Gravatas Iluminadas

Paulo Rebêlo
Backstage, coluna de fevereiro/2005

O discurso da indústria fonográfica é similar ao fenômeno da manipulação estatística, também conhecido como verdade estatística. Com as palavras certas, é fácil colocar as estatísticas para trabalhar a nosso favor. Reza o ditado: os números não mentem. Mas o discurso, sim. Para quem gosta de fazer conta, basta prestar atenção em como são diferentes os discursos de, por exemplo, uma ONG que revela o descaso do governo em determinado setor, enquanto do outro lado o governo mostra que está fazendo bastante. Às vezes, são as mesmas pesquisas e os mesmos números, revelando situações distintas quando bem empregados. Até parece que falam de água e vinho, quando ambos estão tratando de óleo.

A indústria começou o ano de 2005 reafirmando que o setor musical vive a pior crise da história. De acordo com dados oficiais divulgados à imprensa, nos primeiros nove meses houve uma queda na venda de CDs da ordem de 10,7% em volume e 12,2% em valor. Os empresários do ramo continuam a atribuir o decesso ao download ilegal pela Internet. O que os sabichões não explicam à plebe rude é o real significado dessas porcentagens. Falam em volume, em valor… números, muitos números. Pior ainda, colocam os números em evidência, para mostrar a crise financeira, a partir de uma metodologia conceitualmente errada: a da previsibilidade de um eventual, porém nunca confirmado, volume de vendas. Já tratamos deste assunto em colunas anteriores.

Quando você ler sobre grandes indústrias tendo prejuízos milionários por causa da própria incompetência, disfarçada de ilegalidade da sociedade civil, pode anotar: é pura falácia. Quem está do lado de lá não pode admitir, pelos motivos óbvios; e para quem está do lado de cá, o mínimo a ser feito é não cair em mais um conto do vigário. Nós, brasileiros, já estamos tão anestesiados com seguidos contos do vigário, sobretudo na política, que não precisamos ficar importando outros.

POEIRA EM ALTO MAR – Considerável parcela do empenho da indústria fonográfica contra o download de músicas tem sido em vão, eficácia próxima de zero na repressão às cópias não-autorizadas distribuídas na Internet ou vendidas a preço de banana logo ali na esquina. O motivo, qualquer criança semi-alfabetizada, e com noções de adição e subtração, consegue entender: ninguém recebe salários iguais, sequer parecidos, com as remunerações pagas aos sabichões da indústria. O assunto é batido, mas não adianta fugir: um CD a 25, 30 reais? Para ouvir quarenta ou cinqüenta minutos de música? Bomba neles.

Ideologias à parte, às vezes dá gosto comprar CD pirata. A gente quer presentear alguém com “gosto refinado”, vai na loja e nos jogam um álbum nacional por 25 reais. Se for importado, não sai por menos de 40 reais. Por “gosto refinado”, entenda qualquer coisa que não esteja passando no Faustão ou no Gugu. Ou compramos o lixo que nos empurram a dez reais ou aprendemos a usar a massa cinzenta e compramos um caolho de primeira por cinco reais. O consumidor vai preferir o quê? O mundo gira, mas sempre pára no mesmo lugar. Os ricos ficam mais ricos, e nós plebeus ficamos cada vez mais rudes. Não dá para invejar quem tem dinheiro (e usa) para comprar um CD por mês; é para ter pena. Quase remorso.

A única conclusão que podemos tirar disso tudo é que a indústria fonográfica criou um monstro. E agora não consegue mais controlá-lo. Falam em acabar com os programas de compartilhamento de arquivos (P2P). Falam em proibir os provedores de acesso a livre entrada de usuários em sistemas de trocas de arquivos. Falam isso ou aquilo. Falam demais.

Falam tanto, que terminam fazendo parte do que dizem que vão fazer e daí surgem monstros incontroláveis, como podem ser chamadas as redes P2P anônimas facilmente utilizadas hoje em dia, na Internet. Quanto mais a indústria promove o caça às bruxas nos lugares errados, mais sofisticados esses programas vão ficando; mais difíceis vão ficando os usuários de serem encontrados; mais fácil se torna filtrar os agentes fiscalizadores. Onde isso tudo chegará, só eles sabem. Eles, os sabichões da indústria. Sabem tudo, esses engravatados iluminados.