Bufunfa, política e terrorismo

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
maio 2004

Foi notícia novamente: um estudo realizado por dois acadêmicos americanos demonstrou que programas do tipo P2P (peer-to-peer) na internet, quase sempre utilizados para trocar arquivos MP3, afetam muito pouco ou nada a vendagem de CDs. O trabalho foi produzido por Felix Oberholzer-Gee, professor da Harvard Business School; e por Koleman Strumpf, da Universidade da Carolina do Norte.

Os dois coletaram e analisaram dados durante 17 semanas a partir das redes de programas como Kazaa, Morpheus, SoulSeek etc. Fatores como congestionamento, duração dos downloads e feriados escolares foram todos levados em consideração. Cruzaram os dados com informações oficiais sobre vendas de CDs nos Estados Unidos e compararam as informações com métodos estatísticos – para determinar se a venda de um álbum cai à medida em que fazem o download dele com mais freqüência. O “brilhante” resultado da pesquisa: não existe conexão entre queda nas vendas e download.

É “brilhante”, entre aspas, porque não é novidade alguma. É mais do mesmo. Há anos são realizadas pesquisas do gênero. O espaço obtido na imprensa é sempre considerável, todas as vezes, mas não adianta. O poder [e o lobby, há de se convir] da indústria é maior. E ainda maior do que o lobby é a falta de informação e a (in)conseqüente falta de vontade de se informar da maioria das pessoas. Sobretudo nos Estados Unidos, por incrível que pareça. Os acadêmicos de agora, da pesquisa, afirmam que, na pior das hipóteses, um CD precisaria ser baixado da internet 5 mil vezes para que deixasse de ser vendido nas lojas.

O estudo sugere que para 25% dos discos mais comercializados – quer dizer, aqueles cujas vendas ultrapassem 600 mil cópias — um disco a mais foi vendido para cada 150 downloads. Significa que os downloads prejudicam os álbuns menos populares, com vendas entre 36 mil cópias ou menos. Em termos gerais, isso pode até gerar um efeito benéfico, pois os lucros da indústria vêm, justamente, dos discos mais vendidos.

Para os pesquisadores, as vendas caíram por outros motivos, dentre os quais consta um bem interessante, pouco estudado: muita gente trocou os antigos LPs de vinil por CDs até a metade dos anos 90 e isso levou a uma explosão na comercialização dos discos, mas que depois voltou ao normal. As condições econômicas da maioria também não ajudam — e isso nos Estados Unidos, quanto mais no Brasil? A redução na quantidade de lançamentos de discos e a competição com novas formas de diversão, como DVD e videogames, também levam à diminuição das vendas.

Afinal, a gente tem que admitir: coisa boa para se comprar até tem. O que falta é a bufunfa.

BOB, UM CRIMINOSO – O Congresso americano quer criminalizar de vez o uso, por parte de pessoas e usuários comuns, de programas para troca de arquivos na internet. Caso seja aprovada a medida, ficará muito mais fácil – quase um doce – para que o Departamento de Justiça incrimine formalmente alguém. Inclusive você, da sua casa, que baixou o último hit da novela das oito.

A medida, que por enquanto faz apenas circular no Congresso sem decisão formal de ser votada, prevê multas e prisões de até dez anos para quem compartilhe arquivos na rede. Batizaram a belezinha de “Protecting Intellectual Rights Against Theft and Expropriation Act of 2004”. Apelido: Pirate Act.

Para melhorar a situação, a indústria fonográfica, por enquanto apenas nos Estados Unidos, começou a propagar a idéia de que redes P2P concentram uma ampla rede de terroristas. No caso, os terroristas usam o suposto anonimato dessas redes para tramar atentados. Oras, não apenas terroristas, mas também pedófilos e criminosos não precisam fazer uso somente de redes P2P para assuntos maléficos.

A internet propriamente dita serve para isso [também], todo mundo sabe. Desde quando a indústria fonográfica se preocupa com o bem-estar social? Parece se preocupar bastante, pois a sugestão é que, para que as pessoas tenham mais segurança, a solução é fechar de vez toda e qualquer rede P2P que permitam a troca de arquivos. Menos as redes que estão sendo criadas pela indústria, para vender downloads.

Um dos senadores-autores da medida, Patrick Leahy, já recebeu 178 mil dólares em contribuições de campanha da indústria de entretenimento americana. Significa nada menos do que a segunda maior contribuição da campanha dele, ficando atrás apenas das doações de advogados. Outro autor da medida, Orrin Hatch, já recebeu 152 mil dólares da mesma indústria. É incrível como, cada vez mais, o Brasil se parece com os Estados Unidos. E vice-versa, nas coisas ruins.

REPETECO – Empurram estatísticas e dados mostrando os bilionários prejuízos causados pela internet em relação às gravadoras. Só que não revelam a metodologia das pesquisas, não revelam o que pensam os artistas em relação ao assunto, não deixam as entidades e associações com visões diferentes terem voz.

A Electronic Frontier Foundation (EFF.com) é a mais notável dessas associações que lutam pelos direitos dos usuários e, não obstante, nunca consegue uma repercussão similar às obtidas pela indústria. E olhe que se tratam de direitos civis, não direitos meramente virtuais.

Os números da indústria não são auto-explicáveis. Vale voltar um pouco no tempo, para uma de nossas primeiras colunas: a estimativa do “prejuízo” é calculada levando em consideração os CDs que poderiam ter sido vendidos se não fosse a pirataria. Acontece que, mesmo sem pirataria, esses mesmos CDs também poderiam ficar nas prateleiras, sem venda alguma – por uma sériede motivos, muitos dos quais listados acima.

Ora, vejamos. Se um adolescente pega de graça, pela internet, vinte álbuns diferentes para escutar em casa, não significa que ele fosse ter dinheiro para comprar os mesmos vinte álbuns que gostaria de ouvir. É uma lógica simples, porém realista. Para as estatísticas da indústria, esses vinte álbuns que deixaram de ser comprados significam prejuízo direto.

Quem tem dinheiro o suficiente para comprar os CDs dos músicos prediletos, sempre que saem? Quando eu era guri, passava a semana inteira economizando o dinheiro do lanche e criando bolhas na mão de tanto jogar bafo (e vender as figurinhas depois) para, no final de semana, gastar tudo no fliperama. Ainda bem que naquela época não culpavam o fliper de diminuir a venda dos gibis; só culpavam de diminuir as notas…