Celebridades digitais

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
abril 2004

Hoje, os quinze minutos de fama vão para aqueles provedores de acesso que, a favor das expectativas dos usuários e contra a vontade da indústria fonográfica, se voltam contra grandes gravadoras quando estas resolvem acioná-los judicialmente para que liberem informações confidenciais sobre seus clientes. Informações tais cujo teor é simples: o que os usuários baixam (download) e enviam (upload) pela internet. Música? Com que intensidade? Quantos megabytes por dia?

Não é de agora que os provedores de acesso – Internet Service Provider, ISP – estão na berlinda. Há muito tempo, a RIAA (Recording Industry Association of America, associação das gravadoras americanas) impetra judicialmente os provedores em relação a informações de usuários. Antigamente, tudo isso era novidade. Para um provedor, receber uma ordem judicial desse calibre não deixava margem a qualquer alternativa. Era cumprir e pronto. Foi assim por bastante tempo.

Só que tudo tem sua hora. A cruzada quase religiosa (sinônimo de quase cega) da indústria contra usuários e provedores está chegando a um ponto tão ridículo e constrangedor que muitas empresas, simplesmente, desistem de ceder qualquer tipo de apoio. Caso haja uma ordem judicial no meio, resolvem retribuir na mesma moeda. E como a lentidão da Justiça não parece ser exclusividade de Pindorama, é fácil imaginar o resultado de toda a balbúrdia: procrastinação.

O debate sobre provedores brasileiros liberando informações à indústria ainda é incipiente, mas há bons exemplos no exterior. É preciso reconhecer que as entidades nacionais de “proteção” aos artistas e direitos autorais, apesar de exibirem uma ou outra ação isolada similar às praticadas nos Estados Unidos, tendem a ser menos risíveis do que as primas estrangeiras. Confesso que é preciso mais apuração [sobre o assunto] junto a provedores brasileiros. Talvez uma próxima coluna.

Nem sempre os provedores são a sétima cavalaria. No Brasil, sobretudo para quem usa sistemas de banda larga das operadoras telefônicas, os provedores às vezes não têm nada de defensores do apocalipse, muito pelo contrário. Mesmo assim, a partir do momento em que o usuário perde o mínimo de privacidade disponível (a quem interessa o arquivo que você fez download?), então é porque alguma coisa está muito, mas muito errada. É preciso deixar a hipocrisia de lado. Do contrário, é mais fácil dizer que os militares assumiram as rédeas (novamente) da charrete ou que George Orwell está se remexer na tumba. Desesperado, o coitado.

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A Associação das Gravadoras Canadenses (CRIA) também segue o exemplo da prima americana. Bem recentemente, entrou na Justiça a solicitar que uma corte federal ordenasse alguns provedores a identificar “uploaders” (aqueles que enviam) de arquivos contendo músicas protegidas por copyright. Até o momento, os provedores têm conseguido resistir à investida. Resta saber até quando.

A resistência não tende a demorar. A CRIA alega que, com ajuda de uma empresa americana (nome não revelado), a associação conseguiu rastrear 29 “piratas” de música que utilizam os serviços de cinco grandes provedores canadenses. O argumento da CRIA é que os provedores são a única fonte disponível que possa ter nomes e endereços dessas pessoas. Ao mesmo tempo, argumentam que os provedores têm a obrigação cívica de cooperar em tudo que se refere à lei e ordem. Um dos advogados da CRIA, em entrevista à imprensa, gorou que sem as informações liberadas pelos provedores a indústria fonográfica não teria condições de “proteger” (sic) os artistas.

Ao que parece, os provedores canadenses estão de olhos mais abertos do que os provedores americanos. Nos Estados Unidos, como já vimos em algumas de nossas colunas anteriores, os provedores pouco ou nada fazem em retaliação a medidas assim. Já no Canadá, a defesa de boa parte dos provedores é que, ao liberar informações supostamente sigilosas à indústria, a CRIA pode muito bem seguir o exemplo da RIAA e forçar os usuários a fazer aquele acordo bem camarada: pagar uma taxa antes de ter a dor de cabeça de pisar no tribunal. Os bons e velhos acordos entre as partes, que advogados conhecem tão bem.

A briga de foice também envolve os desenvolvedores de programas P2P como Kazaa e iMesh. No caso do Kazaa, hoje talvez o mais conhecido, os donos da empresa tentam processar a RIAA sob alegação de que ela modificou o software (engenharia reversa) para adaptá-lo às necessidades da associação. Necessidades escusas, no caso; que incluem a função de rastrear usuários. A partir do momento em que modifica o software, sem o consentimento dos criadores do Kazaa, a RIAA propriamente dita está burlando o copyright. É aquela velha história de sempre: pimenta no dos outros é refresco.

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Em informática, desde que tempo é tempo, as questões mais relevantes se repetem. Uma delas, evidente, é a pirataria. Outra, ainda mais evidente, é a busca incessante por conter a pirataria. Entre várias modalidades e investidas que já foram e continuam sendo feitas, a indústria de modo geral adora o termo “marca d’água” ou “selo”. Todas as iniciativas que envolveram selos ou marcas d’água (watermark) fracassaram.

Agora, querem novamente emplacar selos anti-pirataria em CDs, softwares, videogames e DVDs. De vez em quando me pergunto se existe algum código genético peculiarmente específico na mente dos executivos de grandes empresas e aglomerados comerciais. Porque um parece copiar o outro, às vezes por gerações a fio. A bola da vez, que já está rolando nos Estados Unidos, é que produtos de entretenimento vão começar a carregar a famosa marca do FBI, com informações sobre pirataria e avisos de que roubar (sic) material protegido por copyright é um crime sério.

O selo anti-pirataria foi anunciado à imprensa pelo próprio FBI. Será algo parecido com as imagens e avisos que aparecem no início dos filmes no cinema e em DVDs e vídeos. A questão é: que diferença vai fazer? Existe algum aparato super tecnológico no selo de modo a impedir a pirataria?

Nas palavras de Brad Buckles, vice-presidente do departamento anti-pirataria da RIAA, “nossa esperança é que, com o selo do FBI, os consumidores vejam os prós e contras de copiar e fazer upload na internet”. Só. Parece cascata? Pois é, parece. Mas os caras juram que são inteligentes e que entendem de negócios.

O novo selo terá o importante papel de dar um pouco de medo a quem compre um CD e veja aquela pomposa marca do FBI estampada. Vai funcionar? Claro que não. É mais fácil as pessoas copiarem com ainda mais gosto, só pela afronta desses engravatados em achar que todo mundo é demente.

Durante a coletiva de apresentação da nova investida mirabolante, o discurso dos representantes da RIAA foi o mesmo: o usuário que copia e/ou faz download de músicas está apenas prejudicando os artistas, os vendedores, os compositores, blá blá blá. Evidente que ninguém ousou perguntar se vender disco superfaturado, ser suspeito de lavar dinheiro e efetuar repasses (aos artistas!) ridiculamente baixos também prejudica alguém.