O mistério da bolsa feminina

Paulo Rebêlo // novembro.2002

Anos atrás, eu não entendia o porquê de as mulheres levarem tanto bagulho nas bolsas. Pasta e escova de dente, colírio, pente, toalhinhas, lenços e dúzias de bugigangas. Era o tal “mistério da bolsa feminina”, popularmente conhecido como frescura de mulher. Elas sempre estiveram certas e nós, homens de pouca visão (literalmente), é que somos tolos.


Talvez inconscientemente, o fato é que a maioria das mulheres estão sempre preparadas para uma eventual noite fora de casa. Sem precisar planejar nada, sem precisar ir em casa pegar os utensílios básicos, enfim, sem maiores preocupações. Naquela bolsa, elas guardam o suficiente até para uns três dias.

Imagine-se nesta situação: você sozinho na caliente vida boêmia da cidade, com todas aquelas coisinhas fofas de saias pretas ou vestidinhos soltos, perambulando cheias de amor para dar e, não mais que de repente (de repente = depois de uma grade), você se pega indo para um lugar mais interessante com a fofura, para só voltar no outro dia. Na eventualidade de a fofura já ser uma conhecida ou colega sua (tipo paixão platônica que finalmente deu certo), quem sabe até não role um fim de semana fora. Ali mesmo, direto do bar, sem planejamento.

Não precisa ser necessariamente para um motel — onde você encontra boa parte dos utensílios básicos, mas paga caro por isso — mas é sempre interessante (e elas adoram) ir à casa de um amigo que viajou, um chalé escondido, uma casa de praia emprestada… ou qualquer lugar que sua imaginação fértil possa criar, desde que sem custos.

Quem é liso (redundância de “quem é jornalista”) tem que sempre levar em consideração o fator “custo” antes de qualquer outro. Mas tem que ser na hora, pois se voltar em casa para “tomar banho, arrumar as malas etc”, o encanto se perde. E o efeito do álcool, também.

O final de semana passou, é segunda-feira de manhã, e você tem que ir trabalhar. Lá estará você, com hálito podre, cabelo despenteado, roupa amassada, sujo de areia (imaginação fértil, lembrem-se…) e assim por diante.

A COMPROVAÇÃO DA TEORIA – Certa vez, nas épocas áureas da fanfarrice, uma pessoa muito, muito ranzinza (não adianta, não vou dizer quem é…) estava terminando a sessão noturna de halterocopismo, já quase pronto ao retorno para casa. Não mais que de repente, a fofura platônica que estava na mesma mesa, ciente de que perderia a oportunidade se não agisse rápido, resolve deixar de lado o jogo feminino de sedução e dispara: “Posso ir junto? Mas, não tenho hora para chegar em casa…”.

Acontece que, de fanfarrice eram épocas áureas; de condições financeiras, só vacas magras. Talão de cheques acabou, cartão de crédito estourado. Carteira vazia, não sobrava um tostão – não foi à toa que o Ranzinza precisou voltar para casa depois de apenas duas garrafas de Bacardi. No carro, o tanque já na reserva; e a fofura com o gás cheio.

Vocês já repararam que a praia se torna linda de madrugada, quando não se tem um centavo no bolso e ainda sem um cafofo-esconderijo próprio?

Só que o Ranzinza esqueceu que praia, geralmente, combina com areia. E areia não combina com lente de contato. E entrou areia na lente, areia das grossas.

Lente jogada fora, mas onde estavam os óculos? Em casa. E aquele broto, com todo gás, não sabia que estava lidando com um quase cego em potencial. Hoje, olhando por um prisma diferente, até que teve o lado bom de enxergar nada.

Operação concluída, lá está o coitado de roupa toda suja, ceguinho da silva. E cheio de areia. Um trapo. E mais um pouco o sol ia nascer. No carro, a fofura abre a bolsa: tira uma toalhinha bem pequena, molha com um pouco d’água que estava em uma garrafa também pequena e começa a tirar a areia das pernas. Puxa uma escova para ajeitar o cabelo, uma peça de roupa íntima para trocar. Em uma fração de minutos, lá estava ela, nova em folha. Zerada. E o Zé Ranzinza, um trapo cegueta e com areia até o pé do ouvido.

Com o jeito mimoso que nenhum homem resiste, pede para ficarmos perambulando em algum posto 24 horas até chegar a hora de ir direto ao trabalho. – “Claro. Mas você se importa em dirigir?”, responde o Ranzinza.

Era incerto como seria após deixá-la no trabalho, mas para tudo há solução. Não havia dinheiro para táxi, sequer para a passagem de ônibus. Quer dizer, ela deveria ter ao menos o dinheiro de uma passagem para emprestar e eu poder voltar para casa pegar os óculos – depois de pedir ajuda a alguém para não pegar o ônibus errado.

“Nunca aprendi a dirigir” — responde a criatura. Lá vai o Ranzinza, cheio de areia, cegueta, e muito, mas muito enfezado, ligar para um tele-táxi do orelhão da praia.

Fim da história: horas depois, o Ranzinza a deixa no trabalho de táxi. Ela sai do carro tão intacta que até perfume tinha passado. E o Zé ainda tirando o grude da orelha e pensando na bendita conta do táxi e em como ia conseguir enrolar o motorista para pagar depois.

MORAL DA HISTÓRIA: Hoje, as pessoas acham engraçado quando descobrem que o Super Ranzinza anda com uma mochila no portamalas do carro, contendo o básico para situações emergenciais. Ninguém gosta de pagar o mesmo mico duas vezes e não dá para andar com uma “bolsa” a tiracolo, como fazem as mulheres.

A Cremilda (mochila) carrega 1 litro de soro, uma garrafinha d’água, um par reserva de lentes de contato, um espelho pequeno para trocar a lente se necessário, uma toalha grande, duas pequenas, duas cuecas, duas camisas velhas, uma bermuda, um par de meia, uns 30 reais escondidos dentro de um envelope que eu termino sempre gastando no bar, um ou dois livros, um rolo de papel higiênico, um desodorante barato, um sabonete safado, um envelope de Tylenol, um saco de dormir tipo acampamento, um despertador, um chinelo velho, um pente, pasta e escova de dentes, uma câmera fotográfica (ossos do ofício) e, claro, um óculos reserva.

Estou pronto para a guerra. Agora, que venham as fofuras e avante!