Napster 2004 e a solução Macintosh

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
Julho 2003

O Napster vai voltar. Bem diferente do que era, é verdade. O mais interessante é que o programa deixará de ser o algoz da indústria para tornar-se, talvez, a maior (e última?) esperança dessa mesma indústria fonográfica para conter a crescente pirataria de músicas na internet. Em tese, é estranho porém viável. Como diria Jack, vamos por partes.

Quem pretende relançar o Napster é a Roxio, que acaba de comprar o PressPlay. A mesma Roxio que tempos atrás adquiriu a Adaptec, famosa pelo software Easy CD Creator, específico para gravação de CDs e confecção de capas de álbuns – ironicamente, um dos preferidos dos piratas. O Napster da Roxio, previsto para entrar em ação somente em 2004, terá o catálogo das grandes gravadoras responsáveis pelo PressPlay. Nesse ponto, vale explicar um pouco como funciona(va) o serviço e sua principal concorrente, a MusicNet. São serviços pouco conhecidos no Brasil, mas que receberam pesados investimentos por parte da indústria.

DUOPÓLIO ONLINE – Desde meados de 2000, as iniciativas mais interessantes e lucrativas foram compradas pelas gravadoras. Um dos casos mais famosos é sobre o MP3.COM, que foi vendido por milhões de dólares para grandes gravadoras e, só assim, conseguiu se livrar dos processos judiciais que ameaçavam fechar o site. As gravadoras começaram não apenas a comprar as iniciativas, como também a investir em soluções próprias para vender música por download. Hoje, o MP3.COM é um site qualquer, sem personalidade.

A impressão é que a indústria fonográfica deu uma rasteira em todo mundo para abocanhar e reter, justamente, o que antes demonizava. Alguns acreditam que continuará demonizando até o momento em que exerça pleno controle – uma visão que tende a mostrar-se surreal com o passar do tempo. Afinal, aos poucos as gravadoras percebem que não há condições de gerenciarem tudo. E começam a se desfazer dos projetos milionários, como ocorre agora com a venda do PressPlay para a Roxio. Não se trata de elocuções. São fatos.

Para termos uma idéia de como foi a rasteira: em julho/agosto de 2001, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciava uma investigação antitruste contra as pré-lançadas MusicNet e PressPlay, duas iniciativas para distribuir músicas pagas através de download ou streaming. Ambas joint-ventures controladas por grandes gravadoras. Isso há quase três anos, vejam só. Claro que deu em pizza.

O governo americano queria examinar, com cautela, as prováveis aplicações das leis de direitos autorais e as práticas de licenças que seriam utilizadas na distribuição de música online. A questão é simples. O aglomerado por trás da MusicNet conta com AOL Time Warner, RealNetworks, EMI Groups e Bertelsmann AG, esta uma subsidiária da própria Bertelsmann, dona da BMG e a dona do… Napster! A tecnologia adotada pelo MusicNet tem a assinatura da RealNetworks, arquiinimiga da Microsoft no âmbito multimídia.

O PressPlay tem por trás a Sony, a Vivendi Universal e a… Microsoft. No caso do PressPlay, a tecnologia adotada é o Windows Media. Pela lógica, o maior beneficiado dos dois serviços seria o usuário — afinal, são concorrentes, de empresas supostamente inimigas as quais, a fim de conseguirem o maior número de consumidores possível, precisariam oferecer preços baixos e alta qualidade. Certo? Nem tanto.

MusicNet e PressPlay nada mais foram do que projetos que, pouco tempo antes, respondiam pelo nome de “Duet”. Na época, a imprensa deu uma ampla cobertura sobre o assunto. Diziam ser a palavra final no trato de vendas online de músicas, a partir da origem: as próprias gravadoras. No fundo, ambos os serviços são como dois comerciantes que mantêm uma relação amigável de logística e cooperação, não obstante venderem o mesmo tipo de produto e objetivarem o mesmo tipo de receita. Não é à toa que o governo americano ameaçou retaliar.

Um dado objetivo: 80% de toda a música vendida e, por conseguinte, passível à lei de direitos autorais, faz parte do acervo de cinco grandes gravadoras que estão — olha só que coincidência — por trás dos serviços MusicNet e PressPlay. Simples assim. A propósito, o Napster saiu do ar em 2001 após enfrentar processos judiciais sobre quebra de direitos autorais pela indústria fonográfica.

NAPSTER 2004 — A Roxio comprou o PressPlay, serviço de venda online de música por assinaturas, sob valor estimado em US$ 39,5 milhões. Não foi muito, levando em consideração que, após ter sido fechado, o Napster foi vendido para a Bertelsmann por US$ 50 milhões. A idéia é lançar um produto parecido, para vender músicas por download. Só que, evidentemente, com a poderosa grife Napster.

Agora, com o Pressplay e o Napster, a Roxio garante [em comunicado oficial] que pretende “ressuscitar a marca mais poderosa no mundo da música online.” Com a aquisição do Pressplay, a Roxio fica com os direitos de usar catálogos das cinco maiores gravadoras do mundo, assim como a infra-estrutura de distribuição de música pela internet. O contrato diz que a Sony Music e a Universal Music Group, ex-controladoras do Pressplay, têm direito a receber US$ 6,25 milhões caso o novo Napster dê lucro.

Justiça seja feita. Não obstante o poder da grife do Napster, o serviço enfrentará um forte concorrente. É o iTunes Music Store, lançado pela Apple agora em 2003, que já conseguiu vender mais de 2 milhões de músicas. Detalhe: em duas semanas. É mais do que os outros serviços conseguiram em anos de funcionamento. Parece milagre, mas o pessoal está comprando música pela internet, sim.

Steve Jobs, fundador da Apple, entrou em uma jogada arriscada que, até agora, tem dado certo. O iTunes, por enquanto, só funciona para computadores Macintosh. Cobra US$ 0,99 por cada música, no formato AAC, de excelente qualidade.

O OLHO QUE NEM TUDO VÊ – Há um estridente fator psicológico no iTunes o qual, talvez, tenha passado sem percepção pela imprensa especializada. Noventa e nove centavos por cada música, sem dúvidas, parece barato. No entanto, façamos as contas. Dez músicas equivalem a, mais ou menos, um CD inteiro. Logo, o custo fica em US$ 9,99. Não muito diferente de um CD comprado nas lojas. E com dez faixas, já que geralmente um CD possui mais. Mesmo assim, o iTunes tem funcionado bem.

O usuário pode ouvir no computador, no iPod (espécie de walkman digital da Apple) e até gravar em CDs. Não dá para converter em MP3, nem distribuir de volta na internet, muito menos duplicar. Tudo por conta da segurança nos arquivos AAC. Segurança que, aliás, inexiste no formato MP3. Outro formato seguro é o Windows Media, da Microsoft. Evidentemente, a Apple não optou pelo padrão de Bill Gates, pelos motivos óbvios.

Ninguém sabe ao certo se o iTunes vai funcionar por mais tempo. A tendência é que sim. É um serviço sólido, não é caro e, o mais interessante, não está com as grandes gravadoras no controle.