Contra demagogia, só mesmo o buraco da gia

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
dezembro 2004

Abordamos assuntos variados desde a nossa primeira coluna, porém, tentando sempre manter certos princípios em relação ao tumulto da indústria fonográfica e à celeuma em relação ao MP3. Quem nos acompanha deve ter percebido que um dos pilares em que nos baseamos é bem simples: pimenta no orkut dos outros é refresco.

Traduzindo, o que sempre estamos vendo em noticiários é a habitual demagogia a qual já estamos tão acostumados. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. É fácil criticar, dizer que é ilegal, culpar o usuário de ser o responsável por alimentar tráfico de drogas e contrabando porque compra um CD de cinco reais no camelô da esquina, enquanto a loja vende a trinta. É fácil, desde que seja vantajoso para quem aponta o dedo em riste. Quando a situação se inverte, o cenário muda. De uma hora para outra, baixar MP3 pode até ser uma boa idéia. Não, não estamos falando da venda de músicas pela web, tema da coluna do mês passado.

Dez meses atrás, fizemos uma rápida análise sobre os toca-MP3 para carros. As vantagens e desvantagens, como funciona, dicas, tendências etc. Falamos sobre o curioso paradoxo da Sony, envolvida no grupo dos que defendem a posição padrão da indústria fonográfica (leia-se: o MP3 é o capeta) e, ao mesmo tempo, investindo pesado para colocar e divulgar no mercado toca-MP3 para carros. E não apenas comercializar o aparelho, mas incentivar os usuários a substituir os CDs convencionais de áudio por CDs com MP3, diante das óbvias vantagens.

Evidentemente que a Sony não é a única que simpatiza com o ditado ‘pimenta no orkut dos outros é refresco’. A empresa está no direito, e até no dever, de lucrar como pode. Mas é preciso deixar a ingenuidade de lado em casos assim. Usamos o exemplo da Sony porque foi a marca pela qual testamos o toca-MP3, um modelo intermediário que hoje está bem mais comum do que há dez meses.

Aliás, há exatos dez meses que eu não sei mais o que é um CD convencional de áudio. Antes do advento toca-MP3, em casa eu só escutava músicas no computador, em formato digital. Os CDs eram para o som do carro. A partir do momento em que posso mesclar oito CDs inteiros em apenas um disco de MP3, toda a noção, a lógica e o sentido de andar com um porta-CDs esvaece no ar.
Apesar de evitar dizer isso em público, eu até que agradeço ao ladrão que roubou meu antigo CD-Player do carro. Brincadeira. Eu sempre digo em público.

ACABOU-SE O QUE ERA DOCE – O título da nossa coluna de dez meses atrás foi Adeus às armas e aos CDs. Sem a menor intenção poética, não foi apenas uma alusão ao clássico de Hemingway. Primeiro, é um adeus às armas da indústria fonográfica, situação cada vez mais próxima. E um adeus aos CDs por parte da maioria dos usuários comuns, que em pouco tempo poderão se ver em situação similar a que passei quando instalei o toca-MP3 no carro. A lógica por trás de um CD bonitinho, mas ordinário, e que só tem 70 minutos de música, deixa de existir como um passe de mágica.

Para corroborar nossa teoria, não precisamos fazer cálculos avançados, consultar os astros ou o tarô, muito menos ter acesso a informações privilegiadas. Simplesmente, usamos um pouco de lógica e uma pitada (pouca) de experiência no setor de tecnologia. Antes de sequer falarem em toca-MP3 para carro, já existia aparelho com recurso de reproduzir CDs com MP3, mas não eram tão populares.

Em geral, estamos falando de aparelhos de DVD e sistemas integrados com DVD e micro system. O problema é que o público comprador de um DVD não é o mesmo público comprador de um som potente – a generalização não é perfeita, mas chegaremos lá. Fato é que muita gente tem aparelho de DVD em casa, mas poucas o usam como um toca-MP3. Quem é mais antenado já aposentou o micro system da sala há um bom tempo.

Com a crescente popularização dos toca-MP3 para carro, a situação muda ainda mais. Agora, você pode até querer guardar aqueles seus trezentos CDs para escutar em casa, no churrasco ou na festinha, mas ao menos no trânsito você vai precisar de poucos CDs. A questão é: por que você não pode escutar MP3 também nas festinhas e no churrasco? Porque ainda não há no comércio brasileiro bons aparelhos de som – sem DVD, apenas som – com capacidade para ler CDs com MP3.

Não havia. Hoje, quem procurar com afinco, vai poder encontrar modelos de som, da Philips (talvez de outras marcas, também) com recurso de reconhecer CDs com MP3. Ao comprar um treco desses, você vai querer continuar guardando CD para quê? Museu? Daqui a uns cinco anos, CD de áudio vai ter mais ou menos o mesmo efeito que o vinil exerce hoje: é cult, relíquia, coisa de colecionador.

A difusão de aparelhos de som com MP3 ainda é relativamente lenta. O lobby da indústria é bem mais pesado do que muitos imaginam, mas já mostrou e continua a mostrar sucessivos sinais de fracasso. A própria Philips parece não se interessar muito em divulgar a economia e praticidade proporcionados pelo uso do MP3 no lugar de áudio convencional.

Quem estiver curioso, pode dar uma olhada no site da empresa e conferir os modelos de micro system disponíveis. Aquilo é só o começo, ainda há bastante tecnologia no mercado externo pronta para chegar por aqui. Vamos usar CDs com MP3 no micro system, nos mini system, em qualquer lugar. E é porque ainda nem falamos dos walkman de MP3, uma verdadeira febre em vários países e que, no Brasil, só ainda não está com tudo por causa dos preços abusivos do iPod.

Aqui, voltamos ao paradoxo anterior. A Philips não é uma empresa alheia aos desmandos da indústria fonográfica. Ela está lá, junto com a Sony, a Apple e a RealNetworks investindo em sistemas de proteção contra cópias para impor a usuários, independentemente de situação. Quem estiver ainda curioso sobre isso, e tiver acesso pela internet ao jornal New York Times, basta conferir a reportagem de 5 de janeiro deste ano, assinada por John Markoff, onde o dedinho da Philips na batalha da indústria aparece.