Reencontros Dialogados

Paulo Rebêlo // setembro.2004

Reencontro talvez seja o momento mais delicado e emocionalmente complexo na vida relacional de uma pessoa. É quando você tem o mundo em suas mãos durante poucas horas para em uma fração de segundos sentir tudo esmorecer entre os dedos. É difícil dizer o que apavora mais as pessoas: o medo de reencontrar determinado alguém ou o medo de que isso nunca aconteça.


O ciclo psicológico pré-reencontro é relativamente padronizado. Durante um bom tempo, decoramos diálogos, imaginamos mil e uma situações e lugares onde um eventual reencontro possa acontecer. Criamos uma lista de amenidades para conversar, pois, do contrário, poderemos cair em tentação e entrar no assunto proibido: o passado.

Acontece que os anos se passam e as inquietações de reencontros imaginários amolecem.

O medo não diminui, apenas se manifesta em menor freqüência. Em partes, você aprende a isolar aquela sensação de fraqueza diante de sentimentos os quais, durante um reencontro inesperado, tendem a fazer-lhe perder toda racionalidade e objetividade que você julga zelar.

Anos se vão e o temor de um reencontro não mais recrudesce a ponto de você sair do aeroporto já achando que, a qualquer momento, ela poderá aparecer na sua frente por uma ilustre coincidência do destino.

A ponto de você ainda guardar aquele cheiro na memória e, ao sentir novamente aquele perfume dentro de um shopping, tentar seguir sem olhar para onde está indo, achando que ela está passando por ali. Ou, talvez, a ponto de sair andando pela cidade desconhecida, sozinho e sem rumo, com a ilusória esperança de casualmente encontrar aquele alguém.

Não é racional, mas não é difícil de entender. O difícil é admitir que você pode até ter medo de reencontrar aquela pessoa, ao mesmo tempo em que tem mais medo ainda de reencontrá-la e não achar as respostas cujas perguntas lhe perseguem como fantasmas até hoje.

Reencontrar um parente depois de tantos anos é fácil. Parentes distantes costumam ter boas histórias para contar e bons ouvidos para escutar.

Reencontrar um amigo de colégio ou de faculdade, depois de dez anos, também é relativamente fácil. Mexe um pouco com você, o faz lembrar quantas amizades verdadeiras você tinha e perdeu por puro descaso. Mas, depois passa.

Há muitos reencontros fáceis. Difícil é reencontrar certas pessoas que passaram pela sua vida e deixaram feridas abertas, sem respostas, sem explicações. Pode ser a pessoa que você mais amou na vida. Pode ser, inclusive, a única pessoa que você amou de verdade. E pode até ser quem você nunca deixou de amar, apesar do tempo e da vergonha em assumir para si mesmo.

Os diálogos desses reencontros são comumente parecidos. Todas as fantasias que você criou simplesmente somem; você não consegue mais encontrar as palavras amenas e falsamente desinteressadas quando está diante de alguém que, daqui a pouco, voltará a ser apenas um fantasma a lhe perseguir em sonhos e noites de insônia.

Afinal, é justamente ali, naquele momento em que os dois se olham espantados e em busca de amenidades para conversar, que o mundo recai por completo sobre seus ombros. Com um peso que você sabe não ser capaz de carregar e, menos ainda, de jogar fora e esquecer.

Um peso que dói, machuca e reabre feridas – e que após um breve diálogo, uma conversa esperada por tantos anos, você verá esvaecer diante de si, perdendo-se na multidão da cidade e deixando-o sem respostas para a única pergunta realmente importante: e se houvesse uma segunda chance?

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Se durante a sua vida você nunca foi personagem de um diálogo ligeiramente parecido com as transcrições abaixo, é porque ainda será. Aproveite para refletir e não repetir os mesmos erros quando a sua vez chegar.

Um homem (H) e uma mulher (M).

UM
H: Fazia tempo que não nos víamos.
M: Sim… sentiu minha falta?
H: Você sabe que sim.
M: É difícil de acreditar.
H: Não fui eu que fugi.
M: Você me fez fazer isso.
H: Eu sempre amei você.
M: Eu também.
H: Poderíamos tentar novamente.
M: Não posso, você sabe.

DOIS
H: Nunca imaginei encontrá-la aqui.
M: Nem eu. Você odeia essas coisas…
H: Você ainda lembra. Sim, odeio.
M: Conheço você melhor do que ninguém. Quantos anos já faz?
H: Cinco, acho que seis?
M: Parece que foi ontem.
H: Parece. E nunca esqueci você.
M: Não vamos falar sobre isso.
H: Você que começou…
M: Desculpe. É melhor não começarmos a conversar sobre o passado.
H: Então falemos do presente.
M: Nós não temos presente. Nem futuro.
H: Sei que fui imaturo.
M: Agora é tarde para a gente.
H: Nunca é tarde para nada, você me disse isso uma vez.
M: Eu estava errada.

TRÊS
H: Há quanto tempo. Quantos anos que não nos vemos? Dez?
M: Por aí. Você está diferente…
H: É o peso da idade. (risos)
M: Que nada. Eu é que já estou chegando aos ‘enta’.
H: Eita, vamos tomar um café aqui. Você soube do Daniel?
M: Não… casou?
H: Sim, casou. Dois filhos, já.
M: E você, quando casa?
H: Agosto!
M: Sério? Quem é a sortuda? (tentando parecer brincalhona)
H: A gosto de deus!
M: Já vi que você continua averso a relacionamentos, não muda nunca.
H: Quando eu quis tentar de verdade, não me quiseram…
M: Você sabe que não foi assim.
H: Não acredito que você tenha superado.
M: Você não foi sincero comigo.
H: Eu tinha medo.
M: Eu também. Por isso me afastei.
H: Então volte.
M: Não posso mais, e minha vida?
H: E a “nossa” vida?

QUATRO
H: Que coincidência, você por aqui.
M: Puxa vida, é mesmo. Tudo bem com você? Está mudado…
H: Você também. Como está a vida de casada? Já é mamãe?
M: Está tudo bem, fui promovida no trabalho! (sem responder as perguntas)
H: Que ótimo. Eu continuo vendendo a alma para o jornal.
M: De vez em quando leio algo seu, me faz lembrar da terra natal.
H: Pois é, estamos com um projeto novo, por isso estou aqui na sua cidade hoje.
M: Estava indo almoçar com uma amiga, mas ela desistiu. Vai comer onde?
H: Não sei. Vamos ali naquele restaurante (apontando).
[ Almoçam, conversam sobre cinema, livros e outras besteiras. Vinte minutos depois…]
H: Não acredito que você goste mesmo dele.
M: Temos uma vida muito boa, não tenho do que reclamar. (desviando o olhar)
H: Não perguntei isso.
M: Vamos parar por aqui, por favor.
H: Por que você está com ele?
M: Ele é muito bom para mim. Gosto muito dele.
H: ‘Gostar muito’ você gosta do seu irmão, pai, tio… Fala, você o ama?
M: Quem é você para falar de amor?
H: Alguém que lhe ama. E que sabe que você sabe disso.
M: Sofri muito por sua causa.
H: Você sofreu? E eu? Acordo todos os dias achando que será o dia que você vai voltar e vou dormir com medo de acordar esperando o mesmo. Não venha me falar de sofrimento.
M: Você nunca se abriu comigo. E eu tinha medo.
H: Dê uma chance para nós.
M: Não dá, não posso, você é louco?
H: Depois de tudo que passamos juntos, não merecemos uma chance?
M: Você quer que eu jogue fora meu marido, meu filho? Não me procure, por favor. (se levantando para ir embora) Me mudei para cá justamente para não ficar lembrando de nada, deixei tudo para trás, família, amigos…
H: E me deixou, também.

CINCO
M: Você gosta mesmo dela?
H: Sim. Nos damos muito bem. (visivelmente falso)
M: Que bom. Fico feliz por vocês. (visivelmente sem jeito)
H: … eu e você tínhamos tudo para dar certo.
M: Mas não demos.
H: Sinto falta da sua chatice, sabia?
M: E eu, do seu mau humor…
H: Se eu não tivesse casado… seria diferente?
M: Mas você casou. Espero que seja feliz.
H: Você me obrigou.
M: Ninguém obriga outro a casar.
H: Em partes, sim. Por que você sumiu?
M: Você nunca tentou me entender.
H: Eu não sabia dar espaço, era muito moço. Mas você sequer me escreveu.
M: Preciso ir (olhos já avermelhados), bom final de semana.
H: Eu teria esperado o tempo que você quisesse. Você podia ter mandado ao menos uma carta.
M: Você conseguirá esquecer da gente daqui a mais cinco anos?
H: Claro que não.
M: Nem eu. Por isso é melhor não nos vermos.

SEIS
[depois de algum diálogo semelhante aos anteriores]
M: Preciso ir, está tarde. Você está em que hotel?
H: Naquele que você indicou.
M: Eu lhe dou uma carona, fica no meu caminho de casa.
[quinze minutos de trânsito e silêncio]
H: Obrigado pela carona. Posso lhe ver amanhã?
M: Não me procura mais, vai ser melhor para nós dois.
H: Para nós dois ou para você?
M: Vou indo, aqui é perigoso a esta hora.
H: Espera, então estaciona o carro e sobe um pouco. Vamos conversar.
M: A gente sabe o que vai acontecer se eu subir.
H: E o que é que tem?
M: Se eu subir, posso não querer mais descer. Não posso.
H: Não pode ou não quer?
M: Não me faça responder.
H: Responda e vou embora.
M: Eu quero e até posso, mas sei que vou me arrepender depois. Não posso largar tudo e não vou conseguir esquecer.