempre foi um dos pontos mais discutidos nesta coluna, há anos. Enquanto a chamada “revolução da música digital” (não gosto do termo) só faz crescer, mostrar novidades e apresentar soluções comercialmente viáveis, as gravadoras continuam com as garras presas em um modelo ultrapassado – e reconhecidamente falho – de gerenciar as principais questões envolvendo direitos autorais, marketing e distribuição.

Não obstante a luz no fim do túnel de algumas iniciativas das gravadoras, é triste reconhecer que, elas mesmo, irão encontrar dificuldades para inovar em modelos de negócios por conta de um punhado de cabeças-duras nos sindicatos e associações de classe, como é o caso da RIAA (Associação das Gravadoras Norte-Americanas) que vem sendo motivo de piada até mesmo entre algumas das gigantes musicais – mas isto é assunto para outra coluna, não agora.

DE GRÃO EM GRÃO… – Até o presente momento, o modelo de negócio na internet mais rentável e que deu mais certo do ponto de vista do consumidor, é o da Apple. Com o claro impulso – e talvez único motivo – do iPod, a loja de música da Apple é um “case de sucesso” (também odeio este termo) e todos tentam imitar, sem sucesso aparente por enquanto. No entanto, algumas singelas iniciativas mostram que, para agradar o consumidor interessado em música, não é preciso tantas firulas. Aliás, eis aí o principal motivo do sucesso estrondoso do iPod: simplicidade.

Um exemplo interessante e que a maior parte da imprensa deixou passar em branco é a loja de música do Universo Online, a UOL Megastore. Não conheço ninguém por trás do projeto, mas imagino que nem o pessoal responsável tenha imaginado que fosse dar certo. A venda de músicas por faixas individuais está longe de ser uma novidade, há várias outras iniciativas no Brasil (Trama, iMusica etc.) mas os desenvolvedores conseguiram conciliar preço com um site simples, rápido e que não deixa o consumidor com muita “nóia” de comprar.

Evidentemente, há falhas. O preço, apesar dos pesares, talvez ainda seja a maior delas. A exemplo das outras propostas nacionais, o valor de cada faixa continua seguindo a lógica norte-americana dos 99 centavos, o que é um absurdo. No caso das iniciativas nacionais, a média é de R$ 2,50 por faixa – o que, para acabar de vez com boa parte das esperanças, significa até um valor mais alto do que os 99 centavos pagos pelos gringos. Parece que, apesar da boa vontade do pessoal, a mentalidade de outrora continua presente nos bons projetos para vender música. Talvez seja esta a razão de nem o próprio UOL ter feito muito carnaval sobre a loja.

Na onda dos portais, o MySpace também anunciou oficialmente que vai entrar na parada. Menos conhecido do usuário leigo brasileiro, o MySpace é uma febre nos Estados Unidos e em boa parte da Europa, mormente o Reino Unido. É a primeira investida no setor e, inicialmente, devem vender músicas de nada menos do que três milhões de bandas, entre famosas e completamente desconhecidas. Eu nem fazia idéia que poderia existir tantas bandas assim…

Na visão dos entendidos do assuntos, se o projeto for lançado ainda este ano, pode ser o primeiro concorrente para a loja da Apple. Será briga de cachorro grande, porque a Microsoft vai lançar o Zune, um player portátil para concorrer com o iPod, e esta mesma Microsoft tem um braço no MySpace – que hoje conta com quase 110 milhões de usuários cadastrados, um número nada modesto.

Como o maior parte do acervo do MySpace será de bandas e músicos sem contratos com gravadoras conhecidas, a proposta de negócios deverá ser baseada – segundo os comunicados oficiais até agora – no juízo e bom senso de cada detentor de direitos autorais. Ou seja, se você é um músico e quer vernder cada faixa a 10 reais, tá tudo certo. E se quiser vender a 10 centavos, tá tudo certo, também. Ainda não se sabe como isso se dará na prática, mas ao menos, como falamos anteriormente, é um primeiro passo.

Enquanto isso, o grupo Universal – que detém nada menos do que 75% da música popular no mundo – também acena, agora, com a possibilidade de abrir uma loja para oferecer, finalmente, seu acervo a preços competitivos. O problema é que o termo “competitivo” para esse pessoal de gravatas nem sempre tem o mesmo significado para nós, consumidores assalariados. Sobre a tática da Universal e a resposta da indústria fonográfica contra tanto barulho em direção à internet, veremos na próxima coluna.