O câncer universal

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
abril 2003

Não é mais novidade que a Abril Music fechou as portas, depois de quatro anos e meio de atividades como gravadora genuinamente nacional. Não obstante quaisquer dúvidas ou receios em relação à política adotada por gravadoras, fato é que foi uma perda para o país. Sobretudo porque, diferentemente do que muitos possam pensar, as gravadoras nacionais encaram substancial desvantagem em relação às multinacionais por causa de uma situação óbvia: elas não tem o catálogo internacional.

São tempos de grandiosas crises financeiras (os jornalistas que o digam!) e com alguns pilares do setor fonográfico não é diferente. O interessante, no caso do fechamento do Abril Music, foi a entrevista do seu ex-presidente, Marcos Maynard, à Folha de São Paulo. Ao ser indagado se a indústria fonográfica estaria com câncer, Maynard garante que o câncer é a pirataria. É possível que seja. Contudo, talvez seja mais prudente encararmos a pirataria como um dos cânceres pelo qual sofre a indústria, e não apenas o único, conforme pudemos ver nas colunas anteriores.

É aquela velha história: quando se pergunta algo a alguém, por qualquer assunto que seja, esse alguém irá revelar a versão dos fatos dele, a qual não é, necessariamente, a versão mais concreta, factual ou verossímil. Um dos pilares básicos do bom jornalismo é, justamente, ouvir não apenas os dois lados da moeda, mas todos os lados envolvidos.

Quando várias facções (executivos, vendedores, músicos, consumidores, internautas…) que integram ou participam uma mesma indústria (fonográfica, entretenimento…) passam a ter opiniões e posturas divergentes, então é evidente que alguma coisa não está certa. Na eventualidade de termos a oportunidade de pegar um representante de cada facção e jogarmos em uma mesa de debates, provavelmente poucas posturas serão semelhantes. É mais ou menos como a piada dos dez economistas que, após extensas horas de reunião, saem com onze propostas diferentes e divergentes entre si.

Em termos comerciais, diversos analistas acreditam que a indústria fonográfica está chegando ao fundo do poço. No caso da brasileira, muita gente acredita que ela já está lá, esperando ansiosamente as demais. Não é novidade que, para onde se olha, encontra-se executivos que se acham gênios superdotados, quando muitas vezes apenas copiam iniciativas de relativo sucesso; ao mesmo tempo em que encontramos artistas e músicos que se sentem verdadeiras obras divinas e iluminadas.

Na hora de o primeiro grupo assumir o erro por políticas e decisões equivocadas, o quadro muda de figura e a culpa é unicamente da pirataria, esquecendo um complexo leque de fatores como a cultura do brasileiro, a realidade econômica do país e os preços praticados pelo mercado, apenas para citar alguns. No caso da Abril Music, é muito interessante notar que, na entrevista do Maynard, o próprio admitiu que a gravadora não estava tão mal das pernas assim, como havia sido propagado.

O consumidor e os artistas devem valer-se de seus direitos, usar os meios de comunicação disponíveis — sobretudo a internet e a imprensa escrita — para questionar verdades universais divulgadas por ambos os lados e, até mesmo, filosofar um pouco sobre a eterna questão: a pirataria existe por conta dos altos preços dos CDs ou o alto preço dos CDs existe por conta da pirataria? Se você souber responder a isso, aproveite e responda também quem chegou primeiro, o ovo ou a galinha.

Não há dúvidas, para qualquer pessoa em sã consciência, sobre os prejuízos diretos e indiretos causados pela pirataria desenfreada, não apenas de CDs, mas de praticamente qualquer produto. Mas oras, se o preço de um CD popular está além da realidade da esmagadora parcela de consumidores, que estímulo maior precisa a pirataria? Nenhum. A conta não fecha. Bateu no bolso, a coisa pega.

Em uma ótima reportagem de Aquiles Rique Reis para o Estadão, o autor esclarece um dos piores círculos viciosos envolvendo artistas e mercado: a indústria diz que não é possível gravar um artista porque ele não aparece na televisão e nem toca no rádio. Por sua vez, a rádio diz que não toca a música desse artista porque ele não tem disco gravado e nem aparece na televisão. E a televisão responde que o artista não é programado porque ele não tem disco gravado, nem toca no rádio. E assim vão se pegando.

Sem contar no famigerado jabá, que de tão discutido e abordado parece ter virado peça de folclore quando, na verdade, está longe de ser um mito. Jabá é uma nomenclatura engraçada para algo que não é nem mais e nem menos do que corrupção em mão dupla. Jabá bom é o jabá baiano, região onde jabá é o mesmo que carne de charque. A promiscuidade do jabá desenfreado é mais danosa do que supõem alguns, essencialmente para os consumidores, obrigados a um senso estético duvidoso de um punhado de tratantes. Vem cachorrinho, que sua dona está chamando. Se a dona fosse a Kelly Key, a gente até que ia correndo. Mas, não é.

Por essas e outras de gravadoras nacionais e multinacionais, que a maioria dos cidadãos de Pindorama amantes da boa música ainda desconhecem excelências como os brasileiros que disputaram o último Grammy. Sem a internet, ainda não conheceriam. Falta ousadia por parte da indústria, falta olheiros, falta apostas em novos talentos. Falta muita coisa, mas também falta diminuir um pouco a mania de demonizar a pirataria — e por conseguinte a falta de dinheiro do cidadão — como se fosse o único tentáculo, sem olhar para o próprio umbigo.

MUSICNET DE VOLTA À MÍDIA —

A America Online voltou a emplacar o MusicNet na imprensa internacional, uma empreitada da empresa com um aglomerado de outras companhias para vender músicas pela internet, a fim de conter um pouco a pirataria sem freios.

Agora, a novidade é que os usuários/assinantes da AOL podem comprar as músicas online como um serviço premium, mas somente nos Estados Unidos, por enquanto. O sistema de assinaturas oferece áudio, download e criação de CDs das principais gravadoras, por mensalidades que variam entre US$ 4 e US$ 18. O MusicNet é uma joint-venture entre a RealNetworks, as gravadoras Warner Music, BMG e EMI, incluindo selos independentes como o Zomba Musicentre, da Britney Spears.

As empresas envolvidas estão ampliando o acervo musical de 75 mil para 250 mil títulos. Em maio, AOL e o MusicNet prometem aumentar o acervo para 300 mil músicas. A estratégia ajuda a combater a distribuição gratuita de músicas na internet (leia-se: pirataria), seguindo os passos já tomados, e pouco divulgados, de serviços como o Rhapsody, da Listen.com, e o Pressplay, que tem a Microsoft como acionista e participante ativa. De acordo com a Jupiter Research, os serviços de download de músicas e de áudio em banda larga atraem, hoje, 300 mil consumidores. Em termos concretos, é algo muito próximo do nada.

Na assinatura mais barata, a pessoa tem direito de fazer o download de até 20 músicas. Na mais cara, acesso ilimitado com direito à gravação de um CD por mês, incluindo dez faixas. Os arquivos são protegidos contra cópias em um sistema de gerenciamento de direitos autorais da RealNetworks. Diferentemente das primeiras investidas do MusicNet no passado, agora as músicas não têm prazo de validade de 30 dias. O internauta pode armazenar as músicas online, enquanto for cliente da AOL. Dá também para fazer downloads em mais de um computador, só que a partir do terceiro, o sistema só permite escutar a faixa e não armazená-la.