Punições caolhas

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
setembro 2005

Uma recente reportagem publicada no jornal O Globo, do Rio de Janeiro, mostrou um pouco da realidade brasileira na repressão à pirataria. Segundo a apuração do jornal, com dados da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi), de janeiro a junho deste ano as autoridades brasileiras prenderam 182 pessoas por pirataria, das quais somente quatro foram condenadas de fato. Mas a gente nem que condenações foram essas, para ao menos tentar entender o que significaram.

Apenas pelo número de prisões, notadamente baixo, o leitor mais atento já deve estar se questionando sobre o que há de errado. Algo não bate bem. Ouvimos as inúmeras declarações de secretários e porta-vozes do Ministério da Justiça e dessas outras incontáveis associações que dizem defender os melhores interesses dos artistas e da população. Tanta propaganda, tanto discurso, tantos investimentos em campanhas anti-pirataria… para tudo morrer na beira da praia na hora de colher os resultados práticos.

Prender 182 pessoas por pirataria grossa em 2005 não é absolutamente nada, principalmente quando imaginamos que essas pessoas, certamente, não são os peixes grandes e grandes fornecedores que fazem o esquemão funcionar. E aqui chegamos a um campo minado, pois não se trata mais de pirataria de CDs – e sim pirataria das grossas, contrabando pesado.

Enquanto isso, no planeta Terra, o CD continua custando R$ 30, em média. As lojas continuam oferecendo apenas o que as gravadoras permitem. Rádios continuam empurrando somente o jabá quase institucionalizado. É muito difícil levar a sério os discursos anti-pirataria, principalmente o governamental, quando nossa realidade prática – de repressão e comercialização – destoa tanto.

Algo está sendo feito? Sim, em partes. Resta cortar as arestas, agora. De acordo com dados da Adepi, há 7500 processos em andamento, relativos especificamente à pirataria audiovisual. Para a associação, a Justiça é contraproducente e não dá o exemplo de punição, estimulando o criminoso. O conceito de “exemplo” é bem contraditório, até porque é complicado entender como falam tanto de anti-pirataria quando vemos os carrinhos de CDs piratas circulando em frente a Ministérios Públicos, delegacias etc.

E aqui, vale um adendo: quem gosta de conversar com os vendedores desses CDs e observar a oferta, já deve ter notado quantas vezes a oferta ali é mais interessante, com relíquias e raridades, que você não encontra na loja de CDs da esquina. O assunto já foi abordado várias vezes aqui na coluna.

CONSELHOS –

A Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (Apdif) está agora com uma iniciativa batizada de Operação Pressão, que recentemente destruiu quase 1,5 milhão de CDs piratas em São Paulo. A destruição ocorreu na Praça Charles Müller, em frente ao Estádio do Pacaembu. A operação é uma parceria com a polícia e a prefeitura, visto que, segundo a Apdif, os piratas já dominam 52% do mercado brasileiro e travam a arrecadação legal de R$ 500 milhões por ano.

Em novembro do ano passado, o governo criou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, ação noticiada nacionalmente pela imprensa como a nova força-motriz da repressão aos piratas. O trecho a seguir vai entre aspas, porque não foi escrito por mim: “O Conselho elaborou um Plano Nacional de Combate à Pirataria que engloba 99 ações em três vertentes: repressiva, educativa e econômica. Desde o ano passado, as operações das polícias Federal e Rodoviária Federal, além da Receita Federal dobraram e, em apenas uma delas, dois milhões de relógios foram apreendidos em São Paulo.”

Relógios? Tá bom. É assim que a comunicação oficial do Governo Federal abre o texto-entrevista com o secretário-executivo do Ministério da Justiça e presidente do Conselho, Luiz Paulo Barreto. A entrevista é enviada a todos os veículos de comunicação e jornalistas que estão cadastrados na lista de e-mail da Secretaria de Comunicação – mas qualquer um pode se inscrever, na verdade.

Não duvide se, ainda em 2005, o governo crie um novo Conselho ou autarquia de combate à pirataria. Os conselhos de criação de Conselhos parecem se multiplicar. Ao ler os jornais, eventualmente a gente se depara com uma nova associação para “defender” os direitos dos artistas e outras boas vontades.

Também se multiplicam. Nessas horas, ninguém lembra que antes mesmo de criarem essas organizações, já existem outras funcionando – nem sempre funcionando, é verdade – e até mesmo organizações multinacionais. Não custa lembrar que em 2001 o governo já havia criado um Comitê Interministerial de Combate à Pirataria. E que, de lá para cá, já houve até CPI da Pirataria.