Lula no Nordeste

Oba-oba e pautas perdidas

Paulo Rebêlo (*)
Observatório da Imprensa, 15.fevereiro.2005

Cada visita, cada inauguração é uma oportunidade ímpar para os jornais fazerem jus ao poder que possuem junto à sociedade. As melhores pautas estão sempre debaixo do nariz dos jornais, mas ninguém quer sentar o traseiro e questionar o carismático presidente Lula.

Em contrapartida, seguem a comitiva do presidente interior afora, acompanham os discursos, as promessas faraônicas e publicam exatamente isto: os discursos, as promessas e a festa ao redor do carisma do personagem-presidente frente ao povo que ali está, feliz e sorridente, diante da presença ilustre.

Passados dois anos, parte da imprensa parece ainda se iludir com a eleição do metalúrgico que veio da pobreza para acabar com a fome e a desigualdade. Poucos presidentes visitaram tanto o Nordeste quanto Lula, em tão pouco tempo de mandato. Vez por outra, ele está aqui a inaugurar obras e discursar sobre como o Brasil melhorou. Todo governo faz oba-oba e este de agora não é diferente.

O problema é quando a imprensa – que supostamente deveria questionar para informar – enche as páginas com matérias cujo teor nada mais é do que um reles e pífio oba-oba. Não questiona. Logo, não informa.

Semana passada, Lula esteve em Pernambuco para inaugurar três etapas da barragem de Jucazinho, em Surubim, e a Clínica Asa Branca, em Caruaru. A clínica, supostamente especializada em diagnosticar câncer bucal, ainda deverá oferecer tratamento odontológico à população do Agreste.

Na cobertura midiática, durante os dois dias do oba-oba presidencial, o que se viu na imprensa não passou de uma espécie de agenda oficial com o respaldo da credibilidade dos jornais. Ora, para publicar o que o presidente falou e deixou de falar existe a assessoria oficial.

Em tese, o papel dos jornais seria investigar e questionar a viabilidade e a funcionalidade das inaugurações, de modo a oferecer informações úteis à população. Informações que, de fato, repercutam em suas vidas. E não apenas a festa de palanque.

À noite de sexta-feira, passadas as inaugurações, colegas de bar me questionaram: o que diabos aconteceu (de verdade) durante a visita do presidente a Pernambuco. Ouso arriscar que são dúvidas a permear a cabeça da grande maioria dos leitores, os quais, desavisados, compraram os jornais e leram a agenda oficial do pop-star Lula.

** O que é câncer bucal?

** Por que uma clínica especializada especificamente em câncer bucal no interior?

** Existe algo parecido na capital? Não existe no interior?

** O que leva uma pessoa a ter câncer bucal? Como se prevenir?

** Barragem de Jucazinho: dizem que vai beneficiar milhões de pessoas. Como?

** Sempre inauguram barragens e projetos para melhorar a água que chega à população, mas na prática ninguém vê melhorias e a seca persiste e piora a cada ano.

Estamos fartos

Nenhum jornal arriscou-se a responder, parcial ou integralmente, qualquer das questões acima. São coisas tão simples, tão transparentes, mas o leitor não encontrou. Não precisava uma reportagem especial, apenas uma reportagem simples e direta para responder dúvidas que, certamente, nem os repórteres saberiam responder caso fossem indagados na hora.

Outra dúvida reincidente, esta mais séria, é sobre a continuidade dos serviços na clínica.

Explica-se. Inaugurar obras e posar para fotos, vestido de dentista e com um voluntário sentado na cadeira cirúrgica – como Lula fez e os jornais publicaram – é fácil. O que a população quer (ou deveria querer) saber é se os aparelhos da clínica funcionam de verdade, quais são eles e qual o perfil de paciente indicado para a nova clínica.

Há funcionários tecnicamente aptos a operar os aparelhos? Ou as máquinas vão ficar inativas, jogadas às traças, como inúmeras vezes a gente vê acontecer Brasil afora?

Obra inaugurada, oba-oba registrado pela imprensa e tchau. Agora, a população, ou melhor, o Brasil Sorridente que se vire, caso aconteça de a nova clínica cair na mesma ala comum de tantas outras inaugurações: a falta de estrutura e o abandono. Estamos fartos de ver isso acontecer. E não é somente no interior, não.

(*) Jornalista no Recife (www.rebelo.org)