Debaixo dos Caracóis…

Paulo Rebêlo // julho.2004

Ficar careca é uma arte. É preciso muito controle e concentração para não se deixar levar por aquela mentira cabeluda ‘é dos carecas que elas gostam mais’. Inclusive, talvez o excesso de concentração seja o motivo de acelerar a queda dos cabelos. A queda, não. Porque os meus não estão mais caindo. Agora eles se jogam.


Não sou conhecedor dos vários tipos de calvície e não faço a menor questão em ser, mas, sentimentalmente falando, a pior categoria de carecas deve ser aquela em que os primeiros sinais da calvície aparecem logo na adolescência. Categoria a qual a natureza fez o favor de me incluir. É como uma morte anunciada, você fica sabendo ter poucos anos capilares pela frente.

Jovem nunca segue conselhos de quem já perdeu os cabelos com a vida. A gente olha(va) para aquela cabeleira farta no espelho e acha(va) que só iria começar a se preocupar aos quarenta anos. Os caras novos acham que os grandes problemas tipicamente ‘machos’ só aparecem aos quarenta. Deve ser porque nos dizem que o exame de próstata (leia-se: toque retal) deve começar a ser feito a partir dos quarenta. Então, qualquer coisa antes disso é algodão-doce. Tem lógica.

A lógica esquece que, aos vinte, o decreto fúnebre-capilar está escrito na testa e, aos trinta, você é quem esquece ter sido ou estar sendo portador de cabelos kamikazes. Quer dizer, você diz (escreve) que esquece.

Tem gente que reclama da calvície por vaidade. Não tenho do que me queixar sobre meu aeroporto de mosquitos em construção acelerada e quase pronto, tanto é que nunca dei prosseguimento a pajelanças para fazer com que os kamikazes mudassem de idéia. Questão de cultura capilar.

As piadinhas a gente leva na esportiva, principalmente da cabeleireira engraçadinha que sempre comenta ‘eita, Super! Daqui a pouco você nem precisa mais vir cortar cabelo aqui’ ou da vendedora na farmácia da esquina que sugere a compra de Sundown fator 700 para proteger o cérebro e ainda se oferece para passar – achando que a gente vai gostar da cantada. Típico engano de gente cabeluda.

O segredo é manter a cabeça nos pontos positivos da calvície. Careca economiza um bom dinheiro em xampu, condicionador e conta de luz. Sim, porque sem muitos cabelos a gente não precisa passar tanto tempo debaixo do chuveiro elétrico.

Pente, por exemplo, é um artefato que praticamente caiu em desuso para mim e para todos os outros fiéis companheiros da calvície acelerada. É outra economia, porque em viagem era comum esquecer o pente no quarto do hotel. Hoje, basta uma amassada com as mãos sobre o estacionamento do aeroporto-mosquital e está tudo resolvido. Pode até fazer ventania e continuamos a cantar ‘tô nem aí, tô nem aí…’

>> BRANCAS FRUSTRAÇÕES

Evidente que nem tudo são trancinhas. A gente cresce ouvindo das mulheres sobre o quanto elas acham charmoso homem de cabelos grisalhos. Logo, com ou sem vaidade, é frustrante saber que nunca teremos cabelos grisalhos para, quem sabe, ao menos assim termos um pouco mais de sorte no mundo feminino. É, o jeito vai ser fazer macumba ou seguir os ensinamentos da Bíblia do Solteiro Apostólico, psicografada pelo Frei Ranzinza em crônicas anteriores.

Outro lado rastafári da questão é que o cálculo errado me impede de proferir, com autoridade típica de grisalho, a célebre frase ‘respeite meus cabelos brancos, ô rapaz’. Eu sempre quis falar isso.

Enfim, graças às pequenas frustrações antecipadas, os carecas talvez aprendam a conviver melhor com o suicídio capilar. É que, durante uma época, eu ainda nutria esperanças sobre possibilidades de a ciência do século XXI retardar, ao menos por mais alguns anos, o decreto fúnebre-capilar. E fui procurar uns médicos “da área”

>> NO COURO DOS OUTROS É REFRESCO

Dos três médicos consultados, uns três anos atrás, dois eram carecas ou semi-carecas e um tinha implante de cabelo, daquele tipo lambida-de-vaca.

O tratamento padrão para os semi-carecas em desespero é usar um xampu especial e uma espécie de loção no couro cabeludo por tempo indeterminado — um eufemismo para dizer ‘a vida inteira’. Isso na base da ciência, sem aquelas fórmulas milagrosas que existem aos montes por aí.

Nessas horas é que um jeca-tatu feito eu entra em colapso. Entre o final da década de 70 e meados de 80, ser careca e barrigudinho era sinônimo de inteligência e fartura. Hoje em dia, é sinal de preguiça e falta de disciplina. É a globalização, mais uma vez, agindo contra o proletário.

Não é preguiça, mas é apenas muito trabalhoso essa frescura de xampu especial e loção. Careca ou não careca, as maçãs do topo vão continuar passando longe, então melhor aceitar os ditos da mãe natureza e economizar tempo e dinheiro. A gente já tem tanta coisa para gerenciar (escovar dentes, colocar desodorante e fazer barba), não precisa de mais uma para, talvez, recuperar somente uns 25% dos cabelos suicidas – segundo os médicos.

E a loção precisa ser colocada à noite, antes de dormir. Quem diabos vai lembrar de passar creminho ao chegar em casa depois de uma rodada de caju-amigo com miúdo e farinha? É de arrancar os cabelos uma obrigação dessas.

Se você é vaidoso, há outras alternativas. Tem aqueles implantes ridículos. A ciência, infelizmente, ainda não inventou um método de criar holografia para iludir os olhos humanos alheios. Ainda está para nascer um cara de cabelos implantados cujos cabelos possam ser considerados ‘normais’.

Por fim, tem o tal do remédio. De acordo com os carecas formados em medicina citados anteriormente, o medicamento é na base de hormônio e tem quase 100% de chances garantidas de você recuperar os cabelos suicidas e aumentar a cabeleira. Ou seja, o remédio praticamente transforma você em Jesus Cristo: ressuscita os mortos e multiplica os pães.

O único porém é que depois não dá mais para brincar de médico. Nas palavras dos carecas: é comum o remédio causar impotência, mas os cabelos voltam todos! Um grande consolo, percebe-se.

Então, agora você já sabe. Quando um cabeludo tirar onda da sua cara, digo, da sua careca, dê o troco e pergunte se a esposa ou namorada dele dorme de calça jeans. Afinal, você é careca, mas pelo menos ainda dá no couro. É que nem barriga: não dá para conceber a idéia de homem que passa dos 30 sem uma barriguinha. É muito suspeito.

Carecas e pançudos, uni-vos.