O super vô ranzinza da barbona branca

Paulo Rebêlo // setembro.2003

Depois da última crônica, não consegui parar de pensar na possibilidade de ter netos sem precisar ter filhos. Será possível? Domingão é sempre um dia bom para refletir nos mandos e desmandos da vida. De ceroulão em manhã chuvosa, resolvo terminar aquele restinho de Contreau (tira a ressaca que é uma beleza) e acender um charutinho para, quem sabe, colocar em prática tudo aquilo que não aprendi nas aulas de biologia. Posso eu ser avô sem ser pai?

Modéstia à parte, eu seria um excelente avô. E tem mais: a maioria dos avôs são, praticamente, versões suavemente melhoradas do que seria o Super Vô Ranzinza da Barbona Branca.

Todos eles carregam uma protuberante saliência fronto-abdominal. Eu também. Todos eles são carecas. Eu estou em vias avançadas de ter um aeroporto internacional de muriçocas. Eles têm barba branca. A minha é meio galega, mas suspeito de que não vá demorar muito para branquear. Eles são caladões. E eu vivo sendo chamado de taciturno por muita gente…

Pensando bem, acho que eu poderia ser avô agora mesmo.

O papel do avô é muito bacana. A gente não precisa (já estou me incluindo no grupo) ficar naquele fricote com as crianças. Acho um retardo todo aquele cuti-cuti-cuti que os pais fazem com os filhos: imitam bicho-papão, fazem aviãozinho, mudam o tom da voz para fazer graça… enfim, um chilique coletivo o qual os avôs estão dispensados.

A gente, no sentido de nós, os avôs, comumente carregamos aquela aura de sabedoria com os netos. Não precisamos ficar explicando os fenômenos da natureza, isso é coisa para os pais. Também não precisamos dar lição de moral e proibir os pimpolhos de comer doce antes do almoço; até porque quase sempre a gente é proibido de fazer isso também.

A CULPA É DA GENÉTICA – Não entendo muito (nada) de biologia, mas existe um dado científico que sempre me chamou a atenção desde bem novo: o ser humano é geneticamente mais parecido com o avô do que com o pai.

Não me peçam explicação, é a ciência. E eu adoro. Meu avô paterno tem quase 90 anos, tem uma barriga-cocão fenomenal, come feito um elefante, trabalha até hoje e vive endividado. Todo ano, ao ver as taxas todas normais, o médico pergunta: “Seu Rebelão, qual é o segredo do senhor?”

Nessa hora, Seu Rebelão manda chamar a “nova” companheira, de 40 aninhos, e apresenta: “olha aqui meu biotônico fontoura”. Quer dizer, o cidadão é quase um Clint Eastwood da Amazônia. Eu queria ter metade da saúde do velho. Hoje.

Com meus netos, vai ser assim. Nada de fricote de fazer dieta, de não comer doce, de não fazer estripulias. Nada de jogar bola na escolinha do colégio. Tem que jogar bola na rua, descalço, e chamar os maloqueiros para jogar junto, que nem o Super Vô Ranzinza fazia quando era gente.

Aos quatro ou cinco anos, tem que começar a aprender a beber. Sim, porque mais cedo ou mais tarde vai beber mesmo, então é melhor aprender com o avô. Tem que aprender a diferenciar os momentos oportunos para cada tipo de bebida, cada graduação alcoólica, cada situação, cada ambiente de bar.

E se os pais da criança vierem reclamar, sempre vou poder alegar insanidade mental temporária. Na condição de avô, nada mais justo. Sobretudo quando encontrarem uísque na mamadeira do caçula.

Enfim, a crionça vai aprender tudo de bom com o Super Vô Ranzinza. Só não vai aprender de mulher, porque isso o avô nunca soube mesmo. De mulher, o pai explica depois, seja lá quem ele for.

Por sinal, difícil saber quem será a mãe dos meus netos.

BUG NO SISTEMA – Os avôs têm apenas um grande problema: em geral, já são bem idosos ou doentes quando os netos criam consciência de quão importantes eles foram na educação dos pimpolhos.

É comum os netos caírem em si apenas na fase adulta, quando já é tarde demais. Aí querem levar o avô para passear, para tomar uma birita, para o show de strip-tease na boate. A pressão alta, o Mal de Alzheimer, e tantas outras mazelas não vão permitir que o velho saia de casa.

Tudo isso é mais um motivo em prol da causa humanista do Super Vô Ranzinza. Quando meus netos crescerem, talvez eu não esteja tão senil (tirante o uísque na mamadeira) para aproveitar e tentar ajudar um pouco para que a criança lambança não fique tão parecida com o avô.

De repente, o Super Vô Ranzinza pode ser um avô de criação, por que não? Uma espécie de avô substituto da barbona branca.