O elogio da mediocridade

Paulo Rebêlo (*)
Observatório da Imprensa, 22.fevereiro.2005

Mesmo para quem não lê jornal e não assiste TV, foi difícil não se inteirar da balbúrdia que os veículos de comunicação fizeram com a vitória de Severino Cavalcanti. Vale o registro da Folha de S.Paulo, em editorial de 16 de fevereiro, tachando-o de “candidato sem estatura política, retrógrado e inexpressivo, que se especializou em negociações menores no dia-a-dia da vida parlamentar”. Foi quase um elogio.

O leitor mais atento, porém, talvez consiga perceber que alguns jornais estão achando ótima esta vitória. É uma nova oportunidade para certas publicações – e colunas – voltarem a propagar aquela equivocada noção de que o Nordeste, principalmente Pernambuco, é o grande beneficiado desta politicagem. Politicagem, aliás, que é a cara do que o governo federal vem fazendo nos últimos dois anos.

A interpretação é simples: o presidente da República e o da Câmara são pernambucanos; o presidente do Senado (Renan Calheiros) é alagoano; e o 1º secretário da Câmara (Inocêncio Oliveira) também é pernambucano. Para um Sul-maravilha rico e poderoso, até que estamos bem na fita. Bem o suficiente para propagar o conhecido ufanismo, digno da mais Polyanna das Polyannas, de que o Nordeste é o grande beneficiado.

Brasília deseduca

A bancada nordestina em Brasília sempre foi poderosa. Sempre. O problema é que ninguém parece ter memória. O equívoco jornalístico de agora não é muito diferente do ocorrido na metade dos anos 1990, quando o também nordestino Marco Maciel foi vice-presidente da República. Entre outros exemplos recentes.

Nem por isso – e talvez principalmente por isso – a região Nordeste viu nenhuma de suas seculares mazelas ser extinta ou sequer amenizada. Como se diz por aqui, “nem um tiquinho”.

Quanto mais poder os políticos nordestinos possuem, mais distante a região fica de melhorias nos deprimentes índices de pobreza e educação, para dizer o mínimo. O poder emanado de Brasília nos ajuda somente a deseducar. Pois somente deseducando e alienando é que continuaremos votando nestes ilustres representantes da democracia.

Cabresto e coronelismo

Poderíamos gastar uma tese para citar exemplos, mas vamos nos ater aos mais conhecidos.

** A seca continua cruelmente presente em toda a região, sem mudança alguma de paradigmas. Usada como gancho para políticos de reduto ganhar notoriedade e votos de pobres-coitados, quando estes recebem cestas básicas e poéticos carros-pipa. Sempre em caráter emergencial, é claro.

** Quando um pesquisador sério chega para falar sobre as possibilidades de amenizar o sofrimento da seca, com projetos baratos de irrigação ou mínimos investimentos em tecnologia (só dois exemplos), rapidamente o assunto cai no esquecimento – dos políticos e dos pauteiros. Uma incrível coincidência. E também seria esperar demais que os jornalões do sul maravilha “comprassem” a causa, pois nem a gente é tão ufanista assim.

** Nas capitais – que politicamente não passam de províncias – o saneamento básico existe para menos de 30% da população. O problema é que tem jornalista que, se for questionado, não sabe nem explicar o que é saneamento básico.

** Os maiores hospitais públicos são tidos, muitas vezes, como a última porta antes de colocar o pé na cova. Ou a última porta para o paraíso dos céus, se quiserem contextualizar (alienar) religiosamente.

** E os livros didáticos ainda ensinam que o voto de cabresto acabou e que o coronelismo foi extinto. Quer dizer, só nas escolas particulares, porque nas públicas vai ser difícil encontrar até professor, quanto mais livros.

República dos 100

Assim caminha a humanidade nordestina. Os políticos ficam mais poderosos, os jornalistas mais temerosos e os cidadãos mais melindrosos. O poder e a notoriedade crescem, enquanto os discursos de melhorar a vida do nordestino seguem. Desde que a gente vote neles, claro.

Bem longe das obras brasilienses de Oscar Niemeyer e dos corredores da Esplanada, o que o Brasil de verdade enxerga é a exponencial melhoria na vida deles, dos influentes paladinos que irão ajudar o Nordeste. Mas, para nos ajudar, eles também vão precisar da nossa ajuda.

Ajuda para melhorar o pobre salário mensal de 12 mil reais e a aumentar as benesses humanitárias: passagens aéreas, auxílio-moradia, auxílio-paletó, verba de gabinete, gasolina, carro, celular…

Aliás, já ajudamos. E não foi com a eleição de Severino, não. Porque o poder que nos representa é, sim, uma representação fidedigna e palpável do Brasil de verdade, uma República dos 100: sem instrução, sem ética e sem memória.

(*) Jornalista no Recife (www.rebelo.org)