Imprensa e Tecnologia: reflexões

Observatório, 30.abril.2003

Paulo Rebêlo (*)

Primeiro

Em linguagem rasteira, hoje em dia quase tudo pode se transformar em pauta de tecnologia. Um carro do ano chega dotado de tecnologia nova no motor, na suspensão etc; o mesmo vale para um aparelho de celular, um equipamento de som, as firulas de uma determinada indústria (fonográfica, por ex.), as políticas de inclusão digital e, claro, os computadores e a internet.

Logo, diferentemente do que um punhado de gente possa pensar, cobrir tecnologia não é saber das últimas novidades sobre computador e internet. É preciso, antes de mais nada, ter razoável conhecimento científico e um certo embasamento técnico, capazes de fazer com que você reflita se isso ou aquilo é tecnicamente viável ou se pode estar com os dias contados no comércio, por exemplo.

Ninguém nasce sabendo. É preciso ter interesse, ler, pesquisar. Funciona (ou deveria funcionar) assim em qualquer outra área de jornalismo. Este mesmo jornalismo cada vez mais sofrido, com signatários que entendem tanto do que escrevem quanto americano entende de futebol.

Computadores e internet talvez sejam o calcanhar-de-aquiles de jornalistas que cobrem e gostam de manter-se atualizados sobre tecnologia, embora sejam taxados de jornalistas de internet ou jornalistas de computador, com aquele desdém característico.

O desdém, quando vem de uma leigo, é compreensível. Quando vem de um colega de profissão geralmente é fruto de ignorância ou arrogância. Quando não ambos. É algo similar ao desdém enrustido que os jornalistas que cobrem esportes precisam enfrentar.

Segundo

A imprensa de tecnologia depende muito do noticiário internacional. Muito mais do que deveria. Pela lógica, a dependência é péssima para a prática do bom jornalismo. Basta olhar a cobertura da guerra no Iraque, pelos jornais brasileiros, para ver como quase todas as publicações fizeram transcrições das agências e quão pobre foi o resultado final.

Certamente, depender de agências noticiosas e sites internacionais é uma grande lástima, necessária em algumas situações, mas também funciona como um interessante divisor de águas. Tal dependência é, justamente, o meandro que separa os jornalistas que fazem jornalismo dos jornalistas que batem ponto na editoria porque o editor-executivo assim decidiu ou porque achou-se uma vaga. É o filtro que separa o copiar-e-colar e as traduções das boas reportagens investigativas e de cunho social sobre… computadores e internet.

Eventos, lançamentos de produtos, novas versões de software, entre outros assuntos similares, acontecem todos os dias e, mantendo a devida relatividade, esboçam quase sempre um teor noticioso mais benéfico às empresas do que ao leitor. O interessante, e não apenas em tecnologia, mas em qualquer editoria, é procurar olhar a notícia sob outro prisma, pesquisando, estudando e se informando sobre o tema. É aí que entra o conhecimento científico e o embasamento técnico mencionados no início.

A transcrição de releases, às vezes na íntegra, é um assunto já tão mastigado que não vale nem a pena entrar no mérito da questão. Mas, no caso de tecnologia, é duas vezes estranho, quando levamos em conta que, às vezes, o próprio release é tecnicamente falho – sobretudo quando uma assessoria atende clientes de áreas distintas.

Terceiro

Outro problema começa quando o responsável pela autoria de uma matéria não reúne o mínimo conhecimento técnico da máquina que permita a produção do texto, sabendo apenas mexer no Word e passar e-mail.

Fato é que não precisamos de mais do que isso para fazer bom jornalismo, não há dúvida. No entanto, para sair da ala comum dos releases e da tradução de noticiário internacional, além de se pautar pelos sites especializados, é preciso pesquisar e estudar o assunto a ser trabalhado. Parece óbvio, não é?

Afinal, em tecnologia são pouquíssimas as oportunidades para entrevistar fontes, ir pessoalmente averiguar uma ocorrência, conviver com a notícia. Logo, deveria ser mais do que necessário à reportagem um alicerce sólido tecnicamente. Não é difícil. É só ter interesse e pesquisar, mergulhar na notícia. E não ficar esperando a resposta da assessoria, por vezes demorada e simplória, e escrever a matéria apenas com base no release e em uma ou duas aspas.

É verdade que a imprensa de tecnologia, no Brasil, tem qualidade ímpar. Não obstante, por motivos óbvios para alguns, a dependência de notícias, análises e fontes que vêm de fora é uma presença peculiar, mas um grupo de jornalistas que cobre a área se destaca prontamente. Não tenho autoridade para citar nomes, inclusive porque não conseguiria lembrar de todos em um fôlego só.

Uma humilde conclusão que costumo passar a colegas é a seguinte: o problema não é a dependência do noticiário internacional, mas o relacionamento do jornalista com essa dependência.

Também não tenho competência ou experiência suficiente para criticar veículos que publiquem reportagens de tecnologia. Embora, como leitor, ache complicado receber boletins (newsletters) ou entrar em sites que se intitulam “especializados” e perceber que as matérias são meras traduções, às vezes até mesmo recortadas, de publicações estrangeiras.

Chega a ser engraçado notar como boletins, de diferentes publicações, trazem notícias idênticas. Só que o leitor não-jornalista (e que não recebe os releases por e-mail para conferir) ou o leitor não muito interessado em tecnologia nunca sabe disso. Não seria mais racional juntar tudo e criar um super site especializado, reunindo o que há de melhor?

Quarto

Há uma grave crise financeira – até sou vítima dela – presente nos setor, motivo pelo qual sou levado não a criticar, mas a procurar refletir sobre a situação da imprensa de tecnologia tupiniquim, considerando-a estranha. Pois em tempos de crises assim, com as redações cada vez menores e os recursos ainda mais escassos, fica possível diferenciar um jornalista interessado de um “escrevedor”.

Há uma gama de acontecimentos e notícias que nunca chega aos cadernos de informática e aos sites especializados do Brasil. Não está havendo um equilíbrio entre as notícias de fora e as reportagens de dentro. Não como forma de substituir as traduções pois, como sabemos, não há como ficarmos independentes do dia para a noite. Mas, sim, como forma de sair do renque padrão, de procurar as notícias escondidas em todos esses releases e divulgações de novos produtos que chegam a nossa caixa postal.

Aqueles jornalistas que têm a oportunidade de mostrar seu interesse e que já descobriram que computador e internet são apenas ferramentas, e não meios ou fins, estão deixando os outros para trás. É uma vantagem digna de menção e que, não tenham dúvida, é motivo de inveja daquele seu colega que costuma chamá-lo de jornalista de internet com desdém.

(*)